Unfair play 2

Moss seguido por Hawthorn em Monza 58
Unfair play 1
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O melhor e o pior da F1 – parte II
14/05/2020

Leia a 1ª parte desta coluna.

Vamos avançar um pouco no tempo.

Em 1964, ano em que John Surtees (Ferrari) foi campeão, seu companheiro Lorenzo Bandini foi acusado de bater de propósito em Graham Hill, no GP do México. Para quem não viu a cena, Hill (BRM) vai contornar normalmente o grampo quando Bandini, que disputava com ele o terceiro lugar, se coloca do lado direito do rival e começa a contornar por dentro. Atinge levemente a traseira do BRM, que sai da pista e acaba danificando o escapamento no guard-rail.

O suficiente para perder ritmo e algumas posições.

É preciso levar em consideração que Surtees tinha optado pelo seu habitual e confiável 158, deixando para Bandini o novo e promissor V12 flat, mais rápido, mas ainda por provar sua confiabilidade. Não poderia ter sido mero excesso de entusiasmo de Bandini, porque tinha um carro mais potente? Ano passado vimos cena similar entre Max Verstappen e Charles Leclerc na Áustria, com a diferença de que este passou longe do guard-rail e pode prosseguir sem alteração em suas condições mecânicas. Max não foi punido.

Também é preciso levar em consideração que Jim Clark, o outro postulante ao título, tinha a corrida e o campeonato garantidos até completar a penúltima volta, quando o motor de seu Lotus abriu o bico. Logo após a linha de chegada.

Agora Surtees tinha chance de ser campeão. Se ultrapassasse Lorenzo. Este foi alertado para dar passagem e, aí sim, colaborou.

Se com tudo isso ficou a impressão de que Bandini não tinha se comportado esportivamente, o que dizer de Prost, em relação a seu companheiro de equipe na McLaren, em Suzuka 1990?

Prost vira o volante antes do ponto de tomada da curva para bater – claramente de propósito – no carro de Senna. Com os dois carros fora ele seria campeão automaticamente. Não contava que Senna seria empurrado, era permitido, e voltaria podendo obter os pontos que precisava.

Prost não espera o final. Assim que chega aos boxes vai direto falar com seu compatriota, ex-colaborador dos nazistas, Jean Marie Balestre. Os dois combinam o que aqui no Brasil seria chamado de “patriotada”. Balestre inventa uma desculpa para desclassificar Senna e assim dar mais um título de pilotos para seu país.

Espírito esportivo zero de um dirigente máximo do esporte, não?

Prost fez escola. Michael Schumacher, dono dos números absolutos na F1, fez o mesmo contra Damon Hill e Jacques Villeneuve.

Deve ter achado que não era o suficiente. Teve a cara-de-pau de estacionar sua Ferrari atravessada na Rascasse para impedir que Alonso pudesse tentar tirar a pole de suas mãos. Castigo: ficou de mãos vazias, foi removido da pole, em momento pra lá de vergonhoso.

Alonso também não é nenhum santo. Aquela batida proposital de Nelsinho Piquet no muro foi um exemplo tão clamoroso de falta de espirito esportivo que incidiu em banimento da categoria. Só fica difícil entender porque não foram retirados os pontos de Alonso, já que essa manobra escabrosa foi feita em seu benefício. Qual a coerência em punir os envolvidos e manter o benefício?

Alguns anos depois, já pela Mercedes, Michael encontra seu ex-colega de equipe Rubens, de quem já tinha tirado algumas merecidas vitórias – capítulo inteiro à parte em matéria de falta de espírito esportivo – na reta do circuito húngaro.

Sem grandes motivos, espreme criminosamente o brasileiro no muro. Na frente de todo mundo.

Será que o fair play na F1 está totalmente extinto ou ainda sobrevive?

Será que é reflexo das mudanças que aconteceram no mundo? Nos tornamos uma sociedade implacável, em que a vitória tem que ser obtida a qualquer custo?

“Feio é perder”, como dizia o veterano político paulista Paulo Maluf?

Qual o valor do multi-campeão Michael Schumacher frente ao sem-título Stirling Moss?

Este colunista não hesita em dar mais valor a Moss.

Convido quem lê estas linhas a listar aqui seus exemplos de fair e unfair play na F1 e tirar suas próprias conclusões.

