Vettel, Stoner, Wheldon

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O Tricampeonato
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O acidente que causou a morte de Dan Wheldon fez lembrar, ao menos visualmente, o pesadelo de Mans em 1955

O resultado do GP da Coreia se explica basicamente pelos seguintes fatores: o ciclo de vida útil dos pneus Pirelli; a regra do parque fechado; a escolha da Pirelli em relação aos compostos utilizados durante o fim de semana; o resultado do GP do Japão; e, por fim, a maturidade do novo bicampeão mundial. Vale, portanto, detalhar rapidamente cada um destes aspectos.

Em relação aos pneus, a questão fundamental é que eles tendem a se desgastar de maneira proporcional à quantidade de energia que dissipam, ao contrário do que acontecia anteriormente com os Bridgestone, mais sensíveis a escorregadas e ao atrito dinâmico com o asfalto. Assim, a borracha italiana tende a cobrar um preço mais alto por parte dos carros mais rápidos e/ou radicais, isso tendo ficado muito claro através das bolhas nos pneus da Red Bull após os treinos na Bélgica.

Ocorre que com o fim dos reabastecimentos e a manutenção da regra do parque fechado – da qual discordo frontalmente –, as equipes passaram a se ver diante de um dilema na hora de acertarem seus carros. De um lado, se buscarem o melhor desempenho possível, estarão bem preparadas para a classificação, mas provavelmente irão desgastar os pneus rapidamente durante a corrida. De outro, se forem demasiadamente conservadoras, podem se perceber presas no meio do pelotão, por conta de uma qualificação abaixo do potencial do conjunto. No fim, o acerto será sempre um compromisso entre uma coisa e outra.

E claro que o grau deste compromisso será dado pela expectativa em relação ao desgaste dos pneus. Assim, se a Pirelli determina compostos mais macios, a tendência é a de que as equipes foquem seus setups na conservação da borracha e abram mão de alguma velocidade. Já com pneus mais duros ocorre o oposto.

Perfeito. Então quando a Pirelli surpreendeu o circo ao anunciar compostos mais macios do que se esperava para Suzuka e Yeongam, algumas equipes ficaram preocupadas. A Red Bull, claro, mais que todas elas. Estimativas bem informadas, por exemplo, dão conta de que no Japão os rubrotaurinos abriram mão de cerca de oito décimos de segundo na qualificação, em nome de um ritmo de prova que conjugasse consistência e sustentabilidade, e fosse capaz de evitar uma 4ª troca de pneus. A pole de Vettel lá, portanto, foi uma surpresa para a própria equipe. Já a vitória de Button acabou sendo a senha de que, na Coreia, com pneus mais macios, a equipe teria de ser ainda mais conservadora.

Pronto, isso explica a pole de Hamilton, e a força do RB7 em condições de corrida, na pista coreana. O restante, a forma como Seb assumiu a ponta com segurança e decisão, guiando numa pista escorregadia e com freios e pneus ainda não totalmente aquecidos, é algo que se deve colocar na conta do piloto.

 

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Aliás, sobre Vettel, um certo Eduardo Correa defende a tese de que temporadas de F1 estão sempre respondendo algumas perguntas fundamentais. E 2011 respondeu um punhado sobre ele.

Para começar, na mesma semana em que conquistou seu 1º título, Vettel foi um dos poucos pilotos regulares que fez questão de retornar a Abu Dhabi para testar os novos pneus, e o fez por dois dias. Ao todo completou 144 voltas na mesma pista onde havia vencido o GP, e com isso teve um ótimo parâmetro de comparação sobre o qual refletir ao longo das férias. Porém, não satisfeito, ele foi o único piloto titular a visitar a fábrica dos compostos ao longo deste período, tentando se informar mais e entender melhor a filosofia por trás da borracha italiana. Por tudo isso, não é de se admirar que ele fosse o piloto mais familiarizado com as manhas dos novos pneus quando a temporada começou…

Este esforço de Vettel diz muito sobre seu precoce amadurecimento. Em 2011, muito além do talento que vem encantando o mundo da velocidade há alguns anos, o jovem bicampeão exibiu uma tranqüilidade segura que o permitiu sempre fazer a leitura correta das provas e atacar na hora certa, sem hesitações. Austrália, Itália e Coreia foram GPs que ele venceu assim. Seu crescimento a partir do título conquistado mostra, de forma inegável, a maneira como ele soube diminuir a pressão sobre os ombros, na mesma proporção em que adquiriu confiança e autoridade. Aos 24 anos, o alemão já demonstra ser um piloto tão completo quanto Fernando Alonso.

