Há pouco tempo atrás o leitor Luciano Balarotti, de Curitiba, levantou dados interessantes sobre as corridas que contaram com maior número de pilotos campeões (ou que viriam a ser), e o maior número de títulos. Os resultados mostram que as últimas corridas de 1991 foram especialmente fartas neste sentido.
A explicação para este resultado é muito simples: em 1991, com a estréia de Mika Hakkinen em Phoenix pela Lotus e de Schumacher na Bélgica pela Jordan, a F-1 viveu seus únicos momentos de interseção completa entre a fantástica geração de 1980 e os dois pilotos de maior sucesso na década seguinte.
Aproveitando o espaço que este nosso site dedica aos heróis do passado, peço licença para recordar os feitos dos quatro pilotos responsáveis pela minha paixão por F-1.
Toda transição se dá de forma gradual. No entanto, aqui é possível estipular um intervalo de tempo.
Marco inicial: GP de nº 332 – Long Beach, 1980. Mais do que simplesmente cenário para a 1ª pole position e a 1ª vitória do excepcional Nélson Piquet, este Grande Prêmio marca o fim de uma geração. Se Piquet era o pole, a última fila era composta por Clay Regazzoni e Emerson Fittipaldi, nada menos que os pilotos que decidiram o título de 1974. Lauda havia se aposentado, Rega sofreu naquele dia o acidente que o deixou paralítico e o Rato viveu seu último pódio na categoria. Quis o destino que o grande Fittipaldi estivesse ao lado de Nélson em sua primeira vitória, assim como fez com Pace, no Brasil em 1975. Era o fim da geração de 1970, e o início de uma nova era.
Marco final: GP de nº 548 – Adelaide, 1993. Piquet e Mansell já haviam parado (não considero as atuações de Mansell após a morte de Senna, por serem ocasiões isoladas), e a grande rivalidade Senna X Prost teria seu último capítulo. Ninguém poderia imaginar, no entanto, que a última corrida de Prost seria a última vitória de Ayrton Senna. Sabia-se, isso sim, que era sua despedida da McLaren, e que aquela vitória do brasileiro representou o recorde de vitórias para equipe inglesa. Como que percebendo a importância do momento, no parque fechado e depois novamente no alto do pódio Senna cumprimentou Alain Prost pela brilhante carreira. Ali, diante das câmeras, os dois faziam as pazes de forma sincera. Aquela foi a imagem que os dois escolheram para a posteridade. Por toda esta conjuntura,
considero este Grande Prêmio como marco transitório – um Grand Finale – da geração 1980.
Do GP dos Estados Unidos Oeste de 1980 até o GP da Austrália de 1993 foram disputadas 217 corridas valendo pontos para o campeonato. Dessas, Piquet, Prost, Senna e Mansell juntos venceram 145 – incríveis 66,82%. Poles? Foram 150 – mais de 69%. Se considerarmos que o regulamento e a tecnologia ainda permitiam revoluções capazes de afetar a “Lei das Hegemonias” e permitir campeonatos loucos como o de 1982, estes números tornam-se ainda mais impressionantes.
O primeiro a amadurecer foi Nélson Piquet, já em 1980. Alain Prost veio logo em seguida, em 1981. Senna surgiria apenas em 1984, e mesmo assim venceu antes de Nigel Mansell, que corria desde 1980. Com as vitórias de Senna e Mansell em 85, a geração atingia sua plenitude. Basta dizer que os quatro venceram todos os campeonatos entre 85 e 93, e abocanharam 117 das 144 corridas no mesmo período. Se contarmos a partir de 86, foram 107 de 128 – incríveis 83,6%. Isso sem entrar nos méritos de GPs como Japão 1989 e 1991, onde a vitória mudou de mãos de maneira anormal.
Foi um período diferente do que se viu na década seguinte, quando um piloto predominou claramente sobre os demais. Nos anos 80 não. Havia quatro gênios na pista. Sim, porque mesmo o inconstante Mansell brindou o público com atuações sublimes, e nos quatro anos em que encontrou um ambiente favorável (86, 87, 91 e 92) deu muito calor em Piquet, Senna e Prost. E venceu a Indy em sua primeira temporada.
Senna era o típico piloto descendente (mais poles que vitórias),Piquet e Mansell eram horizontais (proximidade entre poles e vitórias), e Prost ascendente por excelência (mais vitórias que poles).
Cada um soube brilhar por méritos diferentes. Piquet tornou-se o melhor acertador de carros na F-1, além de ser capaz de manobras como a ultrapassagem sobre Senna na Hungria em 1986. Piquet foi também o responsável pela introdução de diversas práticas, como o pré-aquecimento dos pneus entre outras. Prost talvez tenha sido o mais regular e constante – melhor predicado que um piloto pode ter. Senna o mais rápido, o mestre em guiar no limite da aderência (chuva, qualificação, circuitos de rua e voltas iniciais), e Mansell o showman, arrojado, louco, indispensável. Capaz de ultrapassar Berger por fora na Peraltada, na última volta do GP do México em 1990, e de se cortar com o troféu da vitória no Gp do Brasil de 1989.
Por serem especialmente valorizados, eventualmente dois dos quatro compuseram um time de ponta. Foi assim com Piquet e Mansell na Williams em 1986 e 1987, com Senna e Prost na McLaren em 1988 e 1989, e Prost e Mansell na Ferrari em 1990. As disputas tornaram-se tão ferozes, que não podem simplesmente ser expostas através de estatísticas.
O que dizer de corridas como Jerez em 1986 ou Hungria no mesmo ano? Como descrever o pega entre Nigel e Nélson em Silverstone em 1987? Ou as voltas finais de Mônaco em 1992? Ou ainda as últimas voltas do GP de nº 500, na Austrália em 1990? E a vitória de Prost no México em 1990? Que tal a 1ª volta de Donnington? Atuações sobre as quais deveria escrever um poeta, e não um jornalista.
Mais do que defender este ou aquele, detalhar os números deste ou daquele, é preciso reconhecer o valor e a contribuição dos quatro. Nenhum obteve números equivalentes aos de Schumacher, mas nem de longe isto significa que eram melhores ou piores. Antes significa que eram outros tempos, e que ao longo de 13 anos houveram quatro pilotos que souberam ser competitivos através de mudanças de regulamento e equipes, assim como Schumacher atualmente. E isso não é pra qualquer um.
Grande abraço a todos,
Márcio Madeira da Cunha, Nova Friburgo – RJ