Vencedor Moral – Parte 1

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“O importante é competir, não vencer”

A célebre frase atribuída ao barão de Coubertin, pai das olimpíadas modernas, se tornou um chavão em todas as ocasiões onde o vencedor não foi o que chegou primeiro, mas alguém que acabou sendo aclamado como vencedor moral.

Temos inúmeros exemplos nas mais diversas competições, tanto que o termo mais atual é falar em fair play. Cito um exemplo do espanhol Iván Fernández Anaya.

Esse atleta de corridas em 2 de dezembro de 2012 poderia ter se saído vitorioso da prova de cross country de Burlada, em Navarra, mas ao ver o líder Abel Mutai começar a comemorar, equivocadamente, a vitória antes da linha de chegada, preferiu conduzir o queniano até o fim do percurso. “Eu não merecia ganhar e fiz o que tinha que fazer. Ele me impôs uma distância que eu não poderia superar. Quando vi que parou, achei correto não o ultrapassar”, disse o espanhol.

Abaixo o vídeo com o momento da chegada

Esse é o típico exemplo: passam os anos e quem venceu a prova muitas vezes nem é lembrado, cabendo ao segundo colocado toda a honra de ter o nome festejado mais efusivamente.

Na Fórmula 1, em 70 anos, temos alguns exemplos de pilotos que mesmo sem ganhar o campeonato escreveram nas páginas da história seus nomes num patamar mais alto que o campeão da temporada, os campeões morais. Listo nessa coluna cinco campeonatos nos quais os vices brilharam mais que os campeões.

O primeiro é o campeonato de 1958, a primeira temporada no período pós-Fangio. Até então, os italianos Farina e Ascari, juntamente com Fangio, haviam sido campeões. Os ingleses ansiavam por um título, Stirling Moss era o franco favorito para essa conquista, ele havia sido vice-campeão nos três anos anteriores, perdendo em todas as ocasiões para Fangio e, convenhamos, não havia demérito nisso.

O campeonato de 1958 é marcado por uma alteração importante: a partir dali não era mais permitido o compartilhamento de um carro na prova, a FIA entendia que se um piloto abandonasse não deveria mais ser beneficiado em pontuar com outro carro.

Moss vence a prova de abertura num Cooper e vai em seguida para a Vanwall, um time forte e um carro veloz.

Só que no caminho deles havia Mike Hawthorn e a Ferrari.

Também inglês, Hawthorn era um cara muito simpático e carismático, mas não era considerado pelos críticos da época um piloto do calibre de Moss. Na base da regularidade, o piloto da Ferrari pontua em todas as provas e mesmo Moss vencendo quatro GPs (Argentina, Holanda, Portugal e Marrocos) contra apenas um de adversário (França), o campeonato é vencido por Hawthorn por apenas 1 ponto de diferença, 42 contra 41 pontos.

A Inglaterra fazia seu primeiro campeão, mas não é Moss – ele foi quatro vezes vice-campeão e ainda hoje é considerado o campeão mundial “sem” título.

A segunda temporada que colocamos na lista é a de 1967, marcada por duas estreias que mudaram a face do automobilismo moderno: a Lotus lança o modelo 49 e a Ford lança o motor Cosworth. Para pilotar essa poderosa combinação, o escocês Jim Clark.

O Lotus 49 estreia e vence na terceira prova do campeonato, na Holanda, e logo o paddock sacramenta que ele vai ser o campeão daquele ano.

No caminho do escocês havia a dupla da Brabham, Jack Brabham e Dennis Hulme. No ano anterior Jack conquistara o feito ainda hoje único de ser campeão com um carro por ele construído, de arquitetura simples e contando com o bom motor Repco, aproveitando muito bem a mudança do regulamento de motores para 3 litros para se impor.

O maior trunfo da dupla foi a regularidade: Hulme e Brabham marcam pontos em nove das onze provas e Hulme conquista o título. Ficou, porém, aquela sensação de que Clark,  com abandonos em momentos decisivos, é quem havia perdido o título.

A terceira temporada é a de 1976, que ficou marcada pela rivalidade entre Niki Lauda e James Hunt. Lauda ganhara em 1975 com o ressurgimento de uma Ferrari dominante, graças ao modelo 312T. Tudo apontava para uma nova conquista em 1976.

