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O CIRCO DE FÓRMULA 1

Faz algum tempo, não sei exatamente quanto, que a F1 é definida como um circo.

Quem pela primeira vez fez esta comparação deve ter levado em conta o fato das atividades reunirem membros as diversas nacionalidades e irem de um lugar a outro com tudo “às costas”. Porém, fiquei pensando nesse paralelismo e achei outras semelhanças.

Os pilotos poderiam ser os trapezistas e equilibristas. Os mecânicos, os malabaristas. Os magos-prestidigitadores seriam os engenheiros, pois ambos andam sempre escondendo os seus truques.

Os chefes das equipes (Briattore, Dennis, Head, Montezemolo etc.) são as feras e o domador-diretor de tudo é o nosso inefável tio Bernie. Do que não há dúvida é que o pessoal da FIA são os palhaços – mas sem nenhuma graça. Por último, temos o público. No circo e na F1, bastante ingênuo e facilmente impressionável.

Outra semelhança, mais genérica, seria o seu caráter de sociedade fechada e exclusiva que ambas apresentam. Mas a grande diferença entre as duas está no dinheiro ao redor de uma e outra.

Para os artistas do circo, esse é um meio digno de subsistir. Infelizmente, parece que não se pode dizer o mesmo da F1, pois o dinheiro tem um grande poder corrosivo, capaz de atacar os mais louváveis atributos morais.

E quando, sob amparo da TV, o negócio começava a oferecer suculentos benefícios, as “feras”, estimuladas pelo próprio egoísmo, quiseram ficar com tudo.

Como primeira medida para garantir que nenhum estranho entrasse no “circo”, estabeleceram a regra que obrigava as equipes participantes a serem construtoras dos próprios carros. Depois, veio a famosa cota/depósito de US$ 48 milhões para desalentar ainda mais possíveis “ousados”.

Isto teria sido ideal se tivesse sido acompanhado duma espécie de acordo que garantisse um mínimo nível de competitividade entre as equipes. Mas como a voracidade das feras não conhece limites, elas lançaram-se a uma atroz competição que resultou numa delirante escalada de custos derivada do frenesi tecnológico.

Assim, o aumento de arrecadação foi absorvido pelas enormes despesas requeridas. Logo o custo operativo duma equipe de F1 ficou tão alto que as duas regras perderam seu fundamento e só as grandes indústrias automobilísticas puderam assumir tais despesas e, mesmo elas, agradecem a ajuda de um grande patrocinador. Agora, só Minardi, Jordan e Sauber, não têm suporte direto de uma montadora e temos que o único que fazem é preencher o grid.

Como vemos, há mais equipes que grandes montadoras. Portanto, não vai ser fácil resolver o problema das enormes desigualdades e isso pode fazer que algumas equipes desapareçam, cansadas de gastar tanto sem retorno.

E se alguma das montadoras decidir deixar a F1, arrastará consigo a equipe a que está ligada. Nos anos 80, a Brabham, que usava motores da BMW, começou a perder competitividade conforme os alemães perdiam interesse na F1. Também McLaren atravessou anos difíceis depois que a Honda parou de fornecer-lhes o seu motor. Hoje, a Williams depende totalmente da BMW. Mas que acontecerá se os bávaros deixarem a F1?

Outro assunto obscuro é o dos pneus, cujos fabricantes, sem nenhum pudor, favorecem umas equipes mais que outras, reduzindo drasticamente os possíveis vencedores e adulterando totalmente a competição.

Também temos a palhaçada da FIA com os circuitos atuais, que parecem simples “passarelas” para um desfile publicitário, deixando as corridas decepcionantes, tediosas e até insuportáveis, parecendo corridas de autorama com todos os carrinhos na mesma ranhura.

Do regulamento, não é preciso dizer nada, pois todos sabemos da sua pestilência (é só perguntar ao Panda).

A conseqüência lógica de tantos despropósitos foi a progressiva perda de afluência de publico aos circuitos e perda de audiência na TV. Tudo com a sua correspondente redução de arrecadação e agravamento da situação econômica, que acabou devorando a Arrows e, agora, ameaça com engolir outras equipes. Parece até uma versão moderna da clássica fabula da “galinha dos ovos de ouro”.

A F1 se encontra num momento delicado e, a curto prazo, completamente à mercê de um número reduzido de empresas. Não sei não, mas temo que a conseqüência lógica disto seja uma espécie de compromisso do tipo: “bom, hoje ganho eu, amanhã ele e depois você”. Isto significaria o fim definitivo da competição (o esporte faz tempo que desapareceu de F1).

Talvez seja só uma visão pessimista minha mas numa comunidade tão fechada e até endogâmica como a F1 atual, me parece que uma competição sem limites já não tem sentido pois coloca em perigo a própria continuidade do “circo” e isso é algo que ninguém quer. Portanto, acho que não teriam nenhum escrúpulo em sacrificar o que fosse em prol do negocio.

De fato, o fator comercial já parece ter-se completamente apoderado da F1 e osbenefícios que agora minguam no Ocidente são buscados no Oriente.

O circo precisa de novos mercados pois este é o único jeito que eles acharam de salvar o negócio ou, pelo menos, de fazê-lo perdurar até que se encontre uma solução mais coerente. Mas, o caso é que isto tampouco está isento de perversões.

Tomemos como exemplo a inclusão do GP da China no circo. A economia do gigante asiático está crescendo em ritmo acelerado e vislumbra-se um mercado incrível proximamente. Neste contexto, um piloto chinês seria uma atração especialíssima.

No começo do ano, muito se comentou sobre os testes do Nelsinho Piquet e do Nico Rosberg na Williams. Mas pouco foi dito do jovem chinês Ho-Ping, que também testou o carro. Se o chinês não faz muito feio eu não tenho duvida que ele será o escolhido para formar parte da equipe. É possível que haja melhores que ele. Mas, ser chinês, neste momento, é um grande ponto a seu favor.

Também li recentemente, que já havia um piloto indiano na mira da F1 e, curiosamente, a Índia, também visa organizar um GP. Continuando com esta lógica, logo teremos um piloto russo e, talvez, um muçulmano. Podem apostar !

Um abraço a todos

Manuel Blanco, Valencia – Espanha
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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