Um bom conselho

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Me parece que o “calcanhar de aquiles” de Sebastian Vettel é sua pouca consistência quando submetido a pressão e, assim , não é estranho que tente evitá-la sempre que possível

Como muitos outros jovens de Brooklyn, Floyd Patterson se iniciou no boxe treinando num dos vários ginásios do bairro. Desde o princípio, Floyd mostrou estar dotado de uma excelente técnica e elegância no ringue, que lhe pressagiavam um brilhante futuro. Assim foi: em 1952, com apenas 17 anos, ganharia a medalha de ouro nos Jogos Olímpicos em Helsinki e, em 1956, com 21 anos, seria proclamado como o campeão mais jovem dos pesos pesados.

Floyd parecia não ter rival naquela época até que, em 1959, enfrenta ao sueco Johansson. O sueco, lutador com escassa técnica e poucos recursos mas dotado de uma direita demolidora, pega Floyd de surpresa e conecta sua direita direto na mandíbula do americano, que cai na lona. Era o terceiro assalto. Johansson logra derrubar o adversário em outras seis ocasiões até que o juiz decreta o fim do combate e a vitória do sueco.

No combate de revanche, Floyd recuperaria o titulo sem problemas nocauteando o sueco no quinto assalto. Porém, todos já sabiam qual era o ponto débil de Floyd: não suportava bem os golpes na mandíbula. De fato, ele passou a ser popularmente conhecido como “crystal jaw”, mandíbula de cristal.

Em 1965, Floyd já não era o campeão mas ganharia o direito a disputar novamente o título, sendo então seu rival Muhammad Ali. Depois de vencê-lo, Ali deu ao adversário o seguinte conselho: “Floyd, se você não aguenta os golpes, não deixe de golpear!”

Sempre que leio sobre Sebastian Vettel e suas conquistas na Fórmula 1, me vem à memória Floyd Patterson e não posso deixar de pensar nas similitudes que me parecem haver entre ambos casos e naquele conselho de Ali. A lógica que inspirava tal conselho não podia ser mais esclarecedora: aproveitar as virtudes próprias para, assim, não deixar expostas as debilidades.

Aquele conselho, aplicado a Vettel, me parece que nos deixa exposta qual é a debilidade do jovem alemão: não aguenta a pressão.

Em 2010, Vettel cometeu vários erros sob pressão, apesar de contar com claro favoritismo dentro da equipe. Na Inglaterra, esse favoritismo ficou bem claro nas palavras de Webber, após vencer a corrida, quando disse pelo rádio : “Nada mal para um piloto nº 2, não é?”.

Na Hungria, Vettel seria penalizado por deixar demasiada distância do safety car, quando liderava a prova. Mas foi na Turquia onde o alemão cometeu seu maior erro: bateu em Mark Webber, que liderava a corrida com folga e não esperava o ataque do companheiro, usando, inclusive, o mapeamento de motor no modo de poupança de combustível. Vettel privou o australiano de uma vitória certa, ficando ele mesmo fora da prova, além de complicar a posição dos dois no campeonato.

No GP da Bélgica de 2010, Button, estando à frente de Vettel, acabou levando uma batida deste a partir de uma pouco afortunada tentativa de ultrapassagem. Como na Hungria, o alemão acabaria sendo punido com um drive-through.

Das cinco vitorias de Vettel naquela temporada, em todas ele escapou na liderança logo no principio (partia da primeira fila em quatro delas), enquanto que na temporada de 2011, suas 11 vitórias foram conseguidas partindo desde a primeira fila (em nove delas desde a pole) e este dado me leva a pensar que, talvez, Vettel estivesse aplicando o conselho de Muhammad Ali, que reformulado ao seu caso poderia ficar assim: “Vettel, se você não aguenta a pressão, não se coloque em situação de ser pressionado”.

Houve um GP onde isso não foi possível: Canadá 2011. Naquele GP, Vettel, uma vez mais liderava, mas Jenson Button começou a se aproximar nas voltas finais. Sentindo o hálito do inglês na sua nuca e já na última volta, Vettel cometeria um crasso erro que entregaria em bandeja a vitória. Foi a única vez em toda a temporada que o alemão foi realmente pressionado e… sucumbiu.

Sabido é que os grandes campeões exibem o melhor de si mesmos precisamente quando submetidos a pressão – exemplo: Hunt, Prost, Senna e Alonso), mas Vettel parece não ser tão bom neste quesito. Alguns esgrimem sua superioridade sobre Webber para atribuir-lhe mais mérito nos logros da Red Bull, mas o australiano, quando conseguiu partir da ponta, normalmente também dominou em suas vitórias (exemplo: Inglaterra, Espanha e Hungria em 2010).

No entanto, me pergunto se essa superioridade de Vettel sobre Webber não se deriva de seu físico. Eu mesmo, faz alguns anos, escrevi ao respeito da importância do peso e estatura corporal do piloto no conjunto e ainda que desde 1996 o peso total do carro inclui o piloto, a sua importância segue estando presente.

No caso de Vettel e Webber, o australiano é dez centímetros mais alto e 12 quilos mais pesado do que o alemão. Isto deixa Vettel com vantagem, pois os engenheiros contam com 12 quilos corporais menos para dispor de mais lastro. Supondo que esses quilos extras fossem colocados no fundo do carro, não é difícil imaginar que seu centro de gravidade seria ligeiramente mais baixo que o do carro de Webber e este é um ponto que os engenheiros buscam com obsessão.

