O mundo, Michael Schumacher e eu

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Quem me conhece sabe que nunca fui fã de Michael Schumacher: nunca GOSTEI dele. Mas, vejam só, sempre o admirei.

Em poucas palavras: Michael Schumacher foi o piloto que mais admirei em minha vida. Simples assim. Admirar é muito diferente de gostar: tem mais a ver com reconhecer, com respeitar, ou ainda com espantar-se. Quem me conhece sabe que nunca fui fã do alemão: nunca GOSTEI dele. Mas, vejam só, sempre o admirei.

O admirei a ponto de apostar em seu retorno às pistas. Cheguei a cravar – em 2010, em 2011 e 2012 – que seria ele o primeiro piloto a vencer com a nova Mercedes GP. Pensei, também, que ele bateria Rosberg com alguma consistência; pensei, ainda, que ele poderia disputar o caneco.

Nada disso se confirmou, é verdade; mas Schumacher nunca deixou de ser grande – um dos maiores de sempre.

Acho que Schumacher é o piloto que mais admirei em minha vida justamente por ter sido ele o corredor cuja carreira eu vivi mais intensamente: ainda que eu possa não lembrar de alguns GPs de 1991 ou 1992, posso afirmar que acompanhei todas as suas 308 participações em corridas na F1.

A verdadeira angústia que eu senti no domingo 29 (e que tem se estendido ao longo desses dias) foi algo muito diferente do que eu já havia experimentado: claro, a morte de Ayrton Senna foi um acontecimento terrível em minha vida, e a morte dos Mamonas menos de dois anos depois também me deixou dias perplexo. Eram meus ídolos de infância, afinal.

Eu ainda era um ser humano em formação, e não se tinha nem 10% dos acessos à informação que temos hoje.

Ao longo de minha vida, me lembro de ter ficado comovido com a passagem de vários famosos: Tim Maia, em 1998, Mário Covas, em 2001, João Paulo II, em 2005, e Mandela, outro dia, foram alguns deles. Cito esses 4 nomes não por algo em especial que teles tivessem (e tinham), mas sim para demonstrar como fui tocado pela existência das mais variadas personalidades.

Puxando pela memória, talvez a última vez em que eu tenha ficado realmente chocado com a morte de alguém famoso foi no final de 2001: falecia George Harrison. Sempre fui fã dos Beatles, influenciado por meu pai, e naquele período em especial, 2000/2001, eu estava (re)descobrindo toda a magia da música dos 4 garotos de Liverpool. E Harrison sempre foi o personagem com o qual mais me identifiquei. Meses depois, sairia seu último disco, póstumo, e curti-o intensamente.

Não, Schumacher não está morto, e se Deus permitir recobrará a vida em suas mais perfeitas funções. Falo da sensação de perda.

Posso dizer que com Schumacher foi um sentimento realmente diferente. Muito graças à era tecnológica e a possibilidade de abrir o celular e já se inteirar das notícias (cheguei a aprender algumas palavras em alemão, de tanto acessar o www.rtl.de), em parte também por estar trabalhando no GPTotal, um ambiente democrático e imparcial diferente tudo que já vi em se tratando de jornalismo.

Entretanto, a principal razão foi a da admiração e respeito que tenho por esse piloto.

Muitos não sabem, mas minha primeira coluna – no antigo “Friends” – no GPTotal foi um pequeno artigo intitulado “Sou Testemunha de um mestre!”.

O texto, em muito carregado do sonho juvenil de se tornar jornalista, tem uma construção ainda fraca (mas com alguns méritos) e denuncia alguma parcialidade passional: “Confesso nunca ter realmente gostado do Schumy mas, nos últimos 4 anos, têm crescido comigo um respeito e uma admiração enormes por esse senhor”, escrevia eu ao final.

Como se vê, o RECONHECIMENTO já estava ali.

A relação que eu tive com a trajetória de Schumacher sempre foi muito ambígua: senti raiva dele muitas vezes, ao mesmo tempo em que sabia tratar-se de um monstro sagrado do automobilismo.

Revendo meu arquivo no Gepeto, desde essa coluna de 2003, concluo que, ao lado de Ayrton Senna, Michael Schumacher certamente foi o personagem da F1 sobre quem mais escrevi (depois, Fernando Alonso, Rubens Barrichello e Sebastian Vettel completam o “top 5” de colunas dedicadas).