Falando de modo mais distanciado, ao conquistar o título da forma como fez, Sebastian deixou a categoria dos vencedores de GPs e campeões de ocasião, para adentrar o seleto grupo dos grandes campeões do esporte. O recado foi claro: dê a ele um carro capaz de lutar por vitórias, e ele irá brigar por cada uma delas. Em sua caminhada rumo ao topo, resta apenas uma patente a ser conquistada, ao longo dos próximos capítulos de sua carreira: o status de lenda.

Para chegar lá, no entanto, não bastará seguir ampliando seus fantásticos números. Todo mundo já sabe que ele é capaz de vencer e, no fim, não faz tanta diferença ter conquistado 3 ou 5 títulos, sob as mesmas condições. Michael Schumacher percebeu isso ao fim de 1995, da mesma forma como Valentino Rossi o fez ao fim de 2003. Para se tornar uma lenda, Vettel terá de brigar por títulos tendo em mãos equipamento inferior, terá de vencer lutando contra as probabilidades. Terá, enfim, que carregar um time nas costas, em algum momento da carreira.

A boa notícia, para nós, e que este dia da avaliação final fatalmente chegará. É só uma questão de esperar.

 

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Ainda sobre o GP da Coreia, cabem algumas rápidas considerações.

Primeiro, uma crítica ao ridículo papel desempenhado pela asa móvel, que mais uma vez acabou servindo ao propósito de punir aqueles que conseguiram ultrapassar à moda antiga. Tanto Bruno Senna quanto Mark Webber descobriram da pior maneira que, simplesmente, não compensava ultrapassar ninguém na freada para a Curva 1. Afinal, na aceleração seguinte, o ultrapassado invariavelmente contaria com a ajuda do DRS para retomar a posição.

Destaque também para a boa atuação de Felipe Massa. Ainda é cedo para dizer, mas de fora parece que Felipe finalmente parou de buscar desculpas e aceitou o fato de que vem rendendo muito abaixo daquilo que se espera dele. A forma como tem recuperado sua velocidade nos treinos também é um bom sinal e neste GP da Coreia sua atuação foi, a meu ver, melhor que a de seu companheiro de equipe. Se no fim Massa terminou novamente atrás, isso se deveu de maneira decisiva à atuação da equipe. Primeiro, de maneira involuntária, na forma de um pit stop mais lento. Depois, de modo voluntário e plenamente justificável, na forma de um chamado mais cedo aos boxes. Não atribuo o melhor ritmo do asturiano nas voltas finais ao eventual cansaço do brasileiro, mas sim ao melhor estado de seus pneus, significativamente três voltas mais novos.

Resta agora ver se este foi um bom desempenho pontual, ou se Felipe está começando a recuperar a boa e velha forma de antes do acidente.

 

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Entre as situações insólitas do dia, o que foi aquela alucinada disputa de freada entre Fernando Alonso e Vitaly Petrov? Como se fossem dois jovens recém-habilitados tirando racha com os carros dos pais, os dois simplesmente parecem ter entrado numa de ver quem teria cojones para frear por último, ignorando por completo a fila de competidores que seguia à frente. Alonso, por fora, ainda conseguiu desviar por pouco rumo à área se escape. Já Petrov acabou sendo um instrumento divino a revelar a Schumacher exatamente a sensação que o heptacampeão havia causado a Sergio Pérez na noite de Cingapura. Após a prova, o piloto russo foi punido com a perda de 5 posições no Grande Prêmio da Índia.

Importante destacar também a sequência de pilotos terminando as corridas praticamente sem combustível. Primeiro, foi Jenson Button no Japão. E agora, Fernando Alonso e Nico Rosberg na Coreia. A FIA exige que os pilotos levem seus carros até os boxes ao fim de cada prova, com uma quantidade mínima de combustível no tanque para efeito de análises. Todavia, este é o tipo de regra para a qual se faz vista grossa, por envolver uma série de variáveis, e por ninguém gostar de mudar o resultado após a bandeirada. No entanto, se a moda pegar, podemos esperar por punições também nesta área.

Para encerrar a análise do GP, uma curiosidade bizarra.

Na última volta, Sebastian Vettel assinalou a melhor volta da corrida. Apesar disso, sua primeira parcial nessa mesma volta foi nada menos que seis décimos de segundo mais lenta que a de Jaime Alguersuari! Um dado que revela a gritante diferença de setup entre as duas equipes da Red Bull, uma vez que as Toro Rosso tiveram sempre as mais altas velocidades de fim de reta.

