O Recordista do Avesso

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Schumacher é o maior recordista da Fórmula 1, certo? Bem, depende do seu ponto de vista...

É realmente muito fácil vermos aqui no GPTotal acaloradas e, por vezes, intermináveis, discussões sobre grandes performances, vitórias, poles, arrojo, ousadia ou talento natural. Pensei em falar* um pouco do avesso disso tudo. E um nome veio automaticamente à minha cabeça: Andrea de Cesaris.

Evidentemente, De Cesaris sobrevive acima do esquecimento e tem seu nome lembrado através dos tempos por sua capacidade ímpar de destruir carros e, impavidamente, sempre seguir em frente sem jamais olhar para trás – e ver o estado em que os deixou.

Isso justifica um dos mais famosos apelidos deste italiano (bem) nascido em Roma, Andrea de Crasheris. E resultam em piadinhas como a que circulava pelo paddock em 1981. Com joviais 22 anos, ele corria sua primeira temporada completa na F1 pela McLaren, que havia sido adquirida meses antes por Ron Dennis, numa jogada esperta em cima do falecido Teddy Mayer:

Pergunta: Por que Andrea corre com o número 8 e não com o número 7?
Resposta: Porque é muito mais fácil visualizar o número 8 de cabeça para baixo!

Eu me diverti pacas escrevendo este texto. Não faltam argumentos para as minhas risadas. Em 1981, ano da referida piadinha nº 8, De Cesaris estabeleceu novos patamares de destruição no esporte a motor. Segundo um levantamento da época feito por Reginaldo Leme no GP do Canadá, penúltimo da temporada de 15 provas, ele havia batido incríveis 22 vezes (!) nas mais diferentes superfícies, como muros, outros carros, guard-rails ou barreiras de pneus, seja isso em treinos ou em corridas. E não era do tipo que largava o volante quando virava passageiro – segurava-o firme, sem hesitar.

Reza a lenda que Andrea dava tanto trabalho para os mecânicos da McLaren que eles estavam a ponto de fazer greve no fim do ano. Na verdade, só lhe é dada atenuante relevante no GP da Grã-Bretanha, onde foi envolvido em uma batida coletiva causada por Gilles Villeneuve. Na verdade, De Cesaris foi heróico no lance, já que jogou seu carro para fora da pista para não bater na traseira de seu próprio companheiro John Watson. Wattie acabaria vencendo a corrida para a McLaren, acabando com um jejum da equipe que não ganhava desde 1977.

E pensar que esta vaga na McLaren em 1981 poderia ter sido de Chico Serra. Ele, é bom lembrar, correu para Ron Dennis na F3 e F2 pela Project Four. Derrotou De Cesaris como companheiro de equipe pelo título da F3 britânica em 1979, mas, na hora de disputar a vaga na F1, foi derrotado pelo ótimo relacionamento do italiano com a Marlboro.

O pai de Andrea era comerciante que ganhou uma licitação do governo da Itália para ser distribuidor oficial de cigarros de todas as marcas no país – inclusive as da Philip Morris. Mesmo não sendo lobista direto, ele conhecia e indicava as pessoas certas com quem o filho deveria conversar a fim de levantar dinheiro para competir.

Andrea correu na F1 entre 1980 e 1994. Com 208 largadas, é o 8º de uma lista encabeçada por Rubens Barrichello e suas quase 300 corridas. Quando parou, era o 2º colocado, apenas atrás de Riccardo Patrese, o homem a ser superado justamente por Rubinho. De Cesaris é único dos 10 pilotos com mais de dois centos de largadas no currículo a jamais ter vencido, uma vez que Jean Alesi (201) e Jarno Trulli (222) salvaram para si uma vitória cada. O atualmente reserva Nick Heidfeld, 2º a mais largar e não ganhar, só tem 167.

Quando o assunto é abandono em corridas, ninguém chega perto dos números dele. Das 208 largadas, não completou 137 delas, incluídas nessa conta duas desclassificações. Também detém o recorde de 14 abandonos numa só temporada. E isso ocorreu duas vezes! Em 1986, pela Minardi, desistiu de 14, não pegou vaga no grid em uma e terminou a outra em 8º, fora dos pontos. Em 1987, pela Brabham, igualmente desistiu em 14 oportunidades, mas emendou o tabu de 12 corridas seguidas sem completar – isso logo após ser 3º na Bélgica.

De Cesaris também detém o título de maior nômade da História da F1, por ter pilotado por mais equipes que qualquer outro dos que passaram pela categoria: Alfa Romeo, McLaren, Ligier, Minardi, Brabham, Rial, BMS Dallara, Jordan, Tyrrell e Sauber. São nove escuderias, duas a mais que o segundo colocado, Giancarlo Fisichella.

Alguns acidentes de Andrea de Cesaris ficaram famosos. Vamos recapitular alguns deles:

Zeltweg 1985 – Pilotando pela Ligier, Andrea comete a imprudência de colocar duas rodas na grama molhada em curva de alta velocidade. O carro desliza e, catapultado por um inconveniente barranco, dá várias piruetas no ar até finalmente parar, sortudamente para cima, possibilitando o italiano sair sem contusões, apenas um pouco de lama no capacete e nas costas. Uma corrida depois e seria demitido do time francês. Philippe Streiff o substituiu e conseguiu um excelente 3º lugar no GP da Austrália.

