BICOS ALTOS E MAIS ALTOS
Manuel Blanco, Valência, Espanha
Em varias ocasiões, leitores perguntaram qual tinha sido o primeiro carro com o bico alto da Fórmula 1 e sempre foi mencionado o Tyrrell 019, de 90. Porém, vejamos se foi mesmo esse o primeiro.
Inicialmente, temos que estabelecer as duas características básicas que definem um bico alto :
1ª – estar situado em nível superior ao fundo plano do carro,
2ª – estar situado por cima do aerofólio.
Antes da aparição do bico alto, em todos os carros o bico era uma prolongação do fundo plano e o aerofólio era formado por duas peças gêmeas situadas a cada lado do bico. Também houve carros em que o aerofólio era inteiriço e ficava por cima do bico como, por exemplo o Ferrari 312B ou o Copersucar FD02. Durante muitos anos, essas foram as duas configurações dominantes, mas a aparição do Tyrrell 019, desenhado por Harvey Postlethwaite para a temporada de 90 mostrava, sem lugar a dúvidas, que o bico podia ser diferente. Porém, só era o primeiro bico claramente alto aos olhos da gente, pois a honra de ser o primeiro bico alto da formula1 deve ser atribuída ao March – Leyton House de 88.
As características do bico alto se apresentavam de forma discreta neste carro e, por isso, passou despercebido para o público em geral mas o seu bico cumpria as duas características mencionadas antes, e estabeleceria um princípio de desenho que segue vigente desde então.
Aquele March foi o primeiro carro de F1 desenhado por Adrian Newey, que voltava à categoria depois de estar alguns anos trabalhando nos Estados Unidos. Curiosamente, o seu primeiro trabalho na F1, após terminar os seus estudos de engenharia e com apenas 22 anos de idade, foi em 80 na equipe Fittipaldi como aerodinamista. Em 81, passou para a March e logo foi para os EEUU, onde esteve até 87.
Newey, consciente da inferioridade dos motores Judd que equipavam os March, procurou compensar isso desenhando um carro com a mínima resistência aerodinâmica possível mas com o máximo de down-force. Tratava de conseguir com a aerodinâmica o que o motor não podia. Isto era algo que os carros asa tinham feito à perfeição anos antes aplicando o chamado “principio de Bernoulli”.
Daniel Bernoulli foi um cientista suíço do século XVIII que descobriu que um fluido (liquido ou gasoso) cujo fluxo sofre uma constrição, aumenta a sua velocidade e diminui a sua pressão. Isto era precisamente o que justificava a forma de asa invertida nas laterais dos chamados carros asa. A queda de pressão fazia com que o carro fosse empurrado para baixo, sem necessidade de carregar os aerofólios, o que permitia mais velocidade nas curvas e retas.
Quando o regulamento estabeleceu a obrigatoriedade do fundo plano na zona entre as rodas, pensou-se que isso era o fim dos carros asa. Durante um tempo, realmente, foi. Mas, Newey aproveitou o fato do regulamento não dizer nada sobre as áreas à frente e atrás de dito fundo plano, e ideou um jeito de recriar o efeito solo.
Para isso, era necessário que o fundo plano atuasse como constritor do fluxo de ar e a solução foi desenhar um carro de maneira que o bico fosse elevado para formar uma espécie de principio da asa invertida, que antes equipavam os verdadeiros carro asa, e a traseira do carro, como se fosse o final daquela asa. Esta é a parte que passou a ser conhecida como “difusor”.
O fluxo de ar “capturado” debaixo do bico e aerofólio era, subitamente e graças à forma côncava da parte inferior do bico, obrigado a passar por baixo do fundo plano (a constrição), o que acelerava a sua velocidade e baixava a sua pressão. O difusor ajudava a aumentar dita velocidade e a baixar a pressão ainda mais. O resultado era um aumento da down-force que atuava sobre o carro sem necessidade de carregar os aerofólios. Exteriormente, o carro tinha formas, também, muito elaboradas.
O efeito conseguido não era tão espetacular quanto nos verdadeiros carros asa mas o resultado foi muito satisfatório. Tanto, que o rendimento daqueles March chamou a atenção de Patrick Head e a Williams contratou Newey em 90. O Williams FW 14B de 91 foi, praticamente, uma cópia dos March e primeiro carro de bico alto da equipe.
O princípio do bico alto foi logo assumido pelas outras equipes e, logicamente, sofreu um grande aprimoramento e aumento da sua eficiência derivado da intensiva investigação nos túneis de vento à que a idéia foi submetida nos anos seguintes.
Com o tempo, o princípio do bico alto evoluiu e surgiram os defletores para complementar os seus efeitos, cuja missão é a de canalizar o fluxo de ar ao redor do carro procurando que este, em seu avanço, cause a menor perturbação possível, reduzindo ao máximo o vácuo gerado na parte traseira.
Nestes anos, temos visto bicos mais ou menos altos, de ponta aguda ou plana, curvados etc., mas, em todos os casos, se trata da aplicação do princípio ideado por Newey para o March 881. O bico do Tyrrell 019 de 90 ou o do Benetton 191, de 91, eram simplesmente mais altos mas não constituíam nenhuma novidade no que ao efeito buscado se refere.
Como última curiosidade, e já que estamos falando de bicos altos, vejam bem o bólido Sunbeam de 1910. O seu bico recorda bastante os da Tyrrell e Benetton, não?
Abraços (MB)
Manuel Blanco, Valência, Espanha |