Os títulos perdidos do Brasil

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
25/04/2003
“HISTÓRIAS DE BARCELONA”
29/04/2003

— Água, água para o velho.

Quem pede é Ingo Hoffmann, entrando na sala de imprensa, o macacão encharcado de suor e champagne, depois de chegar em 2º na etapa de ontem da Stock Cars, em Interlagos. A temperatura no interior daqueles carrinhos, dizem, chega a 60 graus e o estado geral de Ingo, David Muffato, o brilhante vencedor da corrida, e Carlão Alves, o 3º colocado (mais tarde penalizado), demonstra o que isso mais o esforço de pilotar podem fazer ao corpo humano.

A água chega e quando a coletiva começa Ingo e seus companheiros já estão recompostos, fazendo piadas, provocando-se e até elogiando adversários. Não lembro quando assisti Ingo vencer em Interlagos pela primeira vez mas foi lá por 72, 73. Fico quase 30 anos sem ir a Interlagos, a não ser para ver Fórmula 1, e ele continua andando na frente. Nada mal para um velhinho de 50 anos que, como demonstrou ontem, ainda tem muita lenha para queimar.

+++

Já tinha ouvido falar muito bem da organização das provas de Stock Cars. Ontem, in loco, constatei: é tudo verdade. E a categoria é interessante, com os carros andando juntos nas primeiras voltas, meia dúzia deles mergulhando ao mesmo tempo em direção ao S do Senna. Chegar e sair de Interlagos continua penoso, transitar pela zona sul envergonha qualquer paulistana mas o espetáculo vale a pena.

+++

Quem acompanha meus resmungos aqui nesta coluna sabe do “carinho” que nutro pela imprensa especializada inglesas, aquele bando de tias velhas torcendo o nariz para os nossos pilotos. Mas de vez em quando eles até que acertam reportagens bem sacadas, principalmente o pessoal da Motorsport, que se ocupa do resgate da história do automobilismo.

Na edição de março, a revista produziu reportagem intitulada “Campeões sem coroa”, lembrando seis pilotos que poderiam ter ganhado o título mundial mas que tiveram de se contentar com aquilo que a Luzia ganhou atrás da horta. São eles: Tony Brooks em 59, Chris Amon em 68, Jacky Ickx em 70, Ronnie Peterson em 73, Carlos Reutemann em 81 e John Watson em 82.

A seleção dos “sem coroa” tem lá a sua dose de patriotada. Por isso, me sinto à vontade para fazer minha própria patriotada e falar dos títulos perdidos pelo Brasil na Fórmula 1. Foram quatro, sem exagero: Emerson em 73, Piquet em 80 e 86 e Senna em 89.

Em 73, depois de um começo arrasador (três vitórias, um 2º e dois 3ºs em seis corridas), Emerson tem um meio de temporada horrível, marcando apenas um ponto em seis corridas. Bastava ele ter vencido duas das seis corridas perdidas – França e Áustria, por exemplo – para tomar o título de Stewart.

Piquet, em 80, “só” perdeu o título porque foi jogado para fora da pista por Alan Jones no GP do Canadá. Em 86, a coisa foi pior e o título só dançou porque Alain Prost teve um pneu furado no começo do GP da Austrália (me lembre de contar esta história dia desses).

Quanto a Senna, a perda do título de 89 (acompanhe esta emocionante história no Pergunte ao GPTotal que esta no ar continuando amanhã), foi uma combinação de grande azar do brasileiro, escrotidão de Prost e robalheira pura e simples da Fisa.

Falei de quatro títulos perdidos sem exagero. E com exagero?

Bom, aí poderíamos sonhar com mais um título de Emerson caso ele não tivesse embarcado na aventura Copersucar e ficado na McLaren ou ido para a Ferrari, substituindo Lauda na temporada de 78. Poderíamos sonhar também com mais um título para Piquet, talvez em 85, quando a temporada do brasileiro foi detonada pela iniciativa de Bernie Ecclestone em usar pneus Pirelli. E poderíamos sonhar com mais um título para Senna, quem sabe em 93, caso ele tivesse conseguido ir para a Williams, quem sabe em 94, se não tivessem soldado aquela barra de direção com a proficiência de um funileiro de esquina.

Temos oito títulos, mais os quatro perdidos “sem exagero” e mais uns dois, digamos, da série “sonhar não custa nada” e o Brasil passaria a Inglaterra/Escócia em títulos mundiais. Queria ver a cara das tias da imprensa inglesa…

+++

Estava devendo aos leitores do GPTotal crítica de “Uma Vida em Alta Velocidade”, a biografia de Emerson Fittipaldi, recém lançada pela Editora Objetiva e que já foi alvo de vários comentários de leitores aqui do site.

A impressão mais forte que o livro me deixou foi que, lê-lo, é exatamente como bater um papo com Emerson Fittipaldi, um longo e gostoso papo onde o nosso tetracampeão (duas F1 e duas Indy) relembra suas corridas de moto escondido do pai e da mãe, sua incrível determinação para o trabalho – aos 15 ou 16 anos ele já fabricava volantes que se tornaram um must na inocente São Paulo dos anos 60 – e sua extraordinária coragem em deixar para trás todo o conforto que gozava por aqui e se aventurar na Inglaterra, em busca de um sonho que ele mal conseguia delinear.

Sim porque naquela altura – estamos falando de 67, 68 -, as notícias do automobilismo mundial chegavam em conta-gotas pelas revistas mensais autoesporte e Quatro Rodas. Você só ficava sabendo quem venceu o Mundial de Pilotos um mês ou mais depois de encerrado o Campeonato. Eu, por exemplo, só soube que Graham Hill havia vencido o GP do México e batido Jackie Stewart na corrida pelo título de 68 quando comprei a edição de Quatro Rodas, um mês e tanto depois da corrida.

O que quero dizer é que Emerson devia ter acesso limitadíssimo à realidade do automobilismo mundial. Ele não poderia avaliar com exatidão o nível da concorrência, quanto gastaria, a quem poderia recorrer etc.

Mesmo assim ele foi em frente. Trabalhou como mecânico numa oficina de preparação de motores, virando noites, teve muita sorte em acertar rápido seu carro de Fórmula Ford e, meses depois, perceber que era hora de trocá-lo por um Fórmula 3. Daí à Fórmula 1 foi um salto. Seu talento para pilotar rápido brilhava no escuro a ponto de ter chamado a atenção de Colin Chapman, uma lenda viva do automobilismo, que imediatamente o convocou para a Lotus. O resto é história.

+++

O livro de Emerson não é especialmente rico em novidades e ele esqueceu ou “esqueceu” histórias interessantes como a do Porsche recém comprado por Wilsinho que detonou contra um poste durante “uma voltinha”.

É que Emerson, assim como Piquet e ao contrário de Senna, não é propriamente um cultor da memória. Emerson costuma trocar datas, confundir corridas – ele alude, por exemplo, a um episódio passado no GP do México de 71, ano em que a corrida simplesmente não rolou.

Você e nossos leitores certamente se divertirão achando e reparando pequenos equívocos como este mas que de forma alguma empanam o brilho do livro de Emerson, a quem devemos reverência, respeito e carinho.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *