De volta aos anos 1970?

O PROFESSOR DE QUÍMICA
28/04/2004
A culpa é do Tilke
30/04/2004

Eu já tinha uma coluna praticamente pronta para entrar no ar, mas a FIA me fez mudar de planos ao anunciar mudanças profundas no regulamento da F 1 a partir de 2008. Elas ainda serão submetidas ao Conselho Mundial da FIA no dia 30 de junho e, se aprovadas, entrarão em vigor a partir de 2008, o primeiro ano sob um novo Pacto da Concórdia – o documento altamente secreto que rege a Fórmula 1.

Seguem os trechos mais importantes do documento divulgado pela FIA – quem quiser ver a íntegra pode acessar o www.grandepremio.com.br:

“Nossas propostas têm seis objetivos principais:
1) melhorar o espetáculo sem regras artificiais (grifo meu);
2) dar ênfase ao talento dos pilotos eliminando ajudas eletrônicas;
3) reduzir os custos das equipes de ponta;
4) reduzir substancialmente os custos das equipes menores;
5) encorajar a entrada de novos times na F-1 (grifo meu);
6) encorajar a formação de um grid com 24 carros.

“MOTORES
– V8, 2,4 litros
– máximo de 4 válvulas por cilindro
– motores para duas corridas de duração, com regras claras de punição para casos de troca
– lista de componentes e materiais que podem ser usados no processo de fabricação
– “centralina” única, controlada pela FIA

“TRANSMISSÃO, FREIOS E DIREÇÃO
– câmbio manual com controle eletrônico de rpm para evitar quebras
– embreagem manual
– banimento de diferenciais eletrônicos
– banimento de sistemas de direção hidráulica
– discos, pastilhas e pinças de freios padronizadas

“Chassis:
– Limite de peso reduzido em pelo menos 50 kg para eliminar os lastros, perigosos em casos de acidente
– pacote pneu/aerodinâmica a ser publicado até 31 de dezembro de 2004 para se chegar a certos limites de velocidade em curvas, retas, aderência e performance de freios, com o novo peso mínimo sendo levado em consideração
– largura reduzida nos pneus dianteiros e aumentada nos traseiros para permitir uma nova distribuição de pesos sem lastros e aumentar o arrasto aerodinâmico

“REGULAMENTO ESPORTIVO
– carro-reserva proibido durante todo o fim de semana de GP
– carros sob regime de Parque Fechado durante o fim de semana de GP
– apenas um fornecedor de pneus, com todos os aspectos esportivos do contrato sob supervisão da FIA
– drástica redução de testes privados, limitados por quilometragem no lugar do número de dias, controlados pelas “centralinas” da FIA
– dois jogos de pneus idênticos para classificação e corrida, apenas
– Treinos de sexta: pacote que assegure que os carros andem, possivelmente com a inclusão de um treino classificatório
– Novo sistema de classificação a ser discutido com equipes, promotores de corridas e emissoras que detêm os direitos de TV
– Proibição de troca de pneus durante a corrida, exceto em caso de furos; reabastecimento continua
– Pontos no Mundial de Construtores sendo válidos para quatro carros (duas equipes) por construtor, para encorajar as equipes maiores a fazer carros para equipes novas na F-1

“GERAL
– Nenhuma restrição à venda, aluguel ou troca de chassis e componentes entre as equipes e as novas inscritas no Mundial”

Há muitas bobagens no novo regulamento e um verdadeiro tiro no espírito que sempre regeu a F 1. Padronizar equipamentos ou tornar monomarca alguns itens (como pneus) é coisa de categoria inferior. Não condiz em nada com o espírito da categoria de incentivar a competição no mais alto nível, em todos os sentidos. Outra bobagem, esta perigosa, é proibir a troca de pneus (a não ser em caso de furo) e manter o reabastecimento. Se um piloto sentir desgaste anormal ou formação de bolhas em seus pneus, não poderá parar para trocá-los: ou abandona a corrida, ou continua com sérios riscos de sofrer um acidente. Uma tremenda estupidez. Além disso, como será o procedimento em caso de corridas com chuva?

Medidas como a proibição total de uso de carro reserva, manutenção do regime de parque fechado, motores para duas corridas de duração e uso de apenas dois jogos de pneus por carro têm a clara intenção de tentar conter custos. Se essas medidas, por si só, atingirão o objetivo é algo que só poderá ser conferido quando elas estiverem em prática. Até hoje, nunca vi o custo da F 1 diminuir, só aumentar. Mesmo quando foram tomadas decisões “radicais”. Pessoalmente, e por motivos outros, não concordo com nenhuma delas.

