Passaram-se 28 anos desde que assisti ao GP do Brasil de Fórmula 1 a partir da reta de largada de Interlagos. Aconteceu em 1990, volta da categoria a São Paulo depois dos anos cariocas, aconteceu de novo agora, estando eu a uns vinte metros ou menos da linha de largada, na tribuna bem diante dos boxes da RBR. Neste meio tempo assisti a cada um dos outros 27 GPs ou na Subida dos Boxes ou na Curva do Sol. Ambos são trechos percorridos a uma velocidade comparativamente baixa, fato agravado no Sol pela distância considerável entre o público e a pista.
Por isso, o tempo havia embaciado minhas lembranças de como pode ser espetacular assistir bem de perto a uma largada de Fórmula 1 e também ver os carros passarem a uns 330 km/h, ainda em plena aceleração.
Que coisa fantástica! Que velocidade!
Na largada, não se pode piscar, sob risco de não se ver o que acontece. Aliás, não é possível ver o que acontece e é bom se conformar com isso, deixando que a mente componha ela própria um mosaico de imagens e cores.
Os anos passados vendo F1 em Interlagos – eu estava lá em 30 de março de 1972, primeira vez da categoria no autódromo, e desde então só perdi as corridas de 77, 79 e 80, o que dá 34 GPs do Brasil no lombo –, me ensinaram que ali, naquele ponto do autódromo, só resta relaxar e abrir mão de acompanhar a corrida com um mínimo de precisão. O pouco que deu para acompanhar o fiz graças às placas de sinalização dos boxes de Kimi Raikkonen e da dupla da RBR.
Melhor assim: apenas curtir o ambiente, o barulho, o adorável cheiro da gasolina deflagrada ou seja o que for aquilo que explode no motor dos carros. Mas, claro, as coisas evoluem: o cheiro agora é mais sútil, pois a eficiência da injeção de combustível e sua queima certamente evoluíram muito nestes anos todos…
Foi nesta vibe que acompanhei a vitória de Hamilton e a extraordinária corrida de Max Verstappen, a quem voltarei mais abaixo.
Aqui queria registrar duas impressões favoráveis e um breve lamento.
A primeira impressão: que coisa extraordinária ver algo se deslocando a 330 km/h bem diante dos olhos!
A esta velocidade, não é possível identificar o piloto pela cor do capacete ou por algum detalhe do carro, que não seja aquela sinalização em amarelo luminoso que recobre a câmera no alto da tomada de ar do motor dos carros dos segundo pilotos de cada equipe. É isso ou nada.
A segunda impressão legal: que coisa linda ver tão de perto os carros correndo juntos na reta, se aproximando do S do Senna à razão de uns 90 metros por segundo e procurando sofregamente um espaço para frear e ganhar posições.
Na velocidade com que as coisas acontecem perde-se qualquer sobriedade nas análises, o mesmo vale para a seletividade das memórias. Foram várias as situações eletrizantes – o que esse cara vai fazer? Como ele vai parar o carro sem bater em quem está na frente? Como ele vai conseguir algum espaço. Não lembro se estava olhando quando Verstappen se aproximou de Steban Ocon na fatídica volta 44.
Conservei, contudo, a impressão de que os carros aumentam de tamanho ou a pista encolhe. Talvez seja aquele fenômeno descritos por Albert Einstein sobre objetos que se aproximam da velocidade da luz. Ok; falta um tanto para os F1 atingirem a velocidade da luz, mas a máxima de 337 km/h registrada por Daniel Ricciardo e seu RBR no GP estão bem mais próximos da velocidade da luz do que as nossas banais velocidades cotidianas.
E agora o meu breve lamento.
Do ponto onde estava, ainda ouvia os motores em plena aceleração, a freada para o S do Senna ficando para mais adiante. Em 1990, a frenagem foi a impressão mais forte que me restou, em especial dos freios aquecidos ao rubro do Ferrari de Alain Prost, vencedor da corrida, depois do infeliz incidente envolvendo Ayrton Senna e Satoru Nakajima.
Creio que a eficiência na frenagem, assim como na combustão, deu vários saltos de eficiência neste intervalo de tempo. Por algum motivo, a melhor volta em Interlagos durante a corrida passou de 1m19s8 em 1990, gentileza de Gerhard Berger, para 1m10s5 neste ano, graças a Hamilton.
