Valentino Rossi, um tipo de magia

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O genial italiano mostrou, mais uma vez, porque é um dos maiores nomes da história da motovelocidade.

A já clássica vitória de Valentino Rossi, no Grande Prêmio do Catar, superando na linha de chegada as Ducati de Andrea Dovizioso e Andrea Iannone teve ares épicos e trouxe à mente deste autor emoções que nenhum esportista da atualidade seja capaz de produzir.

Exatamente um mês atrás, não parecia possível que “Il Dottore” conseguiria realizar outra proeza como essa. Nos testes pré-temporada, realizados na Malásia e no próprio Catar, o rendimento da Yamaha não deu sinais de que poderia oferecer uma forte ameaça à Honda e até à Ducati, quem diria, a vedete do momento.

A velha guerreira YZR-M1, com a qual Rossi vencera quatro de seus sete títulos na década passada recebeu atualizações, principalmente no braço oscilante, escapamento e no câmbio, cuja versão ultra-rápida completa (sem intervalos entre as marchas) finalmente estava em condições de disputar uma prova.

Mas, apesar do esforço, parecia que a moto estava ficando obsoleta e superada, tal como aquele cantor, que já na meia-idade não consegue atingir os agudos de outrora, precisando pedir à sua banda para baixar a nota em meio tom.

Essa sensação ficava nítida quando a M1 era comparada com a Ducati GP15. A equipe de Bolonha havia produzido uma máquina italianíssima como sempre, mas dessa vez com olhos puxados. A nova Desmosedici, claramente inspirada nas japonesas ficou rápida e equilibrada em curvas como suas antecessoras nunca foram, além de esguia e sexy.

O próprio Valentino não parecia ter condições físicas de atingir os novos limites impostos pela garotada. Mesmo com apenas 36 anos, o tempo nos esportes é inexorável. Rossi já é quatorze anos mais velho que o novo queridinho da categoria, Marc Márquez e tem vinte (!!) a mais que Fábio Quartararo, campeão do campeonato espanhol que debutou na Moto3.

As três vitórias conquistadas por Rossi nas últimas duas temporadas pareceram ter acontecido mais devido ao azar dos rivais, ou pura e simplesmente graças a um momento de pouca inspiração de Márquez. O menino da Honda encerrou 2014 com 13 vitórias em 18 etapas, quebrando o recorde anterior de Mike Doohan, que durava desde 1997.

Parecia, portanto, que Rossi não seria capaz de conseguir grandes coisas quando o circo da motovelocidade chegou à Losail, um circuito perdido no deserto, à 23 km de Doha, capital do Catar, para a primeira etapa do campeonato. O desânimo aumentou após a péssima prova de classificação, que viu a Yamaha conquistar apenas a 6º melhor posição, com Jorge Lorenzo. Rossi largaria na terceira fila, em oitavo.

As estrelas eram, como se esperava, Márquez e a Ducati, que havia conquistado a pole position. Justamente a Ducati, que Rossi havia deixado pela porta dos fundos, pouco mais de dois anos antes, após um tórrido relacionamento que havia terminado mal, muito mal.

Mas, sempre há o próximo dia e, como notamos ao longo da história, os deuses também gostam desses personagens que nos cativam. Às vezes, gostam tanto que as levam para junto deles. A história começou a mudar já na confusa largada, na qual Márquez acabou saindo da pista, voltando na última posição. Até Rossi largou mal, caindo de oitavo para décimo.

Como era de se esperar, as Ducati dispararam na ponta e só foram acompanhadas por Lorenzo. O ritmo do espanhol já dava sinais de que, afinal de contas, a M1 parecia em forma para a corrida. Isso foi endossado pelo incrível ritmo que Rossi exibia, mais atrás.

O italiano vinha superando com ousadia e decisão quem estava à sua frente. As “vítimas” foram os irmãos Espargaró, Cal Crutchlow, Bradley Smith, Yonny Hernandez e Dani Pedrosa, todos muito mais jovens do que ele que, de repente se viu em quarto lugar.

Enquanto Lorenzo, Dovizioso e Iannone se alternavam na liderança protagonizando um tenso duelo que prendia a atenção de todos em frente à TV, Rossi foi se aproximando aos poucos, observando o que acontecia, optando pela cautela. Se há alguma vantagem em se tornar mais velho, essa vantagem é a maturidade. Enquanto isso, Márquez fazia uma recuperação com direito a encontrões e esbarrões.

