Entre outubro de 1974 (mês da conquista do bicampeonato na F 1 e do teste com o McLaren M16 em Indianapolis) e outubro de 1980 (data de sua última corrida na F 1), a carreira de Emerson Fittipaldi foi de poucas alegrias, muito trabalho e muitas frustrações.
Sim, é certo que em 1975 ele venceu dois GPs e foi vice-campeão mundial. Mas Emerson não teve na McLaren um carro competitivo o suficiente para defender seu título mundial perante a Ferrari e Niki Lauda. O vice-campeonato, na verdade, só foi definido em favor do brasileiro nas últimas corridas do ano, quando Emerson conseguiu superar os pontos do argentino Carlos Reutemann. Depois, viriam os anos na equipe Fittipaldi, sobre os quais falaremos em outra oportunidade.
Quando a equipe fechou as portas, no final de 1982, os irmãos Fittipaldi estavam endividados. Parte das dívidas, segundo Wilsinho, era com fornecedores e funcionários ingleses, e foi paga com a venda dos carros e equipamentos que estavam na sede da equipe na cidade de Reading. “Mas o grosso do dinheiro que devíamos deveria ser pago a bancos aqui no Brasil”, explica. “Vendemos um monte de coisas e ainda ficamos devendo. Demorou uns cinco anos para pagarmos tudo.”
Wilsinho já havia passado todo o ano de 1982 no Brasil. Não lhe faltava trabalho: ele cuidava do relacionamento com os patrocinadores brasileiros da Fittipaldi, negociava junto aos bancos os empréstimos necessários para cobrir os “buracos” no orçamento da equipe, administrava os negócios da família no País e acompanhava a carreira do filho Christian, que havia começado a correr apenas um ano antes. E ainda arranjava tempo para correr na Stock Car como piloto contratado da equipe de Reinaldo Campello. No final do ano, Wilsinho foi um dos 25 pilotos que apoiaram a criação da categoria Superkart, sobre a qual já falamos no GPtotal.
Em março de 1983, Emerson compareceu ao GP do Brasil e conversou com todo mundo. No começo daquele ano, surgiram boatos de uma volta à F 1 em 1984 (a equipe seria a Williams ou a McLaren) e que ele e Wilsinho correriam na Stock Car com uma equipe própria, patrocinada pelos cigarros John Player Special. De certo, apenas uma coisa: Emerson queria voltar a correr, para ganhar dinheiro e também para se descontrair um pouco depois de sete anos tão difíceis.
No final, Emerson e Wilsinho integraram uma equipe de Superkart que tinha outros dois pilotos. Wilsinho venceu duas corridas e Emerson foi campeão dos dois campeonatos disputados – o Paulista, realizado ao longo da temporada com provas no kartódromo de Interlagos, e o Torneio Close-Up, que teve quatro ou cinco corridas no final do ano, sendo uma delas no kartódromo do Rio de Janeiro e pelo menos duas em um circuito criado na Praça Charles Miller, em frente ao estádio do Pacaembu.
Graças à presença de Emerson, as provas de Superkart tiveram público e divulgação nunca vistos antes (e que nunca seriam repetidos depois). Não havia margem para enganos: o carisma de Emerson ainda era um poderoso chamariz para qualquer categoria, principalmente quando ele corria em condições de vencer. “Foi um tesão reencontrar meus amigos de juventude e disputar corridas com eles”, registraria mais tarde em seu livro “A Arte de Pilotar”. Mas, para um piloto com sua história e suas habilidades, o Superkart já parecia muito limitado. Emerson passou todo o ano de 1983 analisando as possibilidades para a temporada seguinte. Os anúncios oficiais das duplas Niki Lauda/Alain Prost e Keke Rosberg/Jacques Laffite para as vagas na McLaren e Williams, respectivamente, esvaziaram os boatos da volta de Emerson à F 1. Era preciso encontrar um novo rumo.