Uma breve resenha no jornal Valor Econômico – sempre uma excelente leitura – me remeteu ao livro A Única História, de Julian Barnes, autor que desconhecia até então.
O livro conquistou-me desde a primeira página, uma triste história de amor que começa na Inglaterra dos primeiros anos da década de 60, com alguma semelhança com O Amante de Lady Chatterley.
Para minha surpresa, nas páginas finais do livro, Barnes discorre com precisão sobre a admirável corrida de Max Verstappen no GP do Brasil de 2016, disputado sob chuva. O autor reproduz frase de um comentarista não nomeado, tentando explicar o desempenho destemido do holandês: “dizem que seu perfil de risco só se estabiliza quando você tem 25 anos”. Verstappen tinha 19 anos em 2016. Desde então, ele tem enchido nossos olhos com atuações além do limite da responsabilidade.
A menção ao “perfil de risco”, expressão que não lembro de ter ouvido antes, despertará uma lembrança desagradável no protagonista do livro. Em mim, reforçou o paralelo entre Verstappen e Ayrton Senna. Ambos, em suas fases de ascensão, esbanjaram uma exuberância muitas vezes irracional que choca quando posta lado a lado com a natural contenção de pilotos mais experientes, como Alain Prost e Hamilton, por exemplo. Sintomático que o inglês não tenha perdido a oportunidade de puxar a orelha do rival em Interlagos, sem dúvida numa manobra intimidatória; Hamilton sabe bem que Verstappen já é o seu maior rival.
Não perderia meu tempo tentando conter o holandês. Não será com contenção externa que ele se tornará o próximo dominador da Fórmula 1, o futuro da categoria, capaz, quem sabe, de bater os recordes de Michael Schumacher e do própria Hamilton. Cabe a Verstappen, só a ele encontrar o balanço entre arrojo e sobriedade próprio dos grandes campeões.
Enquanto isso, é preciso respeitar e mesmo valorizar seu “perfil de risco”. Esta exuberância foi, para mim, o fato marcante da temporada recém encerrada.
Torço para que ela não seja comprometida pela opção da RBR pelos motores Honda em 2019. Nesta temporada, quem os usou teve de se contentar apenas com a penúltima posição no Mundial de Construtores.
Abraços,
Eduardo Correa
4 Comments
Olá Eduardo! Sou um fã de longa data!
Gostaria da sua opinião sobre dois episódios muito parecidos.
Hamilton vs. Ocon (Monaco, chicane no fim do túnel)
Vettel vs. Leclerc (Interlagos, S do Senna).
Poxa, tanto o Ocon quanto o Leclerc disputavam a posição, mas deixaram a Matriz passar como se fossem retardatários!
Eu nem consigo mensurar o quanto fiquei indignado! Para mim é o fim do mundo!
Principalmente o Leclerc que poderia tentar mexer com a cabeça do Vettel.
Um abraço
Sergio
Edu,
não creio que em 2019 o Verstappen ainda seja o maior rival do Hamilton e talvez nem venha a ser, se nos dois próximos anos o Hamilton alcançar os recordes do Schumacher. Se acontecer Hamilton se aposenta e aí sim o Verstappen vai poder ir atrás de seu primeiro título.
Fernando Marques
Niterói RJ
Oi Fernando
discordo, mas concordo com você…
Verstappen depende do motor Honda e do novo RBR pra continuar sua ascensão. É difícil que tudo dê certo pra ele em 2019
Mesmo assim, acho que na cabeça de Hamilton, o holandês é o principal rival, Vettel sendo visto como alguém que, ainda que possa ganhar corridas, é um inimigo já suficientemente conhecido e neutralizado
Por tudo isso, torço como nunca pelo acerto de Newey e da Honda em 2019. Vai ser muito triste se os motores japoneses continuarem no devagar e sempre que vimos este ano
Abraços
Edu
Edu,
concordo com você para que a parceria RBR/Honda dê muito certo … agora será que Hamilton/Mercedes realmente neutralizou o Vettel/Ferrari?
Aí tenho minhas dúvidas.
abraços
Fernando Marques