Tampouco é difícil imaginar que esses quilos de lastros bem distribuídos podem deixar o carro de Vettel mais equilibrado e com melhor desempenho que o de Webber (também pode afetar o comportamento dos pneus). É possível que a diferença seja ínfima, mas numa competição em que até os milésimos de segundo contam…

No último GP da Malásia, fomos testemunhas de como os nervos novamente traíram Vettel em sua ultrapassagem a Karthikeyan, e que acabaram provocando o choque entre ambos e comentários pouco respeitosos que o alemão dedicou ao indiano. Na Espanha, ele seria punido uma vez mais. Na presente temporada, sem a esmagadora superioridade que lhe proporcionava dispor do melhor carro, até Mark Webber lhe esta superando, apesar de sua desvantagem corporal. E as suas duas vitórias até aqui, Bahrein e Singapura, confirmam plenamente seu estilo.

Em definitiva, me parece que o “calcanhar de aquiles” de Vettel é sua pouca consistência quando submetido a pressão e, assim , não é estranho que tente evitá-la sempre que possível, o que me faz lembrar daquele conselho de Ali, mas… sem o melhor carro nas mãos, essa é uma tarefa que lhe está resultando muito difícil.

Manuel Blanco

Manuel Blanco
Manuel Blanco
Desenhista/Projetista, acompanha a formula 1 desde os tempos de Fittipaldi É um saudoso da categoria em seus anos 70 e 80. Atualmente mora em Valência (ESP)

5 Comments

  1. Arlindo Silva disse:

    James Hunt foi um grande campeão? Desculpe, mas discordo.

    Creio que Vettel tem mais problemas com pressão do que Fernando Alonso quando esse tinha a idade de Sebastian, mas quando comparado com Lewis Hamilton, verifica-se que o alemão lida melhor com a pressão do que o britânico. A reta final do campeonato de 2010 é um excelente indicativo.

    Ainda sobre Vettel, seus dois abandonos em Valência e Monza estão lhe custando caro nessa reta final de campeonato contra Alonso. Mas, como Edu disse numa coluna em 2006, Deus não joga dados, e é possível que Alonso também enfrente problemas assim até o fim do ano.

  2. Fabiano Bastos das Neves disse:

    Discordo da sua avaliação, mas tem como não elogiar o belíssimo texto que você produziu para defender sua opinião. Ficou muito bom mesmo.
    Mas, na minha opinião, não dá pra creditar a superioridade esmagadora de resultados de Vettel sobre Webber apenas a diferença de peso e estatura existente entre os dois. Fosse assim certamente já teriam colocado anões a dirigir os carros da F1.
    Concordo que Vettel não reage bem a pressão, mas credito isto a sua pouca experiência. Com a idade dele Ayrton Senna estava conquistando somente sua primeira vitória na F1, e o garoto já é bicampeão, mesmo tendo disputado somente 4 temporadas completas (50% de aproveitamento).
    Talvez ele não seja o melhor piloto do grid, acho Alonso mais completo e Hamilton ligeiramente mais rápido (porém menos consistente), mas certamente ele está entre os melhores.

  3. Mauro Santana disse:

    Coluna fantástica Manuel, parabéns!!

    Na minha opinião, Vettel só venceu os 2 campeonatos porque dispunha do melhor carro, e isso vale também para Button.

    Vettel esta longe de entrar no time dos grandes campeões da F1.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  4. Fernando Marques disse:

    O Maguila tambem tinha o queixo de vidro …
    Com relação ao Vettel, acho ele mais equilibrado que o Hamilton que no entanto é o unico a fazer frente ao Alonso como ele mesmo disse …
    Falando Hamilton … veio a noticia que ele em 2013 vai correr pela Mercedez … se o R. Brown fizer um bom carro poderemos ter uma temporada novamente bem disputada como está sendo este ano … o S. perez vai para a Mclaren e aí saberemos se o mexicano temum bom futuro mesmo na Formula 1.
    Creio que depois disto tudo só falta a Ferrari confirmar o MAssa na Ferrari. Depois destas alguem duvida?
    E o Dick Vigarista: para ou vai pra Sauber? … Eu aposto na Sauber … ele só para depois de bater o recorde do Rubinho …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  5. Allan disse:

    Manuel, não sou fã de Vettel, mas parto em sua defesa contra seus argumentos. Acredito, inicialmente, que Hamilton, por exemplo, tende a ter mais queixo de cristal que o alemaozinho. Vettel de fato sucumbiu a Button no Canadá 2011, aí sim sob pressão, mas debaixo de condições diferenciadas e talvez com pneus menos gastos (Senna também o fez em Monza 87, certo?), mas as demais citações ocorreram em momentos em que Vettel pressionava para ultrapassar, sendo o erro em Spa 2010 o pior de fato – mas veja que ele aprendeu a lição da pista, tendo em vista as inúmeras ultrapassagens nesta temporada naquela pista (sobre Webber, 2 vezes sobre Massa, etc., todas praticamente no mesmo ponto). Quanto a reclamação de Webber em Silverstone 2010, o recado foi direto ao H. Marko, que é fã declarado do Vettel e queixoso quanto ao Canguru, que não veste muito a camisa do time. Além do que, havia o episódio da asa, aliás, bastante semelhante ao que aconteceu em Spa neste ano na McLaren (só que Hamilton se “queixou” de outra maneira…). Por fim, não dá pra atribuir a diferença física aquelas imensas entre o talento dos dois rubro taurinos, coisa que se vê quando ambos estão escalando o pelotão…
    Abs.

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