Gilles Villeneuve

Revolução já!
07/11/2001
VILLENEUVE FOI UM DOS GRANDES
12/11/2001

Panda

A verdade, a pura verdade, é que nunca compartilhei o seu entusiasmo pelo Gilles Villeneuve.

Claro que me diverti vendo o pequeno canadense correndo naquele Ferrari enorme – parecia uma criança ao lado do carrão do pai -, curtindo suas incríveis aventuras pelas pistas, geralmente largando pedaços do seu carro pelo caminho ou os arrancando dos carros de outros pilotos.

Aquela corrida em Zandvoort/79, por exemplo, onde ele:

 

 

1 – larga em 6º e passa em 2º na primeira volta,
2 – ultrapassa o líder, Alan Jones, por fora na Curva Tarzan,
3 – acaba impiedosamente com os pneus do seu carro,
4 – roda e perde a liderança para Jones,
5 – vê um pneu traseiro furar e perder pressão gradualmente,
6 – prefere continuar na corrida e perde a entrada dos boxes,
7 – chega em alta velocidade à Tarzan e percebe que o pneu perdeu todo o ar,
8 – para não bater, freia selvagemente o Ferrari e, no último instante, o faz rodar, de forma a perder mais velocidade,
9 – deixa o motor morrer mas consegue fazê-lo funcionar no tranco, deixando o carro rodar em marcha ré pela pista.

Bom. É aqui que começa a nossa história.

O pneu está furado e nem Gilles é capaz de correr com um pneu furado. No caminho até os boxes, ele não pensa em nada melhor para fazer do que pisar fundo, destruindo seguidamente o pneu, a roda, a suspensão traseira e o fundo do carro. Chega aos boxes pilotando de pé e olhando para trás com um ar meio estúpido como se pensasse: mas como foi acontecer isso? Eu estava pilotando com tanto cuidado…

Nas arquibancadas e no resto do mundo, o público vibrou mas, eu pergunto: o que Gilles fez exatamente? Demoliu um carro? Perdeu uma corrida? (é verdade que ele dificilmente se recuperaria depois do tempo perdido pelo pneu furado. Mas isso é desculpa para destruir o carro?)

Para mim, toda aquela exuberância, toda a força selvagem da condução de Gilles sugeria mais um desperdício extraordinário de talento, quem sabe o impulso destrutivo de uma adolescência mal resolvida, do que as qualidade de um piloto excepcional que ele certamente era. Gilles talvez precisasse de um chefe de equipe mais rígido, alguém que estivesse mais interessado em vencer corridas de forma mais consistente do que Enzo Ferrari.

O velho queria mesmo embalar o prestígio da própria marca. As vitórias nos Grandes Prêmios e campeonatos lhe interessavam, é claro, mas ele podia passar sem elas desde que a fama e o mito em torno da sua equipe – e os rendimentos auferidos a partir deste prestígio – continuassem onde desejava. Gilles era o piloto perfeito para a Ferrari. Não contestava o mito mas lhe “agregava valor”, digamos assim.

Gilles despertava – ainda desperta – a paixão da massa ferrarista, levando-a à loucura, mesmo vencendo pouco, quebrando muito, destruindo muitos carros e, sim senhor, baixando a cabeça para os seus companheiros de equipe mais velhos (considere como uma indireta àqueles que reclamam do comportamento de Rubinho frente a Schumacher).

A carreira de Gilles na Fórmula 1 começa em 77, quando faz uma corrida pela McLaren (a lenda diz que James Hunt o viu correr no Canadá e ficou de tal forma impressionado que não descansou enquanto não conseguiu um teste para Gilles na Fórmula 1). Não lembro especificamente da corrida mas foi o bastante para que a Ferrari o contratasse para as duas corridas finais do ano, no Canadá e Japão. Nesta última, Gilles envolve-se num acidente com Ronnie Peterson, sai da pista e acaba atingindo dois espectadores, que morrem no acidente.

Disputa pela Ferrari as temporada de 78, 79, 80 e 81, vencendo seis corridas. Em 82, morre durante os treinos para o GP da Bélgica, após bater no carro de Jochen Mass, que andava pela pista em baixa velocidade. Reproduzo, a partir daqui, trecho do meu livro:

“Villeneuve não tem tempo de frear. Seu arrojo e as próprias condições do traçado não lhe dão muita escolha: ele joga o Ferrari para a esquerda, tentando desviar sem diminuir a velocidade. Mas o espaço é muito curto e ele toca suas rodas no carro de Mass.

A capotagem que se segue é espetacular.

Quando o carro cai de volta na pista, despedaçado como se fosse feito de isopor, o cinto de segurança de desprende do chassi e Villeneuve, como um boneco de pano, sai girando no espaço até cair de encontro a uma tela de proteção, ferindo horrivelmente a cabeça e quebrando o pescoço. Algumas horas mais tarde é declarado morto.

Era como a história do escorpião e o sapo. Sua mulher não se surpreende:
_ Eu esperava por isso há sete ano – disse ao chegar ao hospital.”

Quarta-feira próxima, continuo falando de Gilles

Bom final de semana

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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