A temporada foi disputada em dezesseis provas. Lauda vence cinco das nove primeiras (Brasil, África do Sul, Bélgica, Monaco, Inglaterra), é segundo em duas (Long Beach e Espanha) e terceiro na Suécia. Enquanto isso, Hunt vence em duas (Espanha e França), é segundo na África do Sul e quinto na Suécia, abandonado nas demais.

Vem a corrida em Nürburgring e muda a história do campeonato. Lauda sofre o acidente que quase o matou e a partir daí Hunt se recupera: nas sete provas seguintes, vence quatro (Alemanha, Holanda, Watkins Glen, Canada).

Lauda surpreende o mundo ao retornar em Monza para continuar na briga pelo campeonato. Mesmo com feridas abertas, vai até a última prova, no Japão, lutando. Ele perde um dos campeonatos mais eletrizantes da história por apenas um ponto, tendo a coragem abandonar no Japão por conta da chuva torrencial. Sobrou a polêmica sobre quem merecia mais o título. Lauda disse nunca haver se arrependido de sua decisão, passando à história como o piloto que venceu a morte.

A quarta temporada que colocamos é a de 2012, marcada pela luta entre Sebastian Vettel e Fernando Alonso. Ambos eram no início da temporada bicampeões e dividiam as opiniões sobre qual era melhor. Mas o espanhol precisou lutar com uma Ferrari F2012 que se mostrou inferior ao Red Bull RB8 do rival.

A temporada não poderia ter um roteiro melhor. Era o primeiro campeonato disputado em vinte provas, seguindo até a última, no Brasil, com o título em aberto.  Após uma tarde incrível em Interlagos, as honras foram para Sebastian Vettel, mas poderia facilmente ter sido Fernando Alonso quem comemoraria seu terceiro Mundial.

2012 foi memorável de várias maneiras. Pela primeira vez, tivemos seis campeões mundiais no grid. As sete primeiras provas produziram sete vencedores diferentes e, finalmente, as vitórias foram distribuídas entre oito pilotos e seis equipes.

Quase todas as corridas produziram pelo menos algum grau de entretenimento e as três últimas foram todas sensacionais, incluindo a volta dos Estados Unidos com o GP em Austin.

A temporada não começou com tanto sucesso para Vettel e sua equipe quanto 2011. Na primeira parte do campeonato, ele conquistou apenas uma vitória, mas foi somando pontos importantes, deixando de pontuar em apenas duas provas.

Apesar de não ter o carro mais rápido, Alonso fez um trabalho surpreendente em 2012, liderando a maior parte da temporada, superando o carro repetidas vezes. A Ferrari F2012 teve alguns problemas básicos quando apareceu pela primeira vez e, após testes iniciais, parecia seria uma temporada dolorosa. No final das contas, foi Alonso quem fez a diferença, ganhando pontos enquanto regularmente largava em quinto ou menos. Uma vitória na Malásia parecia um lampejo e foi seguida por mais duas  vitórias (Valência e Hockenheim), além de uma série de outros pódios.

Só que na fase final do campeonato Vettel engata quatro vitórias seguidas e assume a liderança por uma pequena margem. Parecia que o sonho do título ficaria fora do alcance de Alonso

Na final brasileira, ambos estão separados por 13 pontos a favor do alemão, Alonso se esforçou desde a qualificação, largou em sétimo e chegou em segundo, Vettel com suas dificuldades após levar uma batida de Bruno Senna, termina em sexto e é sagrado tricampeão.

Sobre a temporada, Alonso fez o seguinte balanço: “Estou muito orgulhoso e feliz por lutar até a última volta com o pacote que tivemos. Essa é a melhor coisa para mim, sentir orgulho das conquistas alcançadas. Essa foi de longe a melhor temporada da minha carreira e vou me lembrar desse ano de 2012 como se fosse uma temporada dos sonhos. Obviamente, não alcançamos os pontos para conquistar o título, mas ganhei tantas coisas este ano que me sinto como se tivesse ganho o título”

Na próxima coluna vamos continuar, dessa vez com a quinta temporada elencada em nossa lista, estamos falando de 1993, a história de um vice que carimbou a faixa de um campeão

Até lá

Mário

 

Mário Salustiano
Mário Salustiano
Entusiasta de automobilismo desde 1972, possui especial interesse pelas histórias pessoais e como os pilotos desenvolvem suas carreiras. Gosta de paralelos entre a F1 e o cotidiano.

2 Comments

  1. Rubergil Jr disse:

    Falando sobre 1958, eis que o grande Stirling Moss nos deixou este fim de semana. RIP

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