Wing Wars – Parte 3

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Com o passar do tempo, começamos a lembrar mentalmente dos fatos em modo redux, apenas com alguns referenciais, praticamente em tópicos. É o famoso “o que lhe vem à cabeça?”.

Quando pensamos isoladamente na temporada de 1979, costumamos recordar apenas que foi um ano de título da Ferrari (que amargaria um longo jejum a partir disso), da “obediência” de Gilles Villeneuve em aceitar preferência para Jody Scheckter dentro do time, e que a Williams, que havia enchido o caixa com “os petrodólares dos árabes”, havia se transformado em equipe de ponta, vencendo suas primeiras corridas.

A questão é que 1979, terceiro ano da Era do Carro-Asa, foi muito, mas muito mais do que isso. Pode não ter sido a temporada mais equilibrada de todos os tempos, mas foi a que mais movimentou o desempenho dos times no grid talvez em toda a história da Fórmula 1. E isso não é pouco.

A Ligier começou com tudo, mas o favoritismo caiu logo na terceira etapa, com a chegada da nova Ferrari T4

O que dizer de uma temporada em que Ligier começa arrebentando, com boas pontuações de McLaren, Tyrrell e Lotus, se revira com a ascensão e estabelecimento da Ferrari, com a chegada da Renault às vitórias, e termina com domínio da Williams e bom potencial para Brabham? O começo da temporada não teve nada a ver com o meio, que por sua vez, não teve nada a ver com o fim! E reparou? Falei de OITO equipes do grid!

Todo este vai-e-vem, não resta dúvidas, foi proporcionado pela proliferação de carros-asa no grid. A concorrência, que havia subestimado o poder que a Lotus havia encontrado, finalmente havia acordado. Era uma mudança dramática de pensar a aerodinâmica para projetar e construir carros de Fórmula 1. Os projetistas, que passaram uma década projetando paredões nas traseiras de seus modelos, finalmente haviam despertado para a preocupação de escoar o ar e criar zonas de baixa pressão em vez de usar asas com cada vez mais arrasto para melhorar os carros em curva.

Era genuinamente um novo terreno e muito por ser conquistado. Por isso a enorme gangorra entre os projetos, num tempo em que pouco ou nada se falava em ganhar potência de motor – algo que seria visto apenas na era seguinte, a Era Turbo. Tudo estava concentrado, basicamente, em fazer aquelas asas funcionarem cada vez melhor.

Visualmente espetacular, o Copersucar F6 torcia demais e não havia o que consertasse esse defeito

Pegar um chassi existente, moldar as laterais e meter um par de saias era o suficiente para criar um bom carro-asa? Longe disso. A McLaren tentou fazer isso com seu já cansado chassi M26 ainda em 1978, e o arranjo foi um enorme fiasco, ficando restrito apenas a treinos e nenhum uso em corrida. As cargas aerodinâmicas ficavam todas descompensadas, e ainda havia a impossível tarefa de deixar a traseira esguia para melhorar o fluxo de ar dos venturis.

A solução que talvez tenha mais dado certo, ainda em 1978, foi da Copersucar, com o F5A, oriundo do F5 – mencionada no texto anterior. O carro chegava constantemente aos pontos, mas quando começou 1979 já ficou claro que aquele modelo, com aquele conceito, estava absolutamente datado, condenado à obsolescência.

A Copersucar, isto é certo, não dormiu no ponto. Sabia que precisava de uma “Lotus”, projetada do zero, para continuar crescendo. Wilsinho Fittipaldi contratou um dos pais do carro-asa original, o projetista Ralph Bellamy. Só que ele vez um lixo de carro. Como diria o próprio Wilsinho, o F6 foi a cruz da equipe – a um custo de produção de 3 milhões de dólares!

Primeiro carro-asa da McLaren, o M28 não era um projeto promissor

Por mais que o F6 tivesse um visual incrivelmente impactante e moderno, estava longe de conseguir aproveitar a contento o potencial de geração de downforce das asas. Mas o principal de vários problemas era a rigidez torcional digna de uma banana cozida. O carro era irremediavelmente instável, e não reagia a nenhuma modificação de set-up.

O Studio Fly até tentou remendar o carro, como fez no F5A, ao remodelar as laterais e aplicar reforços estruturais (a custa, claro, de mais peso), mas não é todo dia que tem pão quente. O time afundou em sua pior temporada desde a estreia. Foi, definitivamente, um passo errado.

Já a McLaren, assim como a grande maioria dos times, jogou seus chassis fora, e começou projeto do zero. A própria McLaren chegou à temporada de 1979 com o novo M28, feito com extensas horas no túnel de vento da Lockheed, levando para os Estados Unidos modelos em escala 1:1. Por mais que fosse preciso quanto à escala, a dependência da construtora aeronáutica não tinha esteiras rolantes, como no Imperial College de Londres, que, no entanto, era um túnel pequeno e exigia que times levassem maquetes em escalas reduzidas.

O fato é que a McLaren até conseguiu apresentar algum potencial no começo do ano, com John Watson a pontuar regularmente nas primeiras provas, sempre a seu jeito: saindo do meio do pelotão e escalando posições paulatinamente. Mas foi um time que não se adaptou bem à nova realidade da categoria, iniciando um período de decadência que só seria revertida em 1981, quando mudou de mãos – um assunto que, claro, trataremos mais adiante.

A nova Tyrrell era uma cópia descarada da Lotus, que, por sua vez, já não era mais o melhor carro do grid…

Outros times, obviamente, também se armaram até os dentes.

A Tyrrell apelou pra cópia descarada e apresentou um carro que mais parecia uma Lotus 79 pintada de azul marinho. Um carro que, quando apresentado era… quase tão bom quanto sua descarada fonte de inspiração. Só que isso não era o suficiente: as Wing Wars estavam em força máxima: era preciso estar sempre um degrau acima, os alvos ficaram mais móveis do que nunca.