A diminuição da cilindrada (de 3.000 cm³ para 2.400 cm³) e do número de cilindros dos motores parece ter como maior objetivo brecar a escalada de potência e aumentar a segurança. O fato de a “receita” ser a mesma para todos (motores com 8 cilindros em V) não muda nada em relação ao que na prática já acontece hoje, com todas as equipes usando motores V10. Só que desenvolver motores novos custa caro. Evidentemente, vai levar vantagem o fabricante que se dispuser a gastar mais nesse aspecto. E a pretendida diminuição de custos sofre mais um golpe…

Há medidas interessantes, como a possibilidade de uma equipe comprar chassis de outras. Nesse caso, pode até acontecer de haver mais de 24 carros no grid. Como o texto não deixa claro se o almejado grid de 24 carros é um número máximo ou mínimo, permito-me imaginar que poderemos voltar a ter listas de inscritos com 30 ou mais carros, o que sem dúvida deixaria o espetáculo bem mais interessante. Alterações técnicas como a restrição violenta no uso da eletrônica também pode (veja bem: “pode”, o que é bem diferente de “vai”) tornar as corridas bem mais disputadas do que são hoje. Mosley deseja ver de volta aos carros as alavancas de câmbio acionadas manualmente de volta aos carros. Muito romântico, mas pode ser que em 2008 isso pareça tão anacrônico quanto um carro equipado com carburador. Hoje em dia, a tecnologia dos câmbios semi-automáticos como os da F 1 são comuns em carros esportivos e já começam a chegar também a modelos médios de luxo.

Bem ou mal, pelo menos a FIA “acordou”. Depois de pelo menos uma década de arrogância, prepotência e falta total de senso crítico, os senhores Mosley e Ecclestone finalmente admitiram que é preciso atrair equipes para o Mundial – e não impedir a entrada de novas e deixar as que já existem irem à falência, como foi a política dos últimos anos. Finalmente eles perceberam que, se não fizessem algo concreto, a Fórmula 1 iria para o brejo rapidinho.

O pacote técnico e esportivo apresentado mostra claramente que a FIA inspirou-se na Fórmula 1 dos anos 1970 e começo dos anos 1980, justamente a fase mais competitiva e disputada da história da categoria. À primeira vista, essa Fórmula 1 “retrô” poderá ficar muito interessante. Podiam também retomar a contagem de pontos que vigorou entre 1991 e 2002, ou pensar em outra que respeitasse a proporção dela (20-12-8-6-4-3-2-1, por exemplo).

Mas algumas frases do comunicado da FIA chamaram bastante a minha atenção. São elas:

1) melhorar o espetáculo SEM REGRAS ARTIFICIAIS (grifo meu);
2) motores para duas corridas de duração, COM REGRAS CLARAS DE PUNIÇÃO PARA CASOS DE TROCA (grifo meu)
3) TREINOS DE SEXTA: PACOTE QUE ASSEGURE QUE OS CARROS ANDEM, POSSIVELMENTE COM A INCLUSÃO DE UM TREINO CLASSIFICATÓRIO (grifo meu)
4) NOVO SISTEMA DE CLASSIFICAÇÃO (grifo meu) a ser discutido com equipes, promotores de corridas e emissoras que detêm os direitos de TV

Essas frases mostram que:
1) A própria FIA admite que as regras baixadas no final de 2002 são artificiais, como eu escrevi tão logo elas foram divulgadas (e recebi diversas críticas por isso);
2) A própria FIA admite implicitamente que as atuais regras de punição para quem trocar motores ou fizer mudanças nos carros após os treinos classificatórios não são claras e podem dar margem a favorecimentos (como aconteceu no GP do Brasil de 2003, com Kimi Raikkonen);
3 e 4) Os sistemas de treinos livres e classificatórios que foram usados em 2003 e 2004 são verdadeiros fiascos – como eu também escrevi desde o primeiro momento. Só espero que não cometam a bobagem de querer definir o grid com base na média das melhores voltas dos dois dias de treinos em vez de simplesmente considerar o melhor tempo dos dois dias, como acontecia até 1995.

Atrevo-me a dizer que a FIA chegou à mesma conclusão que eu escrevi durante quase todo o ano de 2003: o atual regulamento é uma merda. Só me intriga o fato de eles, bem mais experientes e que ganham bem para gerenciar o automobilismo e a F 1 em particular, terem demorado um ano e meio a mais do que eu para perceber isso.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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