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Nesses tempos de quarentena no mundo todo, sem novas corridas para assistir, me peguei pesquisando sobre os maiores vencedores da Nascar e suas grandes corridas. Olhando a lista dos cinco maiores vencedores da categoria, notei que hoje em dia pouco se fala sobre o segundo maior vencedor, David Pearson. Comparei alguns números dos cinco primeiros para buscar entender como ele se posiciona entre os melhores, não somente pelo número de vitórias, mas em relação ao total de provas disputadas, títulos e anos na categoria principal.

Para relembrar os dados, vamos aos números:

  1. Richard Petty: 7 títulos, 1.184 provas disputadas, 200 vitórias em 35 anos.
  2. David Pearson: 3 títulos, 574 provas disputadas, 105 vitórias em 27 anos.
  3. Jeff Gordon: 4 títulos, 805 provas disputadas, 93 vitórias em 25 anos.
  4. Jimmie Johnson: 7 títulos, 655 provas disputadas (até o momento), 83 vitórias em 20 anos.
  5. Dale Earnhardt: 7 títulos, 676 provas disputadas, 76 vitórias em 27 anos.

Talvez o número que não se destaca para Pearson na tabela acima seja o número de títulos, ficando muito aquém dos sete de Petty, para citar apenas seu contemporâneo. Fazendo uma análise um pouco mais detalhada, podemos ver que, se o número de títulos não se equipara aos dos outros em sua quantidade, a porcentagem de vitórias é bem impressionante. Abaixo coloco, em ordem, a porcentagem de vitórias em relação às corridas disputadas pelos cinco maiores vencedores:

  1. David Pearson venceu 18,3% das corridas disputadas.
  2. Richard Petty venceu 16,9% das corridas disputadas.
  3. Jimmie Johnson venceu 12,7% das corridas disputadas.
  4. Jeff Gordon venceu 11,6% das corridas disputadas.
  5. Dale Earnhardt venceu 11,2% das corridas disputadas.

Esse número mostra como Pearson tinha uma taxa de aproveitamento enorme em relação aos outros pilotos. Ao ver outros dados da carreira de Pearson, notei que ele não participou de todas as provas do campeonato em nenhum ano de sua carreira, lembrando que na década de 60 chegamos a ter mais de sessenta corridas por ano, um número incrível comparado aos dias de hoje. Nos anos em que mais disputou provas, Pearson foi campeão em 1966 (disputou 42 das 49 provas), 1968 (48 das 49 provas) e 1969 (51 das 54 provas). Em 1964, Pearson disputou 61 das 62 corridas e foi o terceiro no campeonato, tendo vencido oito provas na sua primeira tentativa de correr um campeonato completo.

David Pearson tinha um estilo de pilotagem calculista, no mesmo estilo de Alain Prost, o que lhe rendeu o apelido de “Fox” (Raposa), que mais tarde mudou para “Silver Fox” (Raposa Prateada) devido a ter ficado com o cabelo grisalho ainda jovem. Pearson e Petty chegaram em primeiro e segundo 63 vezes, sendo que Pearson levou a vitória em 33 ocasiões. Petty uma vez disse: “Pearson poderia te vencer em pistas curtas, superspeedways, pistas de rua e pistas de terra. Não doía tanto perder para ele quanto para outros pilotos porque eu sabia que ele era realmente bom”.

Para destacar dois feitos incríveis de Pearson, relembro os anos de 1973 e 1974. Pearson já tinha anos de experiência e demonstrou sua qualidade e talento de forma assombrosa. Em 1973 o piloto participou de 18 corridas de um total de 28, tendo vencido incríveis 11 provas, um aproveitamento de 61,1%. No campeonato ele foi apenas o décimo terceiro colocado, mesmo assim foi escolhido o piloto do ano.

Em 1974, Pearson participou de apenas 19 das 30 provas do ano, tendo vencido sete delas e conseguido um total de 15 Top 5. Com esses resultados ele foi o terceiro colocado no campeonato. Nesse mesmo ano, Petty disputou 30 provas e venceu dez delas, consagrando-se o campeão.

Destaco duas provas em que Pearson mostrou sua frieza e habilidade de forma impressionante. A primeira delas é a Firecracker 400 na pista de Daytona. Ele liderava a prova com alguns carros de vantagem para Petty, faltando apenas duas voltas. Ao entrar na reta de chegada na abertura da última volta, Pearson tira o pé do acelerador e deixa Petty ultrapassá-lo, num movimento frio e calculado. Pearson sabia que o vácuo daria a vitória Petty, então inverteu a posição intencionalmente para usar o vácuo na última reta e vencer a prova. Quem mais tiraria o pé do acelerador para vencer uma prova? Só David Pearson. Confira o vídeo das últimas voltas.

A segunda atuação impressionante é uma disputa com chegada de cinema contra Petty (claro), num dos mais emocionantes finais da grande Daytona 500. Faltando cinco voltas, Petty liderava com uma distância de aproximadamente cinco carros. Pearson pressiona e se aproxima, ultrapassando retardatários no caminho e estudando as linhas do seu adversário. Na volta final, Pearson dá o “bote” mas Petty revida, ambos rodam e batem no muro. As imagens mostram um Petty desesperado tentando ligar o motor de seu carro na grama do infield, enquanto Pearson consegue manter seu motor funcionando, mesmo tendo rodado, mas com muitas avarias no carro e atrás de Petty. Faltavam poucos metros para a linha de chegada e Pearson consegue arrastar seu carro para a bandeirada final, enquanto Petty ainda lutava para ligar seu motor. Veja só essa chegada de cinema, com narração empolgada de nada mais nada menos do que Jackie Stewart.

Histórias contam que Pearson era tão calmo e calculista na pista, que muitas vezes levava cigarros e isqueiro para fumar um ou dois cigarros enquanto controlava o carro com uma das mãos(!). O chefe de mecânicos de Pearson na época da Wood Brothers, Leonard Wood, dizia que “se não estamos indo rápido o suficiente, precisamos mexer no carro, porque com certeza não era um problema com o piloto”. Esse era o tamanho da confiança nas habilidades de Pearson.

Talvez David Pearson não seja tão comentado por ter uma personalidade mais reservada, não tinha o mesmo carisma de Petty, Earnhardt ou Gordon, mas seus números são indiscutíveis e impressionantes. Suas performances são memoráveis e seu legado deve ser sempre celebrado por ter sido um piloto incrivelmente habilidoso.

David Pearson foi selecionado para o Hall of Fame da NASCAR no ano de 2011, na segunda turma, e nos deixou no ano de 2018 aos 83 anos.

Rafael Mansano

 

Rafael Mansano
Rafael Mansano
Viciado em F1 desde pequeno, piloto de kart amador e torcedor de pilotos excepcionais.

6 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Belíssimas histórias, Rafael, e obrigado por compartilhar conosco.

    Grande abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba PR

  2. Fernando Marques disse:

    Raphael,

    show de bola.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

  3. Leandro disse:

    História deliciosa.

  4. Wladimir disse:

    Bom dia a todos. Só aqui no GPTotal temos tantos arqueólogos do automobilismo raiz! David Pearson merece ter um status de lenda da NASCAR. É preciso ser excepcional para conquistar o respeito e a admiração de um digno rival como The King Richard Petty! Aquela história de ceder a ultrapassagem a Petty, usar o vácuo e vencer beira o inacreditável! Parabéns, Rafael Mansano!

    • Rafael Mansano disse:

      Concordo com você, Wladimir. Pearson é uma lenda do esporte. Obrigado por nos acompanhar por aqui. Abraço!

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