“O ALPINISTA JAPONÊS”

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26/01/2004
MIL MILHAS
30/01/2004

Luis Fernando Ramos

Quando o folclórico Satoru Nakajima estreou na Fórmula 1 correndo ao lado de Ayrton Senna na equipe Lotus, um compatriota seu já estava ganhando experiência no automobilismo europeu. Em 1987, Ukyo Katayama tinha 24 anos e corria na Fórmula 3 francesa, sem obter grandes resultados. O diminuto piloto ainda voltaria ao seu Japão natal para competir na F3000 local, ganhando o título em 1991.

Katayama estreou na F-1 no ano seguinte. Foram seis temporadas carregando nos ombros a pressão de ser a maior esperança de um país formado por fanáticos pela categoria. Digno de nota mesmo só o seu desempenho em 1994, quando dispôs do eficiente Tyrrell 022: cinco pontos somados e um momento de glória em Hockenheim, quando largou em quinto e chegou a andar em terceiro antes do acelerador quebrar.

No mais, o piloto colecionou momentos que lhe renderam um apelido nada abonador no Brasil: “Cata-grama”. Em 95 largadas na Fórmula 1, Ukyo se envolveu em acidentes ou rodadas (tendo culpa ou não) em 28 corridas – um impressionante e embaraçoso indíce superior a 30%. É o tipo de piloto que se chama de “chicane móvel”. Nem mesmo um segundo lugar nas 24 Horas de Le Mans em 1999, pela Toyota, serviu para recuperar sua imagem.

Pessoalmente, nunca admirei Katayama por sua pilotagem, mas por seu carisma. Me lembro bem do clima alegre nos boxes da Tyrrell no GP do Brasil de 1995. No fim do dia, a equipe parava para o sempre sorridente japonês aprontar uma estrepolia, como amarrar um mecânico ao chassis utilizando diversos fios elétricos. Encerrava-se o trabalho, armava-se um teatro e Katayama entrava em ação, para deleite de quem assistia. Tudo com a bênção do velho Ken, que determinava a hora de terminar a brincadeira com um “Ukyo! No! Bad boy!” Taí um cara legal, pensei.

E foi com júbilo que constatei ter razão ao ver na televisão um documentário sobre o último rali Paris-Dakar. Katayama correu pela Toyota na classe T1, para carros com pouca preparação. “Pilotar é o meu trabalho. É assim que ganho dinheiro para praticar minha verdadeira paixão, o alpinismo”, foi seu primeiro comentário. Ao contrário do que mostra ao volante, o japonês é um excelente montanhista. Já escalou o pico de 12 das 14 montanhas com mais de 8000 metros de altitude. Uma das que restam é o Everest: tentou uma vez, mas teve de voltar a poucos metros da subida final por causa do tempo.

Para um cara viciado em adrenalina, Katayama mostrou também uma simplicidade surpreendente. Uma de suas rivais no Dakar foi a francesa Isabelle Patissier, uma ex-campeã mundial de alpinismo que bandeou para o mundo do rali. O japonês encheu os olhos de emoção ao falar sobre ela e admitiu: “Queria pedir um autógrafo, mas não tive coragem. Já na Fórmula 1 eu era muito tímido para pedir um autógrafo ao Ayrton Senna.” Uma figura, este japonês.

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Bem, se a temporada de lançamentos da Fórmula 1 começou com a surpreendente napa do novo Williams, prosseguiu com o velho desfiles de carros iguais e de idéias conservadoras. Nem a Ferrari, que através de Jean Todt chegou a sugerir ter um trunfo na manga, escapou da mesmice. Pior para nós, fãs da categoria, que vamos ter de continuar torcendo para que chuvas e pneus tragam alguma emoção à temporada. Como em 2003.

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Falando no ano passado, uma estatística curiosa: David Coulthard, vencedor do GP da Austrália, completou menos quilômetros na liderança do que… Bernd Mayländer – o alemão responsável pela pilotagem do Safety Car! A que ponto chegamos, David…

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Bobagem 1: a Ferrari já perdeu 22 milhões de seu orçamento deste ano por um motivo realmente besta. Vários de seus patrocinadores pagaram em dólares, que já desvalorizou 17% em relação ao Euro nos últimos dias. O problema afligiu também, em diferentes doses, todas as outras equipes. A gloriosa exceção é a Toyota. A multiglobalizada equipe foi a única a perceber que, se vai pagar em Euros, é melhor receber em Euros. E depois dizem que são os japoneses os que têm olhos fechados.

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Bobagem 2: regrinha besta esta de extingüir os Stop & Go e penalizações similares nas corridas. De acordo com Max Mosley, qualquer situação controversa será resolvida entre os pilotos envolvidos e os diretores de prova após a bandeirada. “Podendo gerar advertências ou multas em dinheiro. Reincidentes podem até ser suspensos”, disse a anta inglesa (redundante, eu sei). O que os segundos pilotos das equipes principais não vão aprontar nas corridas decisivas, agora que liberou geral?

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E o futuro já vem por aí. Não, não estou falando de Nelsinho Piquet, que volta a testar pela Williams na semana que vem em Barcelona. É que dois brasileiros foram incluídos no programa de apoio a jovens talentos de duas importantes equipes da Fórmula 1. Em 2004, o carioca Roberto Streit vai correr na F-3 Européia sob a batuta da Toyota. O mesmo acontece com o paulista Lucas di Grassi na F-3 inglesa, este defendendo as cores da Renault. Boa sorte aos dois!


Abração e até a próxima,
Luis Fernando Ramos

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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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