VERME VALIA MAIS QUE SENNA

TRAGÉDIA NO JARDIM AMÉRICA
30/06/2004
GP da França
04/07/2004

Calma, pessoal! Não é nada disso que vocês estão pensando. A frase acima não é minha e sequer tem o significado que muita gente está imaginando.

Trata-se simplesmente do título de um box (no jargão jornalístico, pequeno texto explicativo ou complementar a outro maior) inserido em uma reportagem publicada na edição 49 da revista “Época”, de 26 de abril de 1999, sobre o escândalo da ajuda do governo federal aos bancos Marka e FonteCindam. Para quem não se lembra, mesmo com tal ajuda esses bancos “quebraram” após a desvalorização cambial promovida pelo governo no começo de 1999, e suspeita-se que tais falências tenham sido fraudulentas.

“Verme”, no caso, é o ítalo-brasileiro Guido Verme, piloto de motonáutica, na época com 52 anos. E o título do box fica facilmente compreensível quando se lê a nota:

“Guido Verme, atual campeão mundial de motonáutica, recebeu patrocínio de R$ 3,4 milhões do Banco Marka em outubro de 1998. A temporada de motonáutica terminou 18 dias depois. Em dólares, em valores da época, a quantia equivalia a US$ 2,9 milhões. É mais que o dobro do último contrato que o piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna assinou com o falido Banco Nacional antes de morrer, em 1994. Naquele ano, Senna acertou que receberia US$ 1,2 milhão por toda a temporada para pôr o logotipo do Nacional em seu capacete amarelo. Na Receita Federal, na Comissão Parlamentar de Inquérito e no Ministério Público, tem-se como certo que é uma operação de lavagem de dinheiro.”

É evidente que o redator da revista não teve qualquer intenção de chamar Senna de “verme”. O que aconteceu foi uma série de coincidências que contribuíram para a estranheza do título: o próprio sobrenome (o de Guido Verme, não o de Senna…), o fato de ele ter sido colocado no começo da frase e não no meio dela (onde a inicial maiúscula mostraria claramente tratar-se de um nome próprio) e o jogo de palavras para chamar a atenção sobre a desproporção dos valores envolvidos nos dois contratos de patrocínio.

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Já que estamos falando de notícias passadas, vale a pena recordar uma nota publicada na revista Grid, em 1994. Poucas semanas depois da morte de Senna, a Som Livre, gravadora pertencente à Rede Globo, lançou CDs, LPs e fitas K7 (sim, naquela época as lojas ainda vendiam LPs e fitas K7) com o título “Tributo a um Campeão”. A faixa principal era, claro, o “Tema da Vitória” (leia-se: das vitórias brasileiras na F 1). Só que, por questões comerciais e de direitos de uso de imagem, a capa não poderia ter foto de Senna ou menção a ele.

A capa foi ilustrada com o desenho de um piloto com capacete verde guiando uma McLaren branca e vermelha. Para descaracterizar ainda mais (mas não muito…), o autor do desenho colocou na McLaren o número 32 – que nunca foi usado por Senna na Fórmula 1, mas estava no Simtek de Roland Ratzenberger, que morreu um dia antes de Senna. Se a escolha do 32 foi uma homenagem subliminar, uma coincidência infeliz ou alguma forma de humor negro, é algo que nunca se saberá.

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Já que estamos falando de mancadas, esta vem a calhar para aqueles que ainda acreditam na inteligência suprema dos dirigentes e responsáveis pelo “marketing” (assim mesmo, entre aspas) da Nascar.

A situação econômica, delicada em todo o mundo, provocou uma retração geral entre os patrocinadores, como não se via havia muitos anos. Isto atingiu de maneira especialmente marcante o meio automobilístico dos Estados Unidos, acostumado a décadas de fartura de patrocinadores e de dólares. No caso específico da Nextel Cup, o principal campeonato da Nascar, as listas de inscritos com mais que os 43 carros permitidos no grid viraram coisa do passado: em muitas corridas têm sobrado vagdas, às vezes pateticamente preenchidas com pilotos aposentados ou recrutados da Busch Series, a “divisão de acesso” à Nextel Cup.

Li no site Speed On Line, numa matéria do Luiz Rodrigues, que a equipe Roush Racing, pela qual corre o piloto Jeff Burton, acertou nos últimos dias o patrocínio de uma marca de uísque para o restante da temporada. A verba extra fecharia a conta da equipe na medida exata para Burton correr até o final do ano sem se preocupar com problemas de dinheiro. Em qualquer situação, e mais ainda no contexto atual, a chegada de um patrocinador deveria ser saudada com coquetel, queima de fogos e abertura de garrafas de champanhe (ou, no caso, de uísque).

Mas não foi o que aconteceu. A Nascar simplesmente vetou o patrocínio do uísque. Detalhe: o carro do atual campeão, Matt Kenseth, ostenta o logotipo de uma bebida à base de vodka, e outras equipes são patrocinadas por marcas de cerveja! Mas uísque, sabe-se lá por qual razão, não pode…

O presidente da Nascar, Mike Helton, explicou que a proibição tem base em um acordo com as redes de TV que transmitem a categoria nos EUA. E manifestou total indiferença com a situação da Roush: “Entendemos o caso, mas não vamos mudar nossa política por causa disso”. É do mesmo naipe da pérola de Max Mosley há alguns meses: “O atual sistema de pontuação da F 1 é injusto, mas vai continuar”. “Melhor” ainda foi a frase do próprio dono da equipe Roush, Geoff Smith: “O público em geral não sabe distinguir cerveja de uma bebida destilada”.

Meus amigos, se for verdade que o “público em geral” da nação mais poderosa do mundo não sabe diferenciar cerveja e uísque, estamos em péssimos lençóis…

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Terei um domingo movimentado. De manhã, Fórmula 1 pela TV e pelo rádio. Terminada a corrida, irei até o autódromo para acompanhar os 500 Km de Interlagos. Na volta, vou arranjar um tempo para ver a gravação do GP do Brasil de Motovelocidade e ainda ler a coluna do Edu, que escreverá o comentário sobre o GP da França.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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