A versão da Williams para o acidente de Senna

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O amigo leitor sentiu-se confuso pelas notícias de sábado no www.grandepremio.com.br sobre as causas do acidente de Senna em Imola originadas num programa exibido pelo canal National Geographic?

Perda de downforce? Pneus que se contraíram em 25%? É para se sentir confuso mesmo, inclusive porque trata-se de uma explicação de inglês para italiano ver e que não resiste a uma análise mais rigorosa.

Não resistiu, aliás, à análise da Justiça italiana que, partindo dos exames periciais de um grupo de oito especialistas em engenharia automobilística e metalurgia, provou, sem sombra de dúvidas, que o problema que originou a morte de Ayrton Senna foi o rompimento da barra de direção do Williams no momento em que ingressava na Tamburello.

A tese defendida por National Geographic não é nova. Ela nasceu dentro da Williams apoiando a negação pela equipe da tese do rompimento da barra de direção. Foi divulgada em todo o mundo em meados de fevereiro de 1997, dias antes do anúncio da sentença pela Justiça italiana, a partir de um artigo originalmente preparado para o The Sunday Times pelos jornalistas Tim Rayment e Peter Windsor (que trabalhou na Williams durante o período Mansell). Aqui no Brasil, a íntegra do artigo foi publicada pela revista Istoé de 19 de fevereiro.

A Williams argumenta basicamente que a presença do safety car na pista nas voltas anteriores ao acidente fez com que os pneus Goodyear do Williams de Senna perdessem pressão e que ele, ao desviar do que se supõe ser um diminuto pedaço de carro, sobra do acidente que motivou a entrada do safety car, pegou um pedaço da pista muito ondulado. O carro subiu nas ondulações, perdeu downforce e daí rumou para o muro.

Por que a tese da Williams não mereceu muito crédito?

Porque é fantasiosa demais. Sem entrar no mérito da sua base em Física, prefiro argumentar: por que nenhum outro carro que estava na pista no momento do acidente de Senna (inclusive o Benetton de Schumacher, que estava apenas alguns metros atrás do brasileiro) não padeceu da mesma perda de downforce? Por que isso nunca aconteceu com nenhum outro carro nas dezenas de vezes em que um safety car neutralizou a corrida? E como é que Senna enxergou o diminuto fragmento do carro, estando enterrado até o nariz dentro do Williams, a 320 km/h? (A tese da Williams baseia-se em grande parte numa série de fotos feitas por Paul-Henri Cahier, um dos decanos entre os fotógrafos da Fórmula 1. Nelas, com algum esforço, é possível ver algo num tom levemente azulado, não maior do que cinco centímetros, no trajeto do carro de Senna.)

Tudo seria mais crível se as famosas imagens gravadas de dentro do carro tivessem mostrado algum movimento considerável do volante do Williams.

Mas tudo virou uma palhaçada – desculpe, mas não há outro termo – quando Bernie Ecclestone explicou que o diretor de TV cortou a imagem do carro de Senna no exato momento em que este inflectia para fora da pista. Quem entende um pouquinho só de TV sabe que isso é quase a mesma coisa que cortar a imagem no momento em que Robinho avança em direção ao gol numa final de campeonato. Já naquela altura, todas as câmaras de TV gravavam todas as imagens captadas, de forma a possibilitar os replays.

A explicação de Bernie, mais do que um escárnio e um desrespeito à Justiça e ao público, é uma confissão de culpa. Tivessem sido elas divulgadas, provavelmente veríamos Senna torcendo inutilmente aquele volante soldado pela Williams com a habilidade que se espera do funileiro da esquina.

Boa semana a todos

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

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