Ah sim, no restante da volta Vettel foi, respectivamente, 1,3s e 0,7s mais rápido que Alguersuari…

 

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Instantes antes da Fórmula 1, na bela pista australiana de Phillip Island, Casey Stoner conquistava seu segundo título mundial na MotoGP.

Sem mergulhar no contexto da temporada, ponderando o esforço da Honda ou os problemas enfrentados pelos rivais mais diretos, digo apenas que considero o título mais que merecido para um piloto que, se não é tão completo quanto Valentino Rossi, é certamente o de estilo mais exuberante não apenas do grid atual, mas também dos anos mais recentes da categoria.

Sou fã assumido da tocada furiosa de Stoner, sempre pilotando como se estivesse domando o touro pelos chifres. A mão sempre colada no fundo, apesar de derrapagens, vibrações nervosas ou empinadas, como se ele próprio fosse feito de fibra de carbono e imune a tombos.

O título de Stoner é, sob todos os aspectos, um prêmio ao estilo e ao destemor.

 

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Já estava fechando este texto quando recebi a terrível e cruel notícia do falecimento de Dan Wheldon, num acidente que, ao menos visualmente, fez lembrar o pesadelo de Mans em 1955.

É cedo para tecer qualquer análise e seria fácil jogar pedras sem estar completamente informado. Mas sempre foi minha opinião a ideia de que lançar pilotos a médias que superam 350 km/h, cercados de muros e com suas rodas expostas, tem um forte quê de Coliseu. É fato que há alguns anos é muito mais fácil morrer na Indy do que na F1, e essa constatação grita por soluções. O novo carro, desenvolvido pelo próprio Wheldon ao longo do ano, ao menos promete resolver parte do problema.

Não consigo nem chamar a coisa de fatalidade. Dan era menos de um mês mais velho que eu, tinha tudo pela frente e era muito bom no que fazia. Este domingo, enfim, foi um daqueles em que o automobilismo cobrou um alto preço pelas emoções que oferece e, mais uma vez, nos lembrou de que existe uma briga a ser ganha a cada vez que os motores são ligados. Ignorar os riscos ou atribuir tudo a esta tal “fatalidade” é, na melhor das hipóteses, compactuar passivamente com este tipo de dano.

Lucas Giavoni escreveu a reportagem da corrida, e fica aqui a sugestão da leitura: “http://www.ultimavolta.com/indy/noticias/2011_10_17_Final_da_Indy_torna-se_Armageddon_e_leva_a_vida_de_Dan_Wheldon.html

Abraço enlutado a todos.

Márcio Madeira

Márcio Madeira
Márcio Madeira
Jornalista, nasceu no exato momento em que Nelson Piquet entrava pela primeira vez em um F-1. Sempre foi um apaixonado por carros e corridas.

3 Comments

  1. Allan disse:

    apenas quanto ao acidente do Petrov: coloque 70% da “culpa” na conjunção asa móvel + kers + bump na pista do lado direito + disputa de posição com Alonso + disputa de posição a frente entre Miguel e mais dois. No vídeo claramente se vê a Mercedes “parada” esperando os dois da frente resolverem o que vão fazer. Daí junta-se os outros dois fatores e… Apenas não achei barbeiragem grossa, e sim algo que poderia ser evitado, mas as circunstâncias de uso de artificios que elevam sobremaneira a velocidade do carro, a pista suja e ondulada e o carro parado a frente contaram outra história. Aliás, a batida foi bem parecida com a do Barrichello no Nico na Austrália, lembra-se?

  2. Rafael Carvalho disse:

    Primeiramente fiquei extremamente chocado com a morte de Dan Wheldon. A organização da indy errou feio em escolher aquela pista para provas deste tipo. Era uma tragedia anunciada até porque os pilotos estavam muito agressivos andando com 3 ou 4 carros lado a lado nas curvas.Agora na minha humilde opinião quem errou tambem foi o tal de Sebastian Saavedra que calculou mal o espaço para a ultrapassagem e ocasionou o que tods nós vimos. Se ele tivesse sido mais prudente não teria acontecido esta fatalidade. Eu posso estar enganado mas por favor se alguem discorda comigo estou pronto para debates. Que ironia do destino, o Wheldon que vinha numa retomada, iria fechar um contrato para correr na Andretti Autosport no lugar da Danica Patrick e sem mais sem menos foi lhe tirada a vida. Vamos rezar pra familia do Wheldon e pedor a Deus que força a eles.

    São Paulo-SP

  3. Fernando Marques disse:

    Eu queria entender por que os carros da Indy ainda pegam tanto fogo? …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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