A missão 1 da Yamaha

Sobre ordens de equipe
21/08/2017
Fim de férias! Obrigado!
25/08/2017

13 anos depois e Rossi ainda está com sua M1

Hoje vemos o quanto Jorge Lorenzo está penando para vencer com uma Ducati na MotoGP. Mas 13 anos atrás, Valentino Rossi embarcava em uma missão ainda mais difícil, ao trocar a campeã Honda pela então decadente Yamaha. Eles, no entanto, tinham um plano, uma missão em comum. Missão que estava até no nome da motocicleta.

Durante mais de três décadas, a Yamaha foi uma das líderes no desenvolvimento dos motores de dois tempos e uma das principais defensoras de seu uso. Nesse período a extraordinária YZR-500 floresceu nas mãos de gênios como Giacomo Agostini, Kenny Roberts, Eddie Lawson e Wayne Rainey, que conquistaram muitas vitórias e títulos.

Porém, as regras do Mundial de Motovelocidade mudaram radicalmente em 2002, quando as legendárias 500cc de dois tempos cederam lugar para as 990cc de quatro tempos. Para a Yamaha, a pressão era grande, já que em três anos (2005), a marca iria comemorar o aniversário de 50 anos da divisão de motocicletas e não queria passar a ocasião fazendo vexame.

Eles, então projetaram uma nova motocicleta. Seu nome seria YZRM1, que significava “Mission 1”, ou seja, o título mundial de MotoGP. Ao invés de um V4, como na antiga YZR-500, o novo motor seria de quatros cilindros em linha, arquitetura considerada a mais equilibrada. O chassi, contudo ainda era derivado de sua antecessora, em uma tentativa de preservar suas excelentes qualidades dinâmicas.

Os tempos eram outros, no entanto. As temporadas de 2002 e 2003 viram um verdadeiro passeio da Honda. Com a impressionante RC211V de cinco cilindros, Rossi venceu praticamente tudo e as equipes particulares apenas endossavam a superioridade da marca. À Yamaha restaram apenas poucas migalhas. Alguma coisa precisava ser feita, por isso eles chamaram um sujeito chamado Masao Furusawa.

Furusawa, um dos engenheiros mais graduados da Yamaha, foi o escolhido para dar um jeito na bagunça que era o departamento de corridas àquela altura, sem nunca ter assistido a uma corrida na vida. Sua primeira aparição aconteceu no GP do Japão de 2003, aquele mesmo que vitimou o promissor Daijiro Kato. De poucas palavras, mas com um eficiente senso de praticidade, Furusawa foi o primeiro a perceber o que estava errado e tratou de começar tudo do zero.

Um dos maiores problemas era mudar a mentalidade dos engenheiros da Yamaha, ainda muito avessos a mudanças radicais. Parte deles, por exemplo, acreditavam que o ideal seria conceber uma motocicleta de motor V4 – como a Honda fazia. Outros queriam ainda abdicar do sistema de injeção de combustível e voltar a utilizar carburadores (!!) como na velha 500cc. A eletrônica disponível também era um caso a parte, tão desenvolvida quanto à de um videogame Atari.

Furusawa, no entanto, insistiu que a melhor solução seria continuar com um quatro cilindros em linha e o sistema de injeção. O problema principal era como resolver a crônica falta de torque em baixas e médias rotações. A inédita solução foi adotar um virabrequim de fluxo cruzado também chamado de “crossplane”, na qual a árvore de manivelas possui ângulos inclinação de 90 graus entre si, o que deixava o propulsor muito mais elástico em todas as faixas de utilização.

Enquanto tudo isso acontecia, o então chefe da equipe, Davide Brivio negociava – sem muitos argumentos – com alguns pilotos, entre eles o nosso Alex Barros. A maioria estava mais preocupada em assegurar uma Honda para 2004. Brivio, no entanto, não conseguia tirar da cabeça uma ideia completamente maluca: convencer o campeão Rossi a deixar a Honda e juntar-se a eles na missão.

Só alguém muito louco trocaria a dominante Honda pela decadente Yamaha. Mas, graças a um incrível golpe do destino, Rossi estava pensando a mesma coisa! O italiano confessava sentir-se menosprezado na marca líder. Os japoneses não eram exatamente fãs de seu estilo irreverente. Para eles, era a moto quem vencia as corridas e não o contrário. O “Doutor”, no entanto, estava ávido para mostrar a seus chefes quem fazia a diferença ali.

Brivio convidou Rossi para uma conversa em Ibiza, apenas para confirmar que seu sonho era impossível. Para seu espanto, o piloto acenou positivamente e, após algumas semanas, assinaria um contrato no final de semana do GP do Brasil de 2003, o mesmo que se sagraria pentacampeão mundial. Ele também tinha um plano e topou o desafio, levando consigo um pequeno grupo de técnicos espetaculares, entre eles o marcante Jeremy Burgess.

