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Ao mestre, com carinho

Alguns anos atrás, o mundo ocidental ainda vivia sob a influência do regime patriarcal, em que a figura do pai (o patriarca) era o membro líder absoluto da família. Nas escolas, os professores exerciam um respeito semelhante, não apenas passando conhecimento, mas também estimulando a ordem e a disciplina. Com o passar dos anos, no entanto, esses conceitos foram mudando. O mundo, basicamente comandado pelos “mais velhos” passou a ser influenciado pelos jovens.

Isso de deveu a inúmeros fatores tecnológicos, sociológicos e principalmente ao avanço da “Cultura Pop” que tinha a juventude – e não a maturidade – em foco. O surgimento de Elvis Presley, dos Beatles e da MTV fez com que todo um novo tipo de consumidor voraz passasse a ditar tendências, relegando os mais velhos a papeis menos influenciáveis.

Em pleno século 21, o que vemos é praticamente uma inversão completa daqueles conceitos que norteavam a sociedade 50 anos atrás. Hoje temos meninos com papéis de grande responsabilidade, mesmo sem estarem preparados para isso. Ao mesmo tempo, os mais velhos são descartados mesmo ainda tendo muito a oferecer.

No mês passado completaram-se 20 anos do aparecimento de Valentino Rossi no Mundial de Motovelocidade, no já longínquo 1996. Ano em que muitos dos que competem hoje – e assistem pela TV – ainda nem eram nascidos.

Existem motivos para Rossi ser chamado de ‘Doutor’: Sua abordagem analítica a todos os aspectos que envolvem uma corrida de motocicletas e sua frieza mordaz na pilotagem. Curiosamente, o jeito brincalhão e o sorriso fácil contrastam totalmente com esse lado, de um modo como não se vê em outros professores, como Alain Prost, por exemplo.

É por esses e outros aspectos que Rossi ainda é amado e idolatrado por muitos, seja como uma espécie de mentor de jovens pilotos (principalmente os pupilos de sua própria academia) ou simplesmente como um cara extremamente competente e legal. Nem com todos é assim, no entanto.

Os eventos do final da temporada passada deixaram claro que a nova geração está pedindo passagem e não tem necessariamente o respeito que Rossi e seus fãs gostariam que tivessem. O italiano também é constantemente cobrado e pressionado, por aqueles que acham que ele ainda teria algo a provar, mesmo após nove títulos mundiais e 86 vitórias na categoria principal. O próprio Rossi coloca a si mesmo essa pressão como forma de motivação.

Quando chegou em um discreto quarto lugar na etapa de abertura da temporada 2016 no Catar e caiu na terceira volta do GP dos Estados Unidos, as críticas dos opositores foram incisivas. Seu tempo já teria passado e estaria atrapalhando a entrada de outros pilotos promissores, diziam.

É um pensamento que faz todo o sentido quando se analisa a carreira de pessoas comuns, mas que não se aplica a Valentino Rossi. Esse piloto já está naquela categoria de esportista capaz de enriquecer o ambiente, não apenas por seu talento magistral, mas também por sua presença, muito mais significativa do que a de outro qualquer.

Assim foi com Pelé, Johan Cruyff, Bjorn Borg, Michael Schumacher, Jeff Gordon, Sebastien Loeb, Michael Jordan e até Kobe Bryant, que tem os mesmos 37 anos de Rossi e acaba de se aposentar precocemente, mesmo ainda jogando basquete no mais alto nível. Quem assistiu à sua partida final nesse mês, entende do que estou falando.

Rossi, no entanto, sabe que ainda pode render bem e por isso renovou o contrato com a Yamaha até, pelo menos, o final de 2018. Seu companheiro de equipe – e provavelmente o maior rival, Jorge Lorenzo, por outro lado cansou-se da adulação ao italiano e anunciou que irá correr pela Ducati na próxima temporada.

Assim eram as circunstâncias quando a MotoGP chegou ao circuito de Jerez, na Espanha para a quarta etapa do campeonato. Rossi disposto a se redimir das últimas fracas atuações. Lorenzo querendo provar – pelo menos na pista – quem é o piloto que merecia ter todas as atenções das pessoas.

