Os negócios de Bernie

GEORGE HARRISON
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Sucesso e Fracasso
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Panda

Antes de mais nada: as ilustrações desta coluna são reproduções de pinturas de Michael Turner, que se dedicou a recriar nas telas algumas das mais belas imagens do automobilismo mundial. Quem quiser conhecer mais sobre o trabalho de Michael, pode visitar o site www.studio88.co.uk.

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Não te parece estranha esta história toda da venda da Slec, a empresa que Bernie Ecclestone criou para gerenciar os direitos comerciais da Fórmula 1?

Como é que um cara tão esperto como ele pode se enganar na escolha do comprador da empresa que leva o nome da mulher, Slavica Ecclestone, e resume trinta anos de trabalho pela glória e riqueza própria e da Fórmula 1?

Relembrando: primeiro, Bernie lutou por alguns anos tentando abrir o capital da empresa em bolsa de valores. A coisa não rolou. Aí, ele lançou debêntures no valor de US$ 2 bilhões ou mais, como antecipação de lucros futuros. A seguir, negociou 50% da empresa com bancos de investimento americanos que, semanas mais tarde, repassaram as ações para uma empresa alemão com interesses na área de mídia e licenciamento, a EM-TV.

Seis meses depois, a EM-TV simplesmente diz não ter meios para honrar o negócio e repassa as ações da Slec para um gigante da mídia mundial, o alemão Leo Kirch, que logo a seguir compra mais ações da empresa, chegando a 75% – os outros 25% continuam nas mãos da família de Bernie.

O que faz a Slec? A Fia e as equipes de Fórmula 1 concederam a ela poderes exclusivos para vender os direitos de transmissão de TV das provas e também negociar com os promotores das provas, organizar serviços auxiliares, como transporte, buffet, hospitalities centers, etc., desenvolver merchandising e licenciamento e outras iniciais comerciais.

Em troca, a Slec pagou à Fia US$ 360 milhões por cem anos (isso mesmo) de concessão destes direitos e reparte o que amealha nas negociações comerciais com as equipes, segundos critérios guardados a sete chaves e fixados pelo Pacto da Concórdia.

Ron Dennis disse recentemente que os direitos de transmissão respondem por algo entre 12% e 15% das receitas das equipes. A tomar como verdadeira a informação da revista F1 Magazine, que publiquei numa resposta ao leitor Júlio César Mattos, isso significa uns US$ 40 milhões ao ano apenas para a McLaren. Ao todo, a receita proveniente dos direitos de TV renderia às equipes de Fórmula 1 em torno de US$ 260 milhões por ano.

O resto da história, você sabe: assim que Leo Kirch botou a Slec no bolso, os fabricantes de motores se organizaram e protestaram contra o que consideram uma invasão dos seus interesses.

Mercedes-Benz, Fiat, Ford, BMW e Renault (Honda e Toyota, até agora, ficaram de fora), que arcam com o custo mais pesado da categoria sem, ao que eu saiba, ter alguma participação direta nas receitas da Fórmula 1, acham que está tudo bem terem seus interesses comerciais representados por Bernie mas não querem nem saber da hipótese de entregá-los para alguém que chegou ontem na categoria e, ainda por cima, avisa que pretende transmitir as corridas apenas pelo sistema pay-per-view. Os presidentes da Mercedes e Renault falaram literalmente: enquanto Bernie quiser, ele tem a nossa confiança. Quando ele não quiser ou puder trabalhar, queremos controlar nosso próprio negócio. E ameaçam com a criação de uma categoria rival, que seria disputada a partir de 2008, quando o contrato que junta todas as pontas comerciais e esportivas da Fórmula 1, o tal Pacto da Concórdia, termina.

A pressão dos fabricantes é natural. O desenvolvimento de motores é uma brincadeira cara, muito cara. Os fabricantes o fazem em troca de exposição de marca, ações promocionais, publicidade do mais alto nível. Mas os fabricantes também têm de se defrontar com um mercado mundial cada vez mais competitivo, onde as margens de lucro são mais e mais apertadas.

É de se entender que eles queiram pôr a mão em algum dinheiro, minorar custos, aliviar a pressão sobre as vendas, da mesma forma que querem preservar a modalidade comercial que rende mais dinheiro – a venda dos direitos de transmissão para TV aberta – e lhes garante mais exposição junto aos 300 ou 350 milhões de telespectadores que assistem aos GPs.

Aliás, quem conhece um pouco de mídia e negócios sabe que a idéia de fechar o sinal das corridas é um enorme tiro no escuro. Eu, você e os leitores do GPTotal certamente pagaríamos para assistir às corridas – se tivéssemos TV a cabo em casa. Mas e o resto do mundo?

E toda esta confusão foi armada apenas porque Bernie errou a mão ao negociar a sua empresa.

Ficam as perguntas: por que a Fia e as equipes deram a Bernie tamanho poder, considerando a sua idade (ele já tem 70 anos e anuncia sua disposição de vender a empresa há cinco)? Por que Bernie vendeu a Slec para uma empresa que não tinha cacife para pagar por ela? Quais são exatamente os interesse de Leo Kirch nesta história? Por que os fabricantes não compraram a Slec de uma vez?

Como convém a Bernie, há mistérios e teorias conspiratórias para todos os lados, como num romance de John le Carré.

Grande abraço e boa semana

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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