A Lotus, por sua vez, começou o ano com o modelo campeão, pontuando regularmente com Mario Andretti e o novo piloto, Carlos Reutemann. Não descansaram, porém, nos louros da vitória. Colin Chapman e seu departamento já estava em testes com um sucessor radical para o modelo 79.

A Lotus 80 seria, porém, um passo bastante equivocado na evolução do Carro-Asa – um fracasso que se junta à Lotus 76, que fez o modelo 72 ter uma enorme sobrevida. O novo carro de Chapman tinha como conceito ter o máximo de sua extensão para produzir efeito-solo, e isso seria conseguido com saias de comprimento total, que iam do começo das laterais e ultrapassavam o eixo traseiro.

O modelo sofria de um mal aerodinâmico que é descrito em inglês como porpoising. O termo vem de porpoise, um tipo de golfinho, por seu movimento de pulo de saída da água. Na aviação, isso acontece quando o avião fica quicando na pista de pouso, sem conseguir aterrar por causa da variação do ar.

A Lotus 80 até se comportava bem em retas, mas por ter saias tão compridas, nem sempre conseguia vedação total, e havia perdas e ganhos súbitos de downforce em curvas e freadas, tornando o carro com reações bastante imprevisíveis. Carlos Reutemann, que tinha acabado de chegar à Lotus e já estava desiludido (e bastante preocupado pela morte de Ronnie Peterson), testou o 80 e detestou, afirmando que não o usaria durante o ano.

Já Mario Andretti insistiu nos testes, mas o carro só seria usado no GP da Espanha, em que chegou em 3º, porém atrás de Reutemann, e em dois fiascos seguidos em Mônaco e na França, que obrigaram a Lotus a aposentar o projeto, e ter que voltar seus esforços para aprimorar o velhinho.

A Lotus radicalizou no modelo 80: com saias compridas demais, nunca funcionou como deveria

Todos esses times mencionados, à exceção da Copersucar, foram bem no primeiro terço da temporada (de 15 provas), mas sem atingir o ritmo alcançado pelo novo JS11 da Ligier, o primeiro carro-asa de Gérard Ducarouge. Nas duas primeiras provas do ano, Jacques Laffite venceu as duas primeiras corridas do ano, e seu companheiro Patrick Depailler ainda venceria o GP da Espanha, justamente o que fechava o primeiro terço da temporada.

Quanto o novo carro da Ligier era bom? Logo na Argentina, primeira corrida, a pole de Laffite foi conseguida com 1:44.20. No ano anterior, Mario Andretti havia conseguido a primeira colocação do grid com… 1:47.75 com a Lotus 78 – isso mesmo, uma diferença de três segundos e meio apenas de um ano para o outro! É um tempo que conseguiria apenas o 13º tempo na corrida de 1979.

Largada em Long Beach: a Ferrari T4 destronava a Ligier como melhor carro do grid

Após duas corridas, a Ligier espantava a F1 com um ritmo vencedor. Mas a sucessão de melhorias de projetos era tão intensa que logo na terceira prova, a hegemonia seria abruptamente encerrada em favor do novo carro mais rápido do grid: Ferrari 312T4, o primeiro carro-asa de Mauro Forghieri.

A nova Ferrari foi bem nascida para o momento. Tinha boa potência do boxer 12, boa aderência mecânica, herdada do modelo T3, e agora contava com mais downforce e com os pneus radiais Michelin funcionando cada vez melhor na declarada guerra contra a Goodyear.

A Ferrari estreou o carro na terceira corrida, na África do Sul, em que Villeneuve e Scheckter fizeram dobradinha, que se repetiria no quarto GP, em Long Beach, provando o bom potencial do carro em circuitos de rua.

Como já mencionado, a Ligier “reagiu” na quinta corrida, na Espanha, em que a Ferrari foi mediana, provavelmente pelo mau rendimento dos Michelin. Mas o time vermelho voltaria a vencer nas provas seguintes, na Bélgica e Mônaco, ambas com vitória de Scheckter.

O campeonato encerrava sua primeira metade da seguinte maneira: Scheckter 30, Laffite 24, Villeneuve, Depailler e Reutemann, 20. Não custa lembrar que aquele ano tinha como regra um sistema fracionado de melhores resultados: 4 melhores nas 7, e outros 4 nos últimos 8 – e alguns pilotos já estavam descartando resultados.

O que tínhamos, em termos de desempenho, era uma Ferrari que sobrepujava Ligier, que havia sobrepujado a campeã Lotus.

Os tempos de volta continuavam caindo. Só que a segunda metade iria impor um ritmo ainda mais frenético de mudança entre as equipes, assunto para a próxima parte dessa saga. 

Até a próxima! Abração!

Lucas Giavoni

Leia também:

Wing Wars – Parte 1

Wing Wars – Parte 2

Wing Wars – Parte 4

Wing Wars – Parte 5

Wing Wars – Parte 6

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

2 Comments

  1. wladimir duarte sales disse:

    Não demore demais pra postar a próxima parte, Lucas. Um dos períodos mais fascinantes da formula 1 que de repente foi abortado pelos caprichos de Balestre!

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    a temporada de 1979 simplesmente está sendo lembrada pela sua coluna de uma maneira que eu mesmo jamais imaginaria supor … não é apenas lembrar do Jody Scheckter campeão com a Ferrari ( que só voltaria ao louros com M. Schumacher mais 21 anos depois) … foi um belo ano, certamente o melhor, da história da Ligier … e tantos carros asas cada um mais lindo e eficiente que os outros …
    A “Wing Wars” merece um prêmio de tão bom que está …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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