FALTA APENAS ERGUER A TAÇA

WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
26/09/2003
Indy on my mind
01/10/2003

Edu,

Vimos hoje uma das corridas mais brilhantes de um dos melhores pilotos de todos os tempos.

Não foi à toa que Michael Schumacher vibrou tanto após receber a bandeirada e inaugurou uma maneira de comemorar as grandes vitórias (subir em seu carro para saudar a torcida). Com uma atuação maiúscula, mostrou por que tem 70 vitórias e cinco títulos mundiais.Alguns já consideram certo o sexto título, mas eu prefiro esperar até Suzuka para escrever isso.

Na minha humilde opinião, Schumacher venceu a corrida na largada. Chegar à primeira curva em quarto depois de sair em sétimo já estava bom demais. Estar à frente de Montoya certamente fortaleceu seu espírito de luta – que não arrefeceu nem mesmo quando começou a chover e seus pneus Bridgestone de pista seca provocaram uma brusca queda de rendimento. Naquele momento, tudo parecia perdido.

Mas não estava. Mesmo perdendo muito tempo com a decisão errada da Ferrari de colocar pneus para pista seca na primeira parada (o que motivou novo pit stop na volta seguinte, para colocar pneus adequados à pista molhada), Schumacher acreditou em si o tempo todo. Lutou, foi rápido, não se intimidou nem tremeu diante da possibilidade de uma disputa mais apertada prejudicar sua busca pelo título.

Schumacher venceu com méritos uma das corridas mais difíceis de sua vida. Sua 70ª vitória na F 1, 19 a mais que o recordista anterior, Alain Prost. Como bem disse Odinei Edson, locutor da rádio Bandeirantes, “está com as duas mãos na taça. Só lhe falta receber permissão para erguê-la”.

+++

Räikkönen, apesar de não ter vencido, fez uma corrida à altura daquilo que se espera de um piloto que luta por um título mundial. Liderou enquanto teve carro para isso e pilotou para assegurar a melhor posição possível diante das circunstâncias. Chega a Suzuka com uma remota chance de ser campeão mas seu valor já está mostrado, independente da posição em que ele terminar na tabela. Com habilidade e sensatez, manteve a McLaren em um nível que nem Ron Dennis se atreveria a prever no começo da temporada.

+++

A eficiência dos pneus Bridgestone de pista molhada ficou patente. Foi por causa deles que as BAR e Sauber tiveram tão bom desempenho enquanto a pista estava molhada. Schumacher aproveitou muito bem essa eficiência para abrir sólida distância na pista úmida. Mas penou naquelas voltas em que todos andavam com pneus de pista seca no molhado.

Você reparou que havia uma marca preta na lateral esquerda de Schumacher? Não consegui descobrir se foi algum toque na largada ou se houve alguma batida de rodas no momento em que ele caiu para o 6º lugar. Quem souber o que houve, por favor informe.

+++

E Montoya? Da corrida de hoje, nem preciso tecer maiores comentários. Ser eliminado da corrida pelo título foi apenas justiça feita diante de uma atuação esportivamente tão lamentável.

Mas o colombiano saiu da minha lista de pilotos preferidos na semana passada, quando li um relato bastante revelador que o Flávio Gomes, nosso parceiro do www.grandepremio.com.br, fez em uma de suas últimas colunas. Após o GP da Itália, Montoya reclamou dos retardatários e, ao mencionar Zsolt Baumgartner, simplesmente não disse seu nome nem sobrenome alegando que “era muito complicado”. Uma total falta de respeito com um colega de pista, e que mostra o quanto Montoya ainda precisa aprender a ser gente.

Na mesma coluna, Flávio relatou uma história contada por Ricardo Rosset a Reginaldo Leme: “Quando estreei na F 1, o único piloto que veio conversar e querer saber se eu precisava de alguma coisa foi Schumacher. O Damon Hill, por exemplo, nunca me dirigiu a palavra”.

+++

Rubens Barrichello deu em Indianapolis mais uma amostra de sua imaturidade emocional, que parece vir piorando com o tempo.

Depois de abandonar após ser jogado para fora da pista por Montoya, o brasileiro chegou aos boxes da Ferrari e teve uma conversa com a equipe. Ao sair, atendeu aos jornalistas brasileiros. De João Pedro Paes Leme, da Rede Globo, ouviu uma pergunta nos seguintes termos: “Você tirou o pé na largada para Schumacher te passar?”. O brasileiro respondeu com algum bom humor (deu para ouvir pelo áudio da Rádio Bandeirantes, por onde eu acompanhava a corrida).

Logo em seguida, o repórter Fábio Seixas, que trabalha para a RB e para o jornal Folha de S. Paulo, perguntou a Barrichello: “Ficou alguma bronca com o Montoya?”. O piloto simplesmente não respondeu e saiu andando.

Quando a corrida se aproximava do final, Seixas relatou que depois havia cruzado com Barrichello pelo paddock e ouvido uma impressionante seleção de baixarias. “Respondi que não ia descer ao nível dele”, contou no ar.

Ao contrário do que o público pode pensar, isto não é fato isolado. Barrichello é assim mesmo, malcriado e propenso a descontar seus recalques em quem não tem nada a ver com isso. Eu mesmo vi e vivi algumas de suas manifestações quando cobria GPs ao vivo. Outras foram relatadas por amigos e colegas. Uma delas: em um recente GP do Brasil, Barrichello dirigiu-se ao ambulatório de Interlagos para fazer uma consulta rápida qualquer. Havia ali um fotógrafo de plantão, contratado pelo hospital responsável para registrar o atendimento aos pilotos. Barrichello sentou-se em uma cadeira e, ao ver o fotógrafo apontar a máquina, chutou a porta da sala onde estava, fechando-a com violência enquanto berrava: “Não autorizei ninguém a me fotografar!”

Isto não é caso isolado. Ayrton Senna também dava suas patadas nos jornalistas e em seus próprios companheiros de trabalho. Em 1992, chegou a berrar um “cala a boca!” ao colega Cândido Garcia, que estava apenas encerrando a gravação de um boletim dizendo algo como “estas foram as palavras de Ayrton Senna”. Em 1985, após ter o motor do carro quebrado nas últimas voltas do GP da Inglaterra, berrou com um técnico da Renault: “Eu não sei se você é o responsável por isto, mas se eu descobrir que foi eu vou botar a boca no mundo!”.

Não sou do tipo que julga pilotos pelo comportamento pessoal. Pelo contrário: li, vi e ouvi “boas” histórias de colegas que sofreram para trabalhar junto a Nelson Piquet, e nem por isso deixo de ter minha preferência por ele. Mas Piquet tem uma diferença fundamental em relação a Barrichello e Senna: ele nunca teve a menor pretensão de posar de bonzinho na mídia nem de ser exemplo para alguém. Era autêntico, sabia-se exatamente o que poderia vir pela frente (nem sempre vinha). E era coerente. Não escolhia a dedo os destinatários de sua ironia ou de sua malcriação. Se estivesse mal-humorado ou simplesmente achasse a pergunta estúpida, podia responder “atravessado” tanto para um repórter da Rede Globo quanto para um “foca” (jornalista novato, no jargão das redações) de jornal de bairro. Já os outros dois…

Também não tenho a pretensão de fazer alguém torcer por este ou deixar de torcer por aquele ao relatar estes fatos. Faço-o apenas porque certas coisas precisam ser ditas para que as pessoas tenham uma noção mais próxima da realidade sobre os pilotos e passem a conhecê-los melhor antes de fazer separações maniqueístas como “fulano é santo”, “beltrano é mau caráter” e “sicrano é injustiçado”. Essa maneira simplória de classificar as pessoas pode funcionar com personagens de novelas, mas é caricata quando aplicada à vida real. Pilotos são seres humanos como quaisquer outros: cada um tem suas qualidades e seus defeitos.

+++

Creio que todos os leitores entenderam que os recordes de velocidade informados em minha última coluna referiam-se aos GPs de F 1 disputados de 1950 para cá – ou seja, depois da criação do Campeonato Mundial. Eu tinha grande curiosidade para ter informações dos Grand Prix dos anos 1930, mas pouco tempo para fazer a necessária pesquisa.

Durante a semana, Ricardo Divila me salvou. Recebi dele um e-mail com a informação de que Hermann Lang venceu o GP de Avus (Alemanha) de 1937 a uma média de 261,655 km/h. Ou seja: foi este o GP mais veloz de todos os tempos, superando de longe a marca de 247,543 km/h estabelecida por Schumacher no GP da Itália de 2003 (um de meus livros informa 260,815 km/h, mas isto não faz diferença neste momento).

Surpreendente? Sim e não. Eu sempre soube que os carros de corrida da primeira metade do século 20 já atingiam velocidades finais muito próximas das dos carros de hoje. Os ganhos proporcionados pelos avanços tecnológicos melhoraram muito mais os valores de aceleração, frenagem e contorno de curva que os de velocidade final.
Mesmo assim, não esperava uma média horária tão alta. Mas há uma explicação para a marca de Hermann Lang. O circuito de Avus tinha mais de 19 km de extensão e o formato de um cotonete: duas retas (cada uma com cerca de 9 km de extensão) separadas por uma curva inclinada (a 43 graus!) no setor norte e um hairpin no setor sul. Ou seja: pé embaixo em 99% do circuito. Nenhuma pista de hoje tem algo parecido com isto.
Avus fica em Berlim e recebe corridas até hoje. Mas atualmente tem muito pouco a ver com o circuito de 1937. O trecho sul ficava no território de Berlim Oriental e foi eliminado após 1951. Em 1968, a curva inclinada foi demolida e substituída por uma mais “normal”. Hoje, Avus tem pouco mais de 4 km de extensão. Importante esclarecer: “GP de Avus” não é “GP da Alemanha”, que naquele ano aconteceu no circuito de Nurburgring.

+++

Minha opinião não mudou. O regulamento atual é uma m…rda.

+++

Boa semana a todos,
LAP (ou Luiz Alberto Pandini, para aqueles que não me conhecem)

GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *