A Fórmula 1 anda muito chata.

Divila e o campeonato de 82
17/11/2003
“BOLEIROS?”
22/11/2003

Edu,

A Fórmula 1 anda muito chata.

Não, não estou falando da ausência de disputas nas corridas. Também não estou criticando o fato de as equipes vencedoras serem as mesmas há anos.

Desta vez, sequer escrevo isso pelo fato de achar que o atual regulamento é uma merda. Ele é, mas pode (ou poderia, se assim quisessem) ser alterado a qualquer momento. O problema, muito mais do que nas letras do regulamento, está na cabeça das pessoas que integram esse microcosmo chamado Fórmula 1. Todos se levam a sério demais. Se acham tão importantes que acabam sendo chatos, sem personalidade, assépticos – quando não patéticos.

Hoje, todo o “sistema” da Fórmula 1 é feito para que o ambiente dos GPs e todos seus integrantes sejam inodoros, incolores e insípidos. Os pilotos, com raríssimas exceções, parecem robôs. Têm a mesma personalidade, a mesma cara de tédio, falam da mesma maneira. Há alguns Jacques Villeneuve da vida que tentam ser “sinceros” e “polêmicos”, mas são tão autênticos quanto um punk de butique. O público comum, aquele que sustenta a paixão pelo esporte, não tem hoje qualquer chance de ver um F 1 a menos de dez metros de distância, a não ser em estandes de exposições e feiras.

Os campeões do passado raramente são prestigiados nos GPs. Coloca-se a foto de um deles nas credenciais provisórias (aquelas que valem somente para um determinado GP) e olhe lá. Quando um deles morre, ninguém faz homenagens, sequer são citados nas entrevistas.

Acompanhe uma cerimônia de pódio. Você verá que muitos pilotos, mesmo os que vencem, sobem ali sem alegria, sem emoção, como se vencer um GP de Fórmula 1 fosse algo corriqueiro, que qualquer pessoa pode alcançar todos os dias.

Agora vejamos como são as coisas em outras paragens – no Mundial de Motociclismo, por exemplo.

Para começar, um piloto que vence um GP demora às vezes quase dez minutos para chegar ao box. Depois de receber a bandeirada, faz-se uma verdadeira festa junto ao público e aos bandeirinhas. Muitos param diante das arquibancadas e “fazem compasso” – ou seja, aceleram (somente a roda traseira tem tração) e freiam a roda dianteira, derrapando até fazerem, com a borracha queimada dos pneus, um círculo perfeito no asfalto. O barulho e a fumaça resultantes já são suficientes para deixar o público satisfeito. De quebra, sempre tem alguém que dá ao vencedor a bandeira de seu país (ou qualquer outra), que é acenada até a volta aos boxes. Na Fórmula 1 não pode: desde 1994, é proibido ao piloto pegar qualquer objeto de terceiros durante a volta de honra. Os responsáveis pelo cumprimento das regras acham que um cabo de bandeira pode conter lastros invisíveis que servirão para adicionar peso ao carro na vistoria técnica. O piloto que corra com uma bandeira no bolso de seu macacão, se quiser demonstrar seu apreço por alguma coisa. Aliás, na Fórmula 1 o piloto que atrasar a cerimônia (detendo-se por “mais tempo que o admissível” comemorando com torcedores ou com a equipe, por exemplo) está sujeito a multa, o que inviabiliza uma comemoração como a descrita acima. Ridículo.

No automobilismo, esse tipo de malabarismo só é visto em outras categorias. Alessandro Zanardi cansou de celebrar suas vitórias na CART fazendo “zerinhos” – ou seja, fazendo seu carro derrapar em círculos furiosamente, arrancando fumaça dos pneus e deixando marcas de borracha no chão. Na Fórmula 1, lembro-me de apenas um caso, no GP do Canadá de 2001. Jean Alesi, que chegara em 5º lugar – melhor resultado da equipe Prost em um ano e meio -, ficou fazendo seus “zerinhos” no hairpin. Mas só pôde fazer isso de maneira impune porque estava fora do cerimonial do pódio. Se tivesse vencido, precisaria primeiro cumprir o rígido protocolo e só depois em comemorar junto ao público – se ainda houvesse alguém no autódromo depois do pódio e das coletivas.