É em momentos como esse em que o jovem bicampeão revela ainda uma certa falta de calma, típica de seus apenas 22 anos. O caminho definitivamente começou a se abrir para Rossi quando Lorenzo precisou diminuir o ritmo devido à um problema com seu capacete. A espuma interna se soltou e o espanhol não conseguia enxergar direito.

Isso facilitou a vida para o Doutor, que pulou para terceiro e depois para segundo, se aproveitando de um velho problema da Ducati: o alto consumo de pneus. Embora a GP15 tenha melhorado muito no quesito, ainda não era uma expert em curvas como a M1.

Então, uma situação muito interessante se criou: enquanto a GP15 engolia a rival na reta (sendo 22 km/h mais rápida) a M1 compensava isso nas curvas e retomadas, onde o virabrequim de fluxo cruzado (crossplane) rugia mais alto. Não havia dúvidas: essa moto estava tão disposta quanto Rossi a vencer a prova, e ambos trabalharam juntos como se não houvesse amanhã.

Aqui cabe um parêntese: embora Rossi não tenha nenhum problema pessoal com Dovizioso (um boa-praça de que todos gostam), o multicampeão deve ter extraído alguns décimos extras de si, justamente por estar duelando contra uma Ducati. É como ver a ex-namorada cujo relacionamento acabou mal, te desafiar novamente. “Não, eles não vão vencer essa corrida”, deve ter pensado.

Os dois adentraram a última volta com Rossi já à frente. No entanto, em todas as últimas passagens, Dovizioso havia zerado a desvantagem na reta, quase como se a Yamaha estivesse parada. A decisão seria na linha de chegada.

Talvez Dovizioso tenha cometido um pequeno erro nas últimas curvas. Ou Rossi, simplesmente tenha acertado uma volta tão boa, tão fluida e tão inspirada, como se estivesse novamente em 2004, naquele primeiro encontro que teve com a M1, onde percebeu que aquela era a moto da sua vida. O fato é que a vantagem conquistada foi suficiente para não ser ameaçado na reta, por mais que Dovizioso fizesse o motor da Ducati berrar como nunca.

Foi uma vitória contra todas as expectativas – against the odds, cantava Phil Collins – que lembrou muito a conquista de Ayrton Senna no GP do Brasil de 1993, também superando enormes adversidades. A comemoração na volta da consagração, o tremendo carisma, o carinho de todos, uma espécie de magia no ar… não há dúvidas: o italiano é o maior ídolo do esporte a motor desde a morte do brasileiro em 1994.

Vale lembrar que Rossi é o que é (e principalmente é quem é) graças à MotoGP, possivelmente a competição à motor de classe mundial mais humana da atualidade. Um certame que conhece e mantém contato com seu público, não criando regras inúteis como a Fórmula 1 faz.

A categoria máxima do automobilismo também teve um domingo especial, com a vitória de Sebastian Vettel. O alemão, que chegou à sua primeira vitória pela Ferrari tem muitas semelhanças com Rossi: além do talento natural, ele também não deixa morrer o menino que vive dentro de si.

Mas enquanto Rossi tem na MotoGP o palco ideal para se iluminar, o ambiente da F1 atual impede que Vettel faça o mesmo, reduzindo-o a tímidas tentativas de diversão. Rossi, no entanto, ainda faz questão de nos lembrar de que tudo isso precisa ser…divertido! É realmente um Doutor, não apenas em lições de pilotagem, mas também em lições de vida.

Feliz Páscoa a todos!

Lucas Carioli

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

2 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Bela coluna Lucas!

    O Valentino Rossi é mesmo diferenciado, e é uma honra pra todos nós podermos acompanhar esta lenda do esporte.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    se tem uma coisa que me emociona no esporte a motor é poder ver o Valentino Rossi na ativa e ainda mostrando que continua sendo o mesmo Valentino Rossi de sempre. Nas pistas a sua tocada na moto é unica. E quando ele vence, não existe festa igual por que até nas vitorias ele também é único. Ainda mais como numa épica corrida como foi a sua vitoria no Catar.
    Adoro ver o Marc Marquez nas pistas. Ele é o homem a ser batido. É o cara que vai quebrar todos os recordes. Tecnicamente ele sobra sobre os demais adversários, inclusive o Valentino, que tem contra si o peso da idade. Imagina os duelos que teríamos do Marquez contra um Valentino ao menos 10 anos mais novo. Mas existe um porém. Só acho que o Marc Marquez por mais gênio e gente boa que possa parecer talvez nunca consiga produzir e ter o carisma e o charme do Valentino … O Doctore é imbativel neste sentido …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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