E sempre aliei o tom crítico aos elogios, as ressalvas aos louvores.

Engana-se, porém, quem pensa que a supracitada raiva tenha a ver com “inveja-porque-ele-ganhava-tudo-toda-hora”. Acho que teve mais conexão com o que eu senti em momentos muito pontuais.

O que ele mais tem em sua história na F1 são momentos de mocinho e bandido, mas vou resumir essa ambiguidade em cinco situações de cunho estritamente pessoal.

A primeira se deu no GP de San Marino 1994: Eu nem havia chegado à dita “pré-adolescência”, portanto tudo deve ser muito bem compreendido em seu contexto, por favor.

Não sei bem porquê, mas aquela temporada foi apagada na minha memória depois de 1º de maio. Lembro-me com mais clareza de 1991, 1992 e 1993 do que do restante daquele ano, na F1. Tem a ver com a morte de Ayrton, é claro, mas eu continuei acompanhando as corridas, nunca deixei de assisti-las.

Ainda criança, me lembro de ver a cerimônia do pódio, e as reportagens subsequentes, e ficou marcado aquele sorriso de Schumacher. É claro, hoje eu já revi tudo na íntegra e sei que ele não ficou fazendo dancinha nem contando piada: na maior parte do tempo ele ficou com a cara fechada, o semblante sério.

Mas eu o vi rindo, o vi erguendo o troféu com tremendo entusiasmo, dando aquela mordida no lábio inferior que lhe foi tão característica nos anos de massacre na Ferrari.

Pra mim foi essa imagem que mais marcou: eu nunca o culpei pela morte de Senna (como uma parcela de nossa “mídia” gosta de zombar), ou achei que ele fosse um “usurpador”: eu achava mesmo que ele ficara feliz com a morte de Ayrton.

Vocês tem ideia do que consegue pensar alguém com menos de 10 anos?…

A cena seguinte, e que foi o primeiro choque àquela imagem do “indiferente” de Imola, aconteceu também em solo italiano, no ano 2000.

Vocês lembram: naquele dia, Schumacher venceu o GP da Itália e chegou a 41 vitórias. 41, a marca de Senna. Com vinte GPs a menos. Não queria que ele igualasse a marca – agora eu já era um adolescente que começava a fazer a “barba” e queria sair com os amigos – mas foi a coletiva que mexeu comigo.

Na verdade, não assisti ao vivo, mas sim vi as matérias a respeito: aquele choro incontido ao ser perguntado sobre o que significava ter igualado “ele” foi interessante, e pela primeira vez passei a ver Schumacher de maneira humana, um cara que “não é tão mau assim”.

Dois anos depois, porém, eu tive uma frustração do tamanho do universo.

Já em época de pensar na profissão a se escolher para entrar na universidade, o jornalismo começava a ter minha preferência. Nesse período eu já conhecia o GPTotal e mandava cartas e mais cartas.

Naquele ano, eu tinha certeza que Barrichello poderia triunfar. Era um feeling, apenas. Foram várias corridas em que ele esteve em posição de bater Schumacher (Austrália, Malásia, San Marino, Espanha…) mas somente a Áustria apontava para uma chance real de vitória.

Bem, vocês sabem muito bem como tudo isso termina, mas eu acreditei, até o último segundo, que Barrichello venceria (tinha ainda um ideal dessa coisa indefinida e indefinível, a justiça esportiva), mas quando eles entram na reta e Schumacher passa… eu caí pra trás, literalmente.

Foi o último dia em que eu sofri pela F1. “Maio não é um bom mês para ver corridas”, pensei. E eu vi Schumacher levantando o braço, eu vi. Depois, no pódio, aquele teatro, aquela coisa constrangedora, as vaias, o cisco no olho, o “toma que o filho é teu”… Foi duro.

A cena de número 4 estava por vir, e ela aconteceu de novo em San Marino: “a mãe do Schumacher morreu”, ouvi na TV.

Já vi muita gente, inclusive torcedores e fãs do alemão, dizerem se envergonhar desse episódio, citando-o como um dos mais desprezíveis momentos de sua trajetória na F1.

Mas eu não: no pódio, diferentemente das imagens de San Marino 1994 (quem sabe aquele filme não passou por sua cabeça?) ou da Áustria no ano anterior, eu vi a expressão de Schumacher ser sincera, verdadeira… e profundamente triste.

Por que ele correu? Oras, é a profissão dele, e ademais, quantas e quantas pressões, internas e externas, ele não deve ter sofrido? Não, eu não consigo ataca-lo ou criticá-lo por aquele episódio. Me compadeci e me compadeço dele.

A quinta imagem dele que me marcou, e me fez enraivecer de novo, foi aquela vergonhosa estacionada na Rascasse, em 2006: “Cara, %$#@*&?!, você não precisa disso, seu m…!”.

A volta de Schumacher foi apenas uma sombra de seu passado, emulando o vilão (Mônaco e Hungria 2010) e o herói (Bélgica 2011, Mônaco 2012), mas a última imagem que tenho dele não é de uma experiência ao vivo: é de um momento que pude (re)viver anos depois graças a essa invenção miraculosa chamada YouTube.

Não é nada relacionado ao que foi dito anteriormente. É apenas uma corrida, no ano de 1996, na Espanha. Sempre que quiserem saber o que penso do piloto Schumacher, eu direi: “pô, aquela vitória em Barcelona-96, senhor amado!

Feliz aniversário, Schumacher. Eu nunca torci por você, mas espero que você que conquiste esse oitavo título mundial, aí no GP da França, em Méribel.

Marcel Pilatti
Marcel Pilatti
Chegou a cursar jornalismo, mas é formado em Letras. Sua primeira lembrança na F1 é o GP do Japão de 1990.

4 Comments

  1. Mário Salustiano disse:

    amigos

    Saber reconhecer os feitos de alguém independente de gostar da pessoa é uma tremenda prova de maturidade e por que não conhecimento de causa, o que mais gosto aqui no gepeto é essa prova de maturidade constante ,que a grande maioria dos frequentadores demonstram, eu também faço coro dos que pessoalmente não gostam mas admiram o Schumacher.

    Eu também acho pessoalmente muito difícil questionar o porque algumas pessoas fazerem certas escolhas, como o amigo Mauro ao perguntar se ele deveria ter ido a outros ares no automobilismo, ao invés de ter se arriscado tanto nessas atividades , mas sabe-se lá o que se passa nas cabeças das pessoas quando elas fazem suas escolhas, acho que as vezes a resposta mais simples é que muitos chegam num estágio da vida onde podem escolher e acabam optando em fazer apenas aquilo que elas gostam, evidente que em casos como esse nós que somos fãs ficamos tão perplexos que é natural perguntar porque ele não foi fazer algo menos perigoso.

    Junto-me ao coro dos que torcem para ele vencer esse GP pela vida e se Deus assim permitir se recuperar sem sequelas.

    Força Schummy

    e aos amigos gepetos os votos de um super 2014

    Mário

  2. Ronaldo disse:

    Li uma frase naquela coluna a que você remete e pensei imediatamente em Fernando Alonso: “Em linhas gerais, os campeões tiveram apenas um grande período em suas carreiras”.

    Será?

  3. Fernando Marques disse:

    Que bom que o GP Total voltou das ferias
    Que pena que a primeira coluna seja sobre este triste acidente sofrido pelo M. Schumacher e que está agora com a vida em risco e se sobreviver só se sabe lá quais serão as sequelas.
    O Marcel foi perfeito. Para reconhecer não precisa gostar. Queiram ou não queiram ele é o maior vencedor das historia da Formula 1.
    Vivemos agora uma grande expectativa em relação a sua recuperação e o que será dele daqui para frente.
    E a pergunta do Mauro é mais que pertinente: por que ele não foi fazer historia em Le Mans ou na Indy 500? … Ia se divertir fazendo aquilo que ele faz de melhor que é guiar automóveis de corridas.

    Desejo toda a sorte do mundo para Schumacher e vou ficar torcendo pela sua total recuperação.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  4. Mauro Santana disse:

    Belo texto Marcel!

    Realmente este acidente com o Schumacher mexeu com muita gente.

    Agora eu não consigo entender, porque ele ao invés de ficar se arriscando em andar de moto, esquiar, e até montar em touros não resolve correr e fazer história em Le Mans ou na Indy 500?

    FORÇA SHUMY!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

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