Parecia que piloto brasileiro era algo que dava em árvores. Mesmo após a morte de Ayrton Senna, diversos nomes conseguiram, por talento ou por dinheiro, abrir caminho no apertado funil das vagas nas equipes da Fórmula 1. Os nomes de Pedro Paulo Diniz, Tarso Marques, Ricardo Rosset, Ricardo Zonta, Luciano Burti, Enrique Bernoldi, Felipe Massa, Cristiano da Matta e Antonio Pizzonia têm algo em comum: pertencem à toda uma geração que começou no kart embalada no sucesso que Nelson Piquet e Ayrton Senna obtiveram na categoria, sem falar nas vitórias de Emerson Fittipaldi em Indianápolis. A idéia de um talento natural para o automobilismo que o brasileiro teria no sangue foi altamente difundida e “comprovada” pelo sucesso de nossos principais nomes no automobilismo de ponta.
Mas esta situação acabou. Hoje, o kartismo brasileiro vive um refluxo muito grande, especialmente nas categorias menores. Deveria ser o contrário: diversos garotos dando os primeiros passos e com o número de participantes se afunilando por uma espécie de seleção natural a medida que estes subissem de categoria. A fonte está se esgotando.
Há dois motivos para este fenômeno. Um é antigo e contornável. O alto custo de uma temporada no kartismo brasileiro (para os que querem ganhar campeonatos) assusta qualquer pai ou patrocinador nesta época de recessão econômica mundial. Mas isto já aconteceu antes e basta um período de bonança para os investidores voltarem ao automobilismo em geral, incluindo o kart.
O outro motivo é o que preocupa. A geração que está começando nasceu quando já não havia mais Emerson, Piquet ou Senna nas pistas. São garotos da geração Rubens Barrichello. E a imagem de Rubinho no Brasil é muito negativa. Hoje em dia, se um garoto declara que quer ser piloto de corridas, provavelmente vai ser motivo de chacota dos colegas. “Vai lá Rubinho, vai ser segundão”, é o tipo das piada que vai ouvir o tempo inteiro.
Não quero aqui entrar no mérito se Barrichello é o culpado pelas críticas que recebe ou se é vítima das desmedidas expectativas da coletividade brasileira. A questão é que há cada vez menos interesse no kart, que é a base de tudo. Com o tempo, vai diminuindo também o número de pilotos de qualidade nos campeonatos de monopostos.
Os efeitos disto já são visíveis. Na atual temporada, a Fórmula 3 Sul-Americana mal consegue juntar dez carros no grid de largada. E, na Europa, o único nome que realmente parece estar perto da Fórmula 1 é o de Nelsinho Piquet. O que acontecia até há muito pouco tempo atrás, com uma penca de brasileiros andando na frente na F-3000 Internacional e na Européia, acabou. A fonte está se esgotando.
O que me corrói por dentro é a visão tacanha de pais e patrocinadores em relaçãoao kart. Quando havia pilotos brasileiros vencendo, a modalidade parecia uma mina de ouro. Agora que nossos nomes em categorias de ponta não correspondem, eles fogem de lá como o diabo da cruz. O que ninguém percebe é que não há uma fonte milagrosa. Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet, Ayrton Senna não são frutos de uma base eficiente do automobilismo brasileiro. Isto nunca existiu. Os três são uma feliz exceção, pilotos de grande talento, determinados, inteligentes, maduros e que contaram com investimento e sorte na dose certa para terem carreiras vitoriosas. Ser brasileiro não basta.
Não há motivo para refluxo. O fato de não ganharmos um título na Fórmula 1 há tanto tempo não significa que há algo errado na base do nosso automobilismo. Os pilotos que eu citei no início desta coluna não deram certo na categoria por algum detalhe que não faltou aos três campeões do mundo (falta de maturidade, de talento, um contrato mal-feito, azar, etc.). Mas tudo começa pelo kart, e isto necessita de um certo investimento. É preciso baratear os custos, criar uma política que torna a modalidade mais atrativa para patrocinadores. E, principalmente, mudar a mentalidade de atrelar a chance de nossos novatos ao sucesso de nossos pilotos de ponta. Ou muda, ou a fonte vai se esgotar.
Abraços e até a próxima semana,
Luis Fernando Ramos |