Vamos então ao pódio. Na Fórmula 1 atual, um piloto que ouse ocultar os logotipos contidos em seu macacão certamente receberá uma multa de algumas dezenas de milhares de dólares. No Mundial de Moto, um piloto que conquista um título mundial veste, na pista mesmo, alguma camiseta comemorativa de seu feito. Fica com ela até o momento de trocar de roupa.

Preste atenção na foto ao lado. Ela mostra o pódio do GP de Valência, o último da temporada de 2003 da MotoGP. O espanhol Sete Gibernau, à esquerda, subiu ao pódio ostentando orgulhoso uma camiseta com os seguintes dizeres: “Vice-campeão mundial de 2003”. Foi aplaudido pelo público. Alguém imagina um piloto brasileiro de F 1 celebrando um vice-campeonato dessa maneira? É claro que não, até porque o público vai considerar o vice-campeão como sendo somente “o primeiro perdedor”. No meio, Valentino Rossi, campeão da temporada e vencedor da corrida, usando uma peruca “black power” – isso porque sua moto e macacão receberam nessa corrida uma decoração em estilo psicodélico que dificultava sobremaneira a leitura dos nomes patrocinadores. O único “normal” na foto é Loris Capirossi, 3º colocado na corrida.

Na etapa anterior, na Austrália, Rossi venceu e, no pódio, mostrou uma imensa bandeira cuja única inscrição era um número “7”. Quem conhece motociclismo já sabia: era uma homenagem ao inglês Barry Sheene, morto de câncer em março de 2003, depois de muitos anos radicado na Austrália. Sheene disputou quase todas suas temporadas nas motos com o número 7, sempre pintado daquela maneira na moto. Não abriu mão desse número nem mesmo em 1977 e 1978, quando teve direito de usar o 1 por ter sido campeão mundial nas temporadas anteriores.

São atitudes assim, humanas, que estão fazendo falta na Fórmula 1. E isso não é recente: tem pelo menos umas duas décadas. Em 1982, a Ferrari pediu à FIA para que Patrick Tambay, que entrou na equipe depois da morte de Gilles Villeneuve, pudesse correr com outro número que não o 27 imortalizado pelo canadense. A sugestão, dizem, teria partido do próprio Tambay. A FIA nem deu ouvidos.

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Acho bastante curiosa (para não dizer uma palavra mais pesada) a maneira como muitos brasileiros se referem a David Coulthard.

Por aqui, muitos simplesmente o desqualificam, chamando-o de braço-duro e dizendo que ele “nunca fez nada em seus 9 anos de F 1, mesmo guiando para a Williams e para a McLaren”. Como se vencer 13 GPs e conquistar um vice-campeonato fosse pouca coisa.

Gostaria muito de saber o que essas pessoas falariam de Coulthard se ele fosse brasileiro. Provavelmente diriam que ele é vítima da equipe, que nesses anos todos a McLaren sacaneou Coulthard dando os melhores carros a Hakkinen (e depois a Raikkonen), que a Fórmula 1 não é esporte, que os interesse comerciais falam mais alto, que os finlandeses só se destacam daquele jeito porque a equipe prejudica o coitadinho do brasileirinho, que só o carro do brasileirinho tem problemas, que isso é um absurdo e que a soberania nacional é ameaçada com isso pois trata-se de uma tentativa de desmoralização, que a FIA precisa dar um basta nisso, e outras sandices que todos nós já lemos ou ouvimos por aqui.

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Para encerrar com bom humor. Recebi as imagens abaixo de Ricardo Divila, sob o título “Opções de Verstappen para 2004”…

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Salvo algum acontecimento excepcional, esta é minha última coluna de 2003. A partir de amanhã entro em férias do GPtotal – parciais, pois provavelmente darei uma forcinha espontânea ao Edu para responder às dúvidas de nossos leitores. Aliás, eu realmente gostaria de ter mais tempo disponível para isso: dissecar as histórias, escrevê-las cuidadosamente, procurar todas as fotos (tenho cada coisa em casa…) e então publicá-las aqui. Quem sabe um dia…

Desejo a todos excelentes festas e um ano novo ainda melhor, com saúde, felicidade, grana, amor e tudo o mais que se desejar para melhorar a vida.

Abraços, Feliz Natal e um ótimo 2004.

Luiz Alberto Pandini

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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