Após o teste com o Spirit-Hart de Fórmula 1 (leia mais na seção “Pergunte ao GPtotal”), Emerson foi convidado para disputar em fevereiro de 1984 o GP de Miami com um March-Chevrolet. A prova, realizada em um circuito de rua, era válida pelo campeonato estadunidense IMSA. Na época, a IMSA era uma das categorias mais importantes do cenário internacional, mas no Brasil só era conhecida por uns poucos aficcionados. A corrida teria três horas de duração e seria transmitida para o Brasil pela Rede Bandeirantes. Na lista de inscritos constavam nomes como Brian Redman, Al Holbert, Hurley Haywood, Bobby Rahal, Klaus Ludwig, Bob Wollek, A. J. Foyt, Giampiero Moretti, Oscar Larrauri e Hans Heyer. Em outras palavras, a fina flor dos esporte-protótipos daquela e de outras épocas.
Ninguém sabia bem o que esperar, mas o fato é que não havia grandes expectativas na participação de Emerson. No dia da corrida, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou uma matéria na qual destacava a falta de competitividade do March-Chevrolet e as chances reduzidas de Emerson se sair bem. A matéria não informava nada sobre o grid de largada, evidentemente devido ao fato de o treino só acabar depois do horário de fechamento do jornal – percepção que eu só teria anos mais tarde, quando me tornei jornalista.
Por isso, foi muito grande e agradável a surpresa de muitas pessoas quando, no começo da transmissão pela TV, foi dada a informação de que Emerson e seu companheiro Tony Garcia largariam na pole position. (Aqui, vale um parênteses. Garcia, cubano naturalizado americano, disputou em 1983 a 24 Horas de Le Mans em parceria com Albert Naon – também cubano naturalizado americano – e Diego Montoya – colombiano e tio de um garoto chamado Juan Pablo Montoya. O nome do carro usado pelos três era Sauber, até então um pouco conhecido fabricante suíço. Terminaram em 9° lugar, sendo os mais bem colocados entre os pilotos que não competiam com os ultracompetitivos Porsche 956.)
Emerson liderou a corrida de Miami por um bom tempo e teria no mínimo terminado em 2° lugar se o câmbio não quebrasse cerca de 15 minutos antes do final da corrida. O resultado pouco importou: naquele momento, Emerson renasceu para o automobilismo internacional. Não mais na Europa, mas nos Estados Unidos. Só que ninguém, nem ele mesmo, ainda tinha dimensão disso. Voltou ao Brasil e assinou contrato com a Fiat para disputar o Campeonato Brasileiro de Marcas. Mais algumas semanas e veio a surpresa: correria também no campeonato da Indy, inclusive na 500 Milhas de Indianapolis – a mesma corrida que dez anos antes ele havia considerado perigosa demais – por uma equipe chamada WIT. A impressão geral era que Emerson estava atirando em todas as direções para tentar acertar em alguma coisa.
A participação no Brasileiro de Marcas prometia muito, mas ficou muito aquém das expectativas. Emerson correria pela equipe Sultan, uma das mais fortes da época, pilotando um Fiat Oggi em dupla com Attila Sipos. Wilsinho correria na mesma equipe, em dupla com Chico Serra. Wilsinho e Serra venceram a primeira prova, enquanto Emerson abandonou por quebra do câmbio quando liderava. Depois, os dois irmãos saíram da Sultan e passaram a correr em dupla, mas não conseguiram sequer marcar pontos.
Em compensação, na CART as coisas deram extraordinariamente certo. Muito mais do que se poderia supor pelos resultados obtidos por Emerson nas nove corridas que disputou. A WIT pertencia a um piloto cubano chamado Pepe Romero, que corria na IMSA e decidira inscrever sua equipe também no campeonato da CART. Emerson disputou as duas primeiras corridas, em Long Beach e Phoenix, com um March-Cosworth de 1983.
A impressão inicial, porém, deve ter sido esquisita. Anos mais tarde, Emerson confessou que não teve uma impressão das mais favoráveis ao saber que correria com um carro pintado de cor-de-rosa com faixa roxa. O macacão também era cor-de-rosa. Talvez Emerson tenha tido um temor parecido com o de 1970, quando venceu seu primeiro GP, nos Estados Unidos, com seu Lotus-Ford ostentando o número 24. Na época, brincou: “Espero que não tenham feito muitas piadas sobre isso”.
Não fizeram em 1970 e não fizeram em 1984. Em sua estréia na Fórmula Indy, Emerson terminou em 5º lugar. Chamou a atenção de todos por conseguir um resultado tão bom mesmo competindo por uma equipe pequena. Sua capacidade de adaptação, destacada em verso e prosa por Johnny Rutherford durante o teste em Indianapolis em 1974, também foi logo percebida por todos os chefes de equipe.