Lorenzo dominou os treinos livres até o TL4, que antecede a classificação. Para completar a festa espanhola, Marc Márquez sempre esteve na segunda posição. Embora satisfeito com o seu ritmo, Rossi não parecia ter forças para vencer os rivais em seu próprio território. A sua última vitória em Jerez tinha sido em 2009, sete anos antes.

De uma forma já muito conhecida (e imortalizada pelo saudoso Ayrton Senna), Rossi acertou a volta perfeita apenas com o cronômetro zerado. Com o tempo de 1min38s736, o italiano surpreendia Lorenzo e Márquez de uma vez só, conquistando uma fundamental pole position para comandar a corrida, sem se atrasar atrás de ninguém.

Foi exatamente o que aconteceu. Ao contrário das duas últimas etapas, Rossi caprichou na largada e manteve o pelotão atrás de si. Foi o que bastou para que o italiano aproveitasse o entrosamento perfeito entre o sinuoso traçado de Jerez e a fluidez em curvas de sua amada Yamaha M1 para rechaçar todas as ameaças à sua liderança.

Lorenzo até ensaiou uma ultrapassagem na terceira volta, mas não teve jeito. O espanhol simplesmente não conseguiu acompanhar o ritmo de Rossi. Nem ele, nem Márquez, nem ninguém, diga-se. Foi como se o italiano estivesse novamente em 2005, tempo em que dominava completamente a MotoGP e não havia medalhões da década passada que conseguissem desafiá-lo.

Sem cometer praticamente nenhum erro, Rossi cruzou a linha de chegada com exatos 2s386 de vantagem para Lorenzo. Foi nada menos do a sua 113º vitória no Campeonato Mundial e a 87º apenas na classe principal. Uma performance tão magistral que até o público espanhol se rendeu, concedendo sonoros aplausos em seu retorno aos boxes.

Sim, pode ter sido um desempenho isolado. Sim, pode ser que Rossi não consiga chegar ao seu desejado décimo título, mas, sinceramente o que isso importa? Em certas circunstâncias de nossas vidas, precisamos parar de conjecturar e simplesmente contemplar. E aprender, é claro. Como dizia aquela música, “Ao mestre, com carinho”.

Aqui, no entanto, o mestre é chamado de Doutor.

Até a próxima,
Lucas Carioli

Lucas Carioli
Lucas Carioli
Publicitário de formação, mas jornalista de coração. Sua primeira grande lembrança da F1 é o acidente de Gerhard Berger em Imola 1989.

3 Comments

  1. Mauro Santana disse:

    Corridaça do Doctor!

    Torço bastante pra que ele consiga manter um ritmo forte o campeonato inteiro, e claro, conquiste o seu décimo caneco.

    Pra mim, no esporte a motor, Rossi é o maior ídolo na atualidade à tempos.

    Obrigado VR46!!!

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Fernando Marques disse:

      Mauro,

      assino embaixo … no esporte motor não tem ninguém como Valentino Rossi …

      Fernando Marques

  2. Fernando Marques disse:

    Lucas,

    perfeito seu raciocínio.
    aaEu não tenho podido ver as corridas da Moto GP, estou temporariamente sem TV a cabo mas os resultados e noticias sobre as corridas e a temporada 2016 estou totalmente ligado.
    O inicio da temporada do V. Rossi não foi assim dizendo dos melhores. Na Argentina ele herdou de presente o 2ª lugar no pódio graças a uma lambança da dupla da Ducatti. Não é uma conquista que sempre esperamos ver dele.
    Mas em Jerez ele foi imbatível. Ele foi o que sempre foi. O verdadeiro Valentino Rossi. Uma vitória que com certeza teve até um gostinho de vingança contra o trio espanhol que foram extremamente covardes no ultimo GP da temporada passada.
    Pode ter sido um desempenho isolado. Vou torcer como nunca que não. Ele tem uma moto vencedora nas mãos. Lorenzo, Marc Marquez e D. Pedrosa também possuem. Mas acredito que ele pode fazer a diferença. Gosto muito e não duvido que minha torcida depois de 2018 venha a ser toda para o Marc Marquez mas enquanto o valentino Rossi estiver nas pistas a minha torcida será dele.

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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