Abraços,

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

8 Comments

  1. Fernando marques disse:

    Chiesa,

    Antes de mais nada você foi perfeito ao dizer que a história da fórmula 1 nunca devem ser esquecidas e sim sempre lembradas
    Com relação ao Fair play penso que aquela manobra do Prost em 1989 e troco do dado pelo Senna em 1990 abriram um sério precedente para a categoria. Este precedente se dá pelo fato de nem Prost e nem Senna terem sido exemplarmente punidos. Dick Vigarista apenas se aproveitou dessa situação. A punição correta seria a cassação dos títulos mundiais por eles conquistados . Se Prost fosse assim punido, duvido que haveria o troco do Senna e assim como o que o alemão fez com Hill e villenueve.
    Quando Mansel e Piquet estiveram juntos naquela comercial da Ford eles exaltaram os seus feitos conquistados sem que precisassem jogar seus adversários para fora da corrida. Este é um para mim um belo exemplo de Fair play e esportividade
    O Senna fez isso na fórmula 3 oaraxerr campeão batendo de propósito no Brundle .
    Fora isso o troco que ele deu no Prost demontrou que de Fair play e esportividade ambos, incluso Schumacher, tinham o mesmo ou seja nenhuma. Por nenhum dos três estão no meu pódio dos melhores pilotos da fórmula 2 em todos os tempos.
    O último exemplo de Fair play visto na fórmula 1 foi quando Massa abriu mão de uma vitória mais que garantida no GP do Brasil em 2007 em favor do Raikkonen.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

    • Carlos Chiesa disse:

      Muito obrigado, Fernando. Concordo integralmente que a falta de punição estimula o crime, até onde sei é um conceito básico no direito penal.
      Sem dúvida Senna não era nada bonzinho. Mas me parece que Michael deve ser o campeão absoluto da falta de esportividade de todos os tempos. Não sei se Massa deu exemplo de esportividade ou de lealdade na ocasião citada. Collins cedeu se carro por iniciativa própria, até onde sei, e não por ordem da equipe.

  2. Mauro Santana disse:

    Fantástico desfecho, Carlos.

    Difícil lembra de algum fair play na F1 atual, pois o unfair play tem predominado muito mais, como o Multi21 na Malasia 2013.

    Concordo contigo, Stirling Moss tem mais valor que Michael Schumacher, e a tendência na F1 é ficar cada vez mais distante os fair play que em algum momento deu o ar da graça na categoria máxima do automobilismo.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Carlos Chiesa disse:

      Que bom que você gostou, Mauro. Parece que a F1 deixou de ser um esporte para ser um negócio esportivo. Forte abraço.

  3. Carlos Chiesa disse:

    Dick Vigarista foi um dos apelidos de Michael Schumacher naquela época. Concordo, embora seja claramente um fora-de-série, Michael não teve o mesmo brilho de outros ESPORTISTAS competindo na F1 ou na antiga Grand Prix. Claro, ele e Briatore fizeram uma dupla perfeita, que incluía o famoso truque nos sistemas da Benetton que a FIA não conseguiu descobrir.

  4. PH disse:

    Só um detalhe. A corrida em Suzuka em que Prost propositalmente bateu em Senna na chicane, foi em 1989.
    Resultado de um ‘mau caratismo’ atroz. Se Senna não teve fair play na largada da prova final em 1990 ao bater de propósito, apenas fez o jogo que foi convidado a jogar a contragosto no ano anterior. Feio, tanto quanto o ato de Prost. Mas, um troco à altura.
    Não acredito que uma competição como a F1 ou outras tenham ‘mocinhos’. A luta sempre foi renhida.
    Mas, sem dúvida, em outros tempos, mesmo com uma segurança mínima nas pistas, havia um certo tom cavalheiresco nas disputas.
    Um que transportou muito bem para as pistas seus maus exemplos foi exatamente o tal ‘Schummy’, como os sempre ‘pronto amigos’ de ocasião nas transmissões esportivas gostam de ressaltar. Pode até ser exagero, mas tinha um quê de Dick Vigarista. E, não podemos esquecer que seu chefe de equipe na época em que ele quebrou de propósito a suspensão de Damon Hill era Flávio Briatore. E ainda teve a reincidência com Villeneuve. O mesmo chefe de equipe na época de Alonso/Nelsinho. Coincidência?! E, continuou na F1. E, fora os números em si, normalmente não é lembrado como um absoluto fora de série como um Jim Clark, um Senna, um Stewart. Muita política, mau caratismo, patrocinadores, eletrônica e interesses vários embarcados em um cockpit para só o talento puro destacar-se, hoje em dia.

    • Luciano disse:

      Vale lembrar ainda que a atitude de Senna em 1990 foi consequência não só do roubo do ano anterior mas também de uma nova palhaçada que estava a se desenhar naquele mesmo fim de semana, quando trocaram a posição do pole para que, assim como em 1989, o segundo colocado pulasse a frente na largada. Senna, no briefing, avisou o que faria. Aliás, Prost queimou a largada em 1989 também, fato que pouca gente se atentou, sem ser punido também, vejam o vídeo da largada.

      • Carlos Chiesa disse:

        Opa, desculpe o atraso, Luciano. Você está coberto de razão, foi muito mais ao fundo do que eu. Por isso mesmo considero Prost como um tri-campeão, título roubado não vale. E não culpo Senna nesse caso, foi legítima defesa em caso de assalto à mão desarmada.

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