Viria então Indianapolis, a mesma corrida que Emerson considerara perigosa demais após o teste do McLaren M16 em 1974. Emerson não escapou da acusação de ter voltado a competir unicamente por causa de dinheiro – o mesmo já havia sido dito de Niki Lauda quando ele voltou à F 1 pela McLaren, em 1982. Mudara Emerson ou mudara Indianapolis?
– Eu estou mais velho e os carros de hoje são muito mais seguros. Além disso, senti o mesmo entusiasmo de outros tempos. Estou gostando muito daqui.
Na corrida, Emerson não foi muito longe: abandonou após cerca de 30 voltas, por quebra da pressão do óleo do motor. Largou em 23º e chegou a ocupar o 16º lugar. Foi a última corrida com o carro cor-de-rosa: depois disso, Emerson recebeu propostas de equipes melhores e deixou a WIT. Sempre pilotando March-Cosworth, participou de duas provas pela equipe California Cooler e depois ingressou na Patrick Racing, pela qual obteve seu melhor resultado da temporada: um 4º lugar em Mid-Ohio. Por fatores diversos (um deles, a coincidência de algumas datas com as do Campeonato Brasileiro de Marcas), Emerson disputou apenas nove das 16 corridas da temporada da CART em 1984.
A Patrick confirmou Emerson para 1985 e daí em diante ele se reencontrou. Liderou a 500 Milhas de Indianapolis e em agosto de 1985 venceria sua primeira corrida na CART, a 500 Milhas de Michigan. O sucesso e o pleno prazer de pilotar haviam sido reeencontrados. Emerson estabeleceu-se em Miami, tornou-se extremamente popular nos Estados Unidos. O semblante preocupado dos últimos anos na F 1 dera lugar à expressão jovial e simpática com a qual os brasileiros se acostumaram nos anos da Lotus e da McLaren.
Emerson venceria corridas na CART em praticamente todas as temporadas que disputou na categoria. Mas foi em 1989 que ele atingiu o ponto mais alto de sua volta por cima. Conquistou o título e ainda venceu a 500 Milhas de Indianapolis após uma disputa acirrada com Al Unser Junior. Em 1993, outra temporada memorável. Emerson lutou pelo título com Nigel Mansell e teve disputas épicas com o piloto inglês. Uma delas foi em Cleveland, onde os dois travaram uma disputa inesquecível pelo 2º lugar, chegando a trocar várias vezes de posição em uma mesma volta. Emerson venceu este duelo. Terminou o ano como vice-campeão, atrás de Mansell, mas coroou sua temporada com mais uma vitória na 500 Milhas de Indianapolis.
Em 1995, entrevistei Emerson para a revista Grid e passamos um bom tempo falando sobre o começo de sua carreira nos EUA. Tudo começou quando perguntei-lhe qual havia sido a pior equipe pela qual havia corrido. “Foi a WIT, do Pepe Romero. Ele sumiu do mapa depois que a WIT deixou a CART. Era um bom sujeito, mas tinha uns ataques… Em 1984, a uma semana da 500 Milhas de Indianapolis, estávamos no apartamento que a equipe alugou na cidade. Durante uma reunião, o Jim Bell, que era o chefe dos mecânicos, disse que havia demitido um mecânico. O Pepe ficou louco! Começou a berrar, demitiu o Jim e, histérico, pegou uma televisão e atirou-a pela janela! Eu fiquei parado, só olhando e pensando: ‘Meu Deus, eu corro para a equipe desse cara!”
Depois das risadas, perguntei a Emerson qual havia sido o pior piloto que ele já havia visto correr. E Pepe Romero foi novamente citado. “Depois que saí da WIT, ele foi correr em Portland com o mesmo carro que eu vinha usando. Só que bateu em outro piloto na volta de apresentação e nem largou.”
Nenhuma dessas histórias, porém, foi contada em tom de galhofa. Logo em seguida, Emerson fez questão de ressaltar o quanto era grato a Pepe Romero: “A equipe dele me lançou na Indy e foi o ponto de partida da melhor fase da minha carreira”, disse, sério. A entrevista acabou em seguida, com uma brincadeira: “Ele só não precisava ter me obrigado a correr com aquele ‘pink’ escandaloso…”.
Luiz Alberto Pandini |