httpv://youtu.be/Gi46FwV6yzA

Monte Carlo 1989 – Correndo num bravo 4º lugar pela Dallara, apenas atrás de Ayrton Senna, Alain Prost e Martin Brundle, Andrea tenta dar uma volta em Nelson Piquet. Só que resolve fazer isso na curva Loews, sabidamente um dos trechos mais encardidos da pista do Principado. A Dallara-Ford engancha na Lotus-Judd do brasileiro e De Cesaris simplesmente descontrola-se: tira o cinto, abre a viseira e solta o verbo, como se fosse dono da razão…

httpv://youtu.be/8GiFfcClDnY

Phoenix 1989 – Em um dos mais insólitos cenários para uma corrida de F1, De Cesaris consegue a façanha de fechar o próprio companheiro de Dallara (ver aos 57min do video abaixo), Alex Caffi, que acaba sua corrida no muro. Seria apenas mais um caso de rivalidade extrema entre companheiros, como vimos na Turquia com os pilotos da Red Bull, se não fosse um pequeno detalhe: Caffi estava a ponto de dar uma volta em De Cesaris!

httpv://youtu.be/OCnEvX5A77Y

Silverstone 1991: Durante o GP britânico, ao volante da Jordan 191, De Cesaris dá uma tremenda cacetada frontal no trecho da Bridge, certamente a mais de 220 km/h. Ao invés de requisitar serviço médico, pasmem, sai andando como se tivesse acabado de estacionar um Fusca num supermercado.

httpv://youtu.be/FXrBnCAeBb0

Um currículo de 15 temporadas não poderia ser composto só de maus desempenhos. A vitória esteve muito perto de surgir na vida de Andrea em duas oportunidades, ambas em Spa-Francorchamps. Em 1983, pela Alfa Romeo, largou como um dragster e, de 3º, assumiu a ponta na luz verde. Liderou até o motor falhar fatalmente a 15 voltas do fim. O quase inútil consolo foi ter marcado a volta mais rápida.

Em 1991, pela famosa Jordan “Seven-Up”, a situação foi mais complexa. Andrea estava num fim de semana nervoso. Durante o ano, ele havia sido ligeiramente melhor que Bertrand Gachot, mas agora o calouro Michael Schumacher, com imberbes 22 anos e apenas um teste de F1 no currículo, havia sido mais rápido em todos os treinos. Muito mais rápido. A diferença chegou a ser um abismo de um segundo e meio!

E pior, o novato ainda deu ao italiano, que já tinha 11 temporadas nas costas, algumas dicas sobre como pilotar a Jordan em alguns pontos onde o carro ficava nervoso, métodos que ele havia achado com uma naturalidade irritante. Era um disparate, um atrevimento daquele alemãozinho de queixo protuberante, deve ter pensado De Cesaris, que havia conseguido apenas um 11º lugar no grid, ante o 7º de Schumacher.

Aquilo mexeu com De Cesaris e a volta por cima veio na corrida. Enquanto Michael ficou sem embreagem na largada, o romano começou a andar mais do que se supunha. Valendo-se dos abandonos à sua frente e algumas belas ultrapassagens, como em Nelson Piquet na Les Combes, já estava alcançando o consumido líder Ayrton Senna, com o câmbio da McLaren-Honda bastante prejudicado.

A cinco voltas do fim, no entanto, os ponteiros no painel da Jordan subiram rapidamente para o vermelho e o motor Ford V8 estourou a três voltas da bandeirada. Mais seis minutos de motor funcionando e talvez De Cesaris pudesse ter dado para a Jordan uma vitória sete anos antes de Damon Hill vencer na mesma pista no dilúvio de 1998…

Fiquei pensando, para encerrar a coluna, sobre a grande contribuição de De Cesaris na F1. Claro que distribuidores de peças e matérias-primas para carenagens ganharam muito dinheiro à custa dele, mas isso é perder o foco…

Bem, uma vez que ele tenha sido um demolidor em 1981, podemos chegar à conclusão que hoje, quando um piloto sofre um acidente forte e sai ileso, deve pagar tributo ao enorme esforço de Andrea de Cesaris. Devemos lembrar que naquele ano a McLaren estreou o revolucionário e resistente chassi MP4-1 em fibra de carbono, substituto das tradicionais construções em chapas de duralumínio.

O italiano, que não se feriu gravemente em nenhum shunt, tornou-se um involuntário e intenso “garoto-propaganda” da resistência da fibra de carbono, material que era alvo de desconfiança de diversos construtores, mas que acabaria sendo adotado por todas as equipes com o passar dos anos. Grande Andrea! O recordista do avesso!

Aquele abraço!

*Coluna publicada originalmente em 16 de julho de 2010

Lucas Giavoni
Lucas Giavoni
Mestre em Comunicação e Cultura, é jornalista e pesquisador acadêmico do esporte a motor. É entusiasta da Era Turbo da F1, da Indy 500 e de Le Mans.

3 Comments

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  2. Lucas dos Santos disse:

    Excelente coluna.

    Lembrei de uma entrevista publicada no Tazio em que o De Cesaris fala sobre a sua carreira. Leitura recomendada: http://tazio.uol.com.br/f1/de-cesaris-nao-quero-ser-lembrado-mais-pelos-acidentes-na-mclaren .

  3. Fernando Marques disse:

    Segundo o Piquet o maior perigo que a Formula 1 tinha na epoca do De Cesaris era as largadas … agora imagina o quanto deveria custar a ele uma vaga numa equipe de Formula 1 … e as clausulas de seu contrato … mensurando quanto custaria cada carro batido …
    Sei lá … a Italia sempre brindou o mundo da Formula 1 com pilotos desastrados … alem do De Cesaris tambem teve o Vittorio Brambilla não ficava atras neste quesito … vale lembrar que ele na sua unica vitoria na Formula 1 bateu com o carro na volta da vitoria … isto é um fato inedito até os dias de hoje …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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