Caros leitores,
Antes de tudo, um esclarecimento. Nesta semana e nas próximas três, o site será “pilotado” exclusivamente por mim. O Edu, estressado, resolveu tirar férias e foi acampar em local incerto e não sabido. Tenho uma leve desconfiança de que ele foi para Sumatra, na Indonésia, tentar se desligar das atribulações do mundo moderno. Bom retiro, companheiro…
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Estive em Interlagos no final de semana passado para cobrir a Mil Milhas Brasileiras. Como sempre acontece nessa prova, vários pilotos aposentados tiraram o macacão e o capacete do armário para reviver as emoções dos tempos de pista.
Um deles foi o paulista Eduardo Celidônio. Muitos de vocês talvez não o conheçam. Ele venceu a Mil Milhas de 1966 (pilotando uma carretera Chevrolet Corvette em dupla com Camilo Christófaro) depois de ultrapassar na última volta um piloto muito jovem e bastante promissor chamado Emerson Fittipaldi, que corria com um DKW Malzoni tendo Jan Balder como parceiro. Essa Mil Milhas é considerada até hoje uma das melhores já disputadas. Camilo, um dos ídolos do automobilismo brasileiro na época, era o mais velho dos quatro: tinha uns 37 anos. Celidônio tinha 23, Emerson ia fazer 20 naquele ano e Balder estava entre os dois.
A carreira de Emerson dispensa explicações. Camilo correu pela última vez em 1989 e morreu em 1995. Balder atuou durante muitos anos no Brasil e fez algumas corridas no exterior – inclusive de F 3 na Inglaterra, em 1974. Celidônio nunca correu fora do País, mas esteve perto de ser, pela ordem cronológica, o 11º brasileiro a correr na Fórmula 1, em 1977.
Sua história (devidamente acompanhada pelos jornais brasileiros da época e por revistas como a Autosport inglesa) ilustra como era a F 1 naqueles tempos. Entre 1966 e 1976, Celidônio correu com carros como o Snobs-Corvair (um protótipo projetado em 1970 por Ricardo Divila) e na Fórmula Super-Vê (foi vice-campeão em 1975). Em 1977, conseguiu do Grupo Pecúnia e de outras empresas uma verba suficiente para alugar um F 1 para disputar o GP do Brasil. “Como era em Interlagos, uma pista que eu conhecia como a palma da mão, meu único problema seria a adaptação ao carro”, conta Celidônio. Para quem está estranhando, cabe uma explicação: naquela época, era comum as equipes alugarem carros reserva ou venderem modelos de anos anteriores para pilotos locais usarem em seus próprios países. A África do Sul, por exemplo, tinha um campeonato nacional disputado com carros de F 1.
No caso de Celidônio, a “verba suficiente” eram US$ 50.000 ou US$ 60.000. Ele tinha duas opções. Uma era a Surtees, mas esta ficou sem carro reserva depois que um de seus pilotos, o austríaco Hans Binder, bateu na corrida anterior, disputada duas semanas antes na Argentina. Restou a Shadow, que tinha trazido para o Brasil exatamente três carros (o reserva e os dos pilotos titulares, Tom Pryce e Renzo Zorzi) e três motores (um para cada carro). Don Nichols e Jackie Oliver, respectivamente dono e diretor da Shadow, alugaram o carro reserva para Celidônio, mas avisaram que o brasileiro só guiaria se nada de errado acontecesse com os carros dos pilotos titulares até o último treino antes da classificação de sábado. Em outras palavras: Celidônio, na melhor das hipóteses, só entraria na pista para fazer um treino classificatório, o warm up e a corrida. Na época, largavam os 24 primeiros colocados nos treinos e não havia limite mínimo de tempo para largar – ou melhor, havia, mas a regra nunca era aplicada. Como apenas 22 pilotos estavam inscritos – Celidônio seria o 23º -, bastaria treinar para garantir lugar no grid.
Tudo acertado com a Shadow, começou outra batalha: conseguir autorização da FIA para participar da prova (não, na época ainda não havia superlicença). Foi necessário reunir às pressas e mostrar aos representantes da entidade uma vasta documentação, inclusive a foto de Celidônio e Emerson no pódio da Mil Milhas de 1966. Bernie Ecclestone, então dono da Brabham e já homem forte da F 1, ouviu as ponderações de Emerson e de José Carlos Pace e deu uma força para que a FIA aceitasse a inscrição de Celidônio.
No fim, tudo se resolveu. Celidônio acertou a posição de banco e pedais no cockpit do Shadow reserva (que já tinha até número designado para a corrida: 33) e ficou rezando para que nada de errado acontecesse com Pryce e Zorzi. Não adiantou. Na sexta-feira, o motor de Pryce (ou de Zorzi, não importa a esta altura) quebrou, sem possibilidade de conserto. Foi necessário recorrer ao que seria instalado no carro reserva. Desolado, Celidônio recebeu de volta o dinheiro que havia entregue a Nichols e Oliver. “Foi uma pena. Minha única pretensão era terminar a corrida. Se conseguisse, terminaria em 8º lugar, porque houve muitos abandonos e só sete carros chegaram ao fim…”, calcula.
Celidônio não teve outra oportunidade de sentar em um F 1. Dali em diante, correu de maneira esporádica até 1984 e só voltou às pistas este ano, a convite do amigo Gilberto Lima, para a Mil Milhas – abandonou de madrugada por quebra do câmbio de seu Voyage. “Foi divertido guiar aqui à noite. Eu nunca havia pilotado neste traçado”, conta. Depois da corrida, passou alguns dias em São Paulo antes de voltar a Maringá, no Paraná, onde mora já há alguns anos.
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Já que falei da Mil Milhas 2003: foi uma bela corrida, principalmente nas quatro primeiras horas. Os Porsche 911 GT3 de Ingo Hoffmann/Xandy Negrão/Ricardo Etchenique e Paulo Bonifácio/Raul Boesel/Ricardo Maurício disputaram a liderança de maneira acirrada, como se estivessem em uma corrida de curta duração. A briga só terminou quando o carro de Boni/Boesel/Maurício perdeu 10 minutos nos boxes para trocar o macaco hidráulico que fica dentro do carro. Terminaram em 3º lugar, atrás de um protótipo ANR-Opel construído em Brasília e pilotado por Vítor Meira/Rogério Vilas Boas/José Alexandre Rodrigues/Antônio Vilas Boas.
Abraços a todos,
LAP