Entre 1950 e 1960, as 500 Milhas de Indianápolis fizeram parte do calendário da Fórmula 1. Foi uma medida propagandista, com o intuito de dar um caráter “mundial” a um campeonato disputado exclusivamente na Europa, pelo menos em suas três primeiras edições. Assim, a corrida na América era um evento alienígena, contando apenas com pilotos e equipes de lá. Pelo menos, a categoria podia se vangloriar de contar com a prova mais tradicional do mundo, ainda que suas principais estrelas não tomassem parte dela.
A exceção ocorreu em 1952. Naquele ano, a Fórmula 1 mudou o regulamento, diminuindo a capacidade dos motores para 2,0 litros e aposentando uma série de carros surgidos no cenário do pós-guerra. Dentre eles estava a Ferrari F375, carro que vencera três das quatro últimas corridas da temporada anterior.
O comendador Enzo decidiu então inscrever quatro destes modelos para ver o que eles poderiam fazer em Indianápolis. Foi um vexame. Três deles foram emprestados para pilotos norte-americanos fazerem um “test-drive”. Se gostassem, poderiam comprar o carro. Era uma prática comum na época e que ajudava as equipes a sobreviverem economicamente. Para o quarto carro, toda a atenção do mundo para o principal piloto da Ferrari, Alberto Ascari. Um bom desempenho do italiano seria a propaganda ideal para que outros volantes americanos se interessassem pelas máquinas de Maranello.
O fato do F375 ter sido desenhado para as pistas européias, e os efeitos que isto poderia ter no traçado oval de Indianápolis, passou desapercebido ao gênio de Aurélio Lampredi, o Rory Byrne da época. Os chassis enviados aos Estados Unidos não sofreram nenhum tipo de adaptação e determinaram o fracasso do projeto.
Apenas o carro de Ascari conseguiu um lugar no grid de largada. Ainda nos treinos, os pilotos norte-americanos, como John Parsons, abriram mão do F375 e voltaram para se classificar em suas máquinas ianques, mais competitivas para Indianápolis. Na corrida, Ascari foi um dos 13 pilotos que abandonaram. O italiano estava em oitavo lugar quando o semi-eixo traseiro quebrou, estressado de tanto fazer curvas para a esquerda e nenhuma à direita.
Ascari afirmou após a corrida que pretendia voltar no ano seguinte com um chassi melhor preparado para o desafio das 500 Milhas. Mas o Comendador Enzo não quis saber e se manteve afastado de Indianápolis inclusive nos anos 60, quando diversas equipes da F-1 se aventuraram com sucesso no evento. Foram preciso 48 anos após o fracasso de 1952 para a Ferrari inscrever seu nome no rol dos vencedores neste templo do automobilismo mundial. Mas aí, o traçado, os rivais e os tempos eram outros.
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Desde 2000 que a Fórmula 1 lota o autódromo durante o GP dos Estados Unidos, embora o interesse venha declinando lentamente desde então. Mas é um erro acreditar que a categoria caiu no gosto do público norte-americano. Quem se interessa em ver máquinas cruzando aquele traçado bobo no sentido horário são estrangeiros ou locais que curtem Fórmula 1 de qualquer jeito, com ou sem corrida nos EUA.
O norte-americano médio, porém, detesta a prova, principalmente após a farsa promovida pela dupla da Ferrari na corrida de 2002. Para quem gosta de espetáculo e disputa acirrada pela vitória, a F-1 de hoje é um remédio mais que contra-indicado. Um bom resumo do pensamento deste povo está no texto que Robin Miller, do jornal “Indianapolis Star”, escreveu em 2000:
“Estou feliz com a volta da F-1 aos EUA, mas ela está fora de lugar em Indianápolis. Os fãs não podem chegar perto dos pilotos e os carros andam no sentido contrário. Para um tradicionalista, é duro ver o que fizeram aqui. Não me entendam mal: é bom ver carros de corridas de verdade em Indianápolis, em vez dos Stock que parecem hobby de amadores e dos carros da IRL que correm com limitadores de giros para não quebrar o motor. Mas não no sentido contrário! É como querer transformar Spa num oval, ou endireitar a Torre de Pisa. Um tesouro internacional foi desfigurado para acomodar um grupo que exige tudo, mas só expressa lealdade aos dólares.”
Você pode discordar de Miller, achá-lo antiquado ou caipira, mas ele não escreveu nenhuma mentira. Enquanto Bernie Ecclestone lucrar com a prova, a Fórmula 1 fica em Indianápolis. Mas se amanhã um banqueiro do Texas se propuser a construir um autódromo no meio do nada, e encher os bolsos do inglês com dólares e petróleo, a categoria abandona rapidinho o maior templo do automobilismo mundial. Vai restar como cicatriz um circuito misto desinteressante e que dificilmente encontrará alguma categoria ianque que se disponha a correr nele.
Abraços e até a próxima semana,
Luis Fernando Ramos |