“Um vice que é campeão” A sina do americano Randy Mamola, quatro vezes vice campeão do mundo

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Geraldo Tite Simões

A história do mundial de motovelocidade se divide em duas fases bem distintas: antes e depois de os americanos invadirem a categoria. Começou com Kenny Roberts, em 1978, e continua até hoje com Nick Hayden. Eles introduziram uma técnica de pilotagem tão diferente que mudou todo o conceito sobre motos de corrida e instituíram a derrapagem controlada, herança das provas americanas de dirt track.

Os principais representantes desta linhagem de americanos voadores foram Kenny Roberts, Freddie Spencer, Wayne Rainey, Randy Mamola, Kevin Schwantz e John Kocinski. De todos estes citados apenas um não foi campeão mundial: Randy Mamola. Ironicamente, justamente ele é o mais querido do público e continua em atividade até hoje, aos 43 anos de idade.

Mamola apareceu no cenário mundial em 1979 correndo de Yamaha 250, logo após sagrar-se campeão americano de 250. No mesmo ano disputou provas de 500, também de Yamaha, conseguindo a façanha de correr nas duas categorias, feito que seria repetido com mais sucesso por Fred Spencer em 1985. No GP da França de 1979 Mamola terminaria em segundo na 500 e em quarto na 250, mostrando ao mundo que, aos 20 anos de idade estava pronto para vôos mais altos.

E para quem gosta de estatísticas, aqui vai uma interessante: em seu primeiro ano de mundial, Mamola terminou a categoria 250 em quarto lugar, apenas três pontos atrás de um italiano chamado Gaziano Rossi, pai do Valentino.
Bastou uma temporada para Mamola mostrar talento e no ano seguinte – correndo de Suzuki – já disputou palmo a palmo o título mundial de 500 contra Kenny Roberts. A primeira das 13 vitórias viria no GP da Bélgica. Ele seria vice-campeão em 1980, 81, 84 e 87, abandonando o mundial em 1991 e voltando para mais uma temporada em 1992.

Bom, o resto são números e estatísticas chatas, que qualquer site daInternet pode fornecer em vários idiomas. O mais legal deste americano é a forma de pilotar que o caracterizou e até influenciou uma geração inteira, incluindo Michael Doohan. Mamola vinha dos Estados Unidos, país que tem tradição de pilotos versáteis. Foram eles que inventaram uma espécie de ranking chamado Number One. Para conquistar a placa número um o piloto deveria participar de três modalidades diferentes: velocidade, dirt track (circuitos ovais de terra) e uma terceira disputada em circuitos mistos que misturavam trechos de terra e asfalto, categoria hoje conhecida como Supermotard.

Agora, imagine o nível de habilidade de um piloto que conseguisse ser o melhor nestes três tipos de provas. Desta mistura de categorias o piloto acabava desenvolvendo uma capacidade natural de derrapar e não se estabacar. A trajetória em curvas é totalmente diferente e o piloto usa o freio traseiro para se aproximar da curva derrapando, reduzindo marchas, acelerando e se mantendo vivo. Tudo isso a 200 km/h.

Kenny Roberts foi o primeiro americano a se mandar para a Europa e ganhou três títulos mundiais, usando este estilo para mostrar aos outros que era barbada. Mamola foi o segundo e ele adotou um estilo totalmente radical de pilotagem, tirando boa parte do corpo para fora da moto a ponto de o pé externo da curva sair da pedaleira. Ele quase encostava o cotovelo no chão.
Esta técnica consiste em transferir o máximo possível de massa para a pedaleira interna da curva. Como a pedaleira interna está mais próxima do solo, ao jogar o peso em cima dela o piloto acaba deslocando o centro de gravidade mais para baixo, melhorando e efeito de pêndulo da moto.

Eu sei que isso é um saco de explicar em palavras, mas basta lembrar daquele brinquedo chamado joão bobo. Nada mais é do que um boneco de plástico com areia colocada no fundo. A gente empurra e ele volta para a posição original. Isto porque o centro de gravidade está todo deslocado bem abaixo.

Papo chato. Vou voltar ao Mamola que não tinha nada de bobo, mas faltou aquela pequena sorte que acompanha os grandes campeões. Kevin Schwantz venceu 25 vezes mas foi campeão apenas uma vez. Já Wayne Rainey venceu 24 vezes e foi campeão três anos seguidos.

No GP Brasil, em 1987, em Goiânia, eu era o assessor de imprensa. A Rede Globo mostrava flashes do mundial de 500 para esquentar o público e adotou Randy Mamola como ídolo por causa das derrapagens e uma cena histórica onde ele chacoalhou em cima da moto por uns 200 metros e não caiu. Daí meteram nele o apelido ridículo de “cowboy do asfalto”.

Quando chegou ao Brasil, Mamola viveu dias de ídolo. Perguntei o que ele achava daquilo tudo. Ele respondeu com um forte sotaque de caipira americano que sentia-se muito feliz e assustado, porque ele mal podia aparecer no saguão do hotel e chovia gente em cima dele. “E eu nem sou bonito”, brincou.

Em 1988 ele foi para a Cagiva iniciar o desafio de desenvolver uma moto totalmente nova para o mundial. Posso admitir que foi a escolha errada porque Mamola nunca teve saco para acertar moto, imagine para desenvolver. A vantagem dele foi ter defendido três marcas diferentes: Suzuki, Yamaha e Honda, o que dava um bom feeling para dizer o que estava certo ou errado numa moto. Em 1991 Eddie Lawson foi para a Cagiva e aí sim, arrumou a casa, mas a marca não durou muito, abandonando a categoria em 1996.

Depois de deixar o mundial, Mamola dedicou-se à vida de comentarista de TV e criou uma moto de dois lugares para levar alguns VIPs para correr nas pistas do mundial. Confesso que jamais teria coragem de fazer isso.

Hoje, aos 43 anos, ele é comentarista, organiza e corre na BMW Cup, com motos de 1100cc, além de fazer testes para a revista espanhola Motociclismo. Acredito que o que mantém Mamola ativo foi justamente a falta do título mundial. Seus colegas estão curtindo as aposentadorias em atividades mais tranquilas, como dar aulas de pilotagem a motociclistas endinheirados, ou pobres, mas sortudos como eu, que me formei na Freddie´s Spencer High Performance Riding School, de Las Vegas.

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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