Com Furusawa, Rossi, Burgess, Brivio e na retaguarda, Lin Jarvis, Shigeto Kitagawa e Masahiko Nakajima, tudo começou a fazer sentido. O resultado foi a elegante OWP3 de 2004. Logo nos primeiros quilômetros, o Rossi entendeu qual era a da M1: “acho que sei como pilotar essa moto”, disse ao retornar aos boxes. “Devo conduzi-la como se estivesse em uma 250cc, jogando o corpo mais nas curvas”. E assim o fez.

A nova M1 já era equilibrada desde o início, mas foi só quando eles instalaram um novo motor “Big Bang” com quatro válvulas por cilindro (ao invés de cinco, como no modelo anterior) que eles realmente deixaram a Honda para trás. A batalha insólita que se seguiu contra seu maior rival, Max Baggi em Welkom, na África do Sul durante a primeira etapa de 2004, já é considerada um dos maiores momentos da história do motociclismo.

Rossi não apenas ganhou a sua primeira corrida pela Yamaha, como também outras seis viriam ao longo da temporada, culminando no título mundial, com um ano de antecedência. Em 2005, o domínio foi ainda maior. Rossi venceu nada menos que 11 corridas e quem teve que se contentar com migalhas foi a Honda. A missão estava cumprida!

Para 2006, Furusawa foi promovido a um cargo mais alto, não estando presente diretamente no dia-a-dia do departamento de corridas. A mudança foi imediata. Outros técnicos assumiram o comando e tomaram decisões equivocadas. A M1 imediatamente piorou e Rossi não conseguiu manter o ritmo, perdendo o título daquele ano para Nicky Hayden e o de 2007 para Casey Stoner, na nova era das 800cc.

Rossi encarecidamente pediu para que Furusawa voltasse. Felizmente, o japonês também sentia que algo a mais podia ser feito e aceitou o retorno. A M1 foi mais uma vez reprojetada e, com Andrea Zugna criando a melhor central eletrônica já vista até então, o resultado foi a OWS5 de 2008, uma das máquinas mais perfeitas de todos os tempos. O título daquele ano veio fácil, assim como em 2009.

A YZR-M1 tornara-se uma máquina tão desenvolvida, que a Yamaha resolveu aplicar algumas de suas tecnologias à sua prima das ruas, YZF-R1. Um dos principais chamarizes da quarta geração (lançada em 2009) era justamente conter o mesmo virabrequim de fluxo cruzado, tão polêmico em 2004, agora indispensável e confiável o suficiente para uso rodoviário. Quem é motociclista saber reconhecer – de longe – a chegada de uma R1, graças ao seu inconfundível ronco grave, que lembra muito um V8.

Em 2010, com quatro títulos debaixo dos braços, Furusawa decidiu que era a hora de sair definitivamente. O mesmo fizeram Zugna, Brivio e alguns outros. Sentindo o clima mudar e incomodado com a presença de um audacioso Lorenzo ao seu lado, Rossi também resolveu abandonar o time dos sonhos no final do ano. Na Ducati, no entanto, o eneacampeão não se sentia tão à vontade. À volta “para casa” não demorou a acontecer, em 2013.

Como todos sabem, Rossi e Lorenzo continuaram brigando até o final do ano passado, quando o espanhol resolveu encarar a sua própria missão na Ducati. O italiano, agora tem como companheiro o promissor Maverick Viñales e ambos continuam contando com a letal YZR-M1 como principal arma para chegar a mais um título.

A concorrência, no entanto é muito mais difícil do que em 2004. A Honda finalmente achou em Marc Márquez o seu próprio “Valentino Rossi” e a Ducati está melhor do que nunca, como evidenciam as três surpreendentes vitórias de Andrea Dovizioso nessa temporada. Mais um episódio dessa fascinante história será escrito no próximo domingo, com o Grande Prêmio da Inglaterra, em Silverstone.

Até a próxima!

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

2 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Bela história Lucas;

    Parabéns!

    Quando li a parte em que Rossi assinou o contrato com a Yamaha aqui no GP Brasil, bateu um saudosismo enorme, e como faz falta um GP aqui em nosso país.

    Abraço!!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    estou acompanhando atentamente o Mundial deste ano e estou achando simplesmente sensacional ver a Yamaha, Honda e Ducati praticamente no mesmo nível vencendo corridas seja com Viñales, Rossi, Duvizioso e logicamente o Doctore Rossi …
    Em Silverstone certamente teremos mais um show …
    minha torcida está com o Doctor Rossi …

    Fernando Marques
    Niterói RJ

Deixe um comentário para Mauro Santana Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *