OS MAUS PERSONAGENS

A MAIS INESPERADA DAS DOBRADINHAS
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Fecham-se as cortinas do teatro e dois personagens ficam gravados na mente. Um é o protagonista da peça do último fim-de-semana, o palhaço brasileiro que contraria todas as expectativas e rouba a cena do show preparado para o malabarista alemão. Outro é o mafioso italiano, que em sua cega obsessão pelo poder não hesita em eliminar antigos aliados e fechar alianças com velhos inimigos.

Os papéis foram brilhantemente desempenhados, respectivamente, por Rubens Barrichello e Flavio Briatore. Mas a falta de caráter dos personagens de ambos é tão clara que não resisto em confundir ficção e realidade. Encho os pulmões de ar e vaio os dois atores, misturando gosto, ódio e desprezo.

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Os sinais estavam claros desde a assombrosa classificação de sábado. Após uma enorme seqüência de desempenhos sofríveis, Rubens Barrichello daria mais um show. Foi a oitava vitória de sua carreira, sendo que quatro delas foram grandiosas: a primeira, na Alemanha em 2000; as duas do ano passado, na Inglaterra e no Japão; e a do último domingo.

Mesmo tendo feito a escolha errada dos pneus para a largada, o brasileiro se recuperou com uma corrida perfeita, andando forte em todos os momentos. Como ele, eu também não acreditei quando sua Ferrari apareceu no meio da corrida em quarto lugar, andando pertinho dos líderes.

Após achar que suas chances tinham ido embora com o pit-stop na quarta volta, tive naquele momento a certeza de que a vitória seria dele. “Genial”, pensei. “Vai protagonizar a festa preparada para o Schumacher e ainda tirar o peso da necessidade de vencer antes do GP do Brasil, quando a pressão seria quase insuportável”.

Por seu desempenho em Monza, Rubens Barrichello mereceria todas as reverências do mundo. Mas há aquela boca grande. Como já havia feito em Hockenheim-2000, o piloto voltou a evocar uma inspiração do falecido Ayrton Senna. “Como aconteceu com ele, me imaginei em um túnel e acelerei fundo, conseguindo voltas rápidas e a vantagem necessária para a vitória”, foi mais ou menos o que ele comentou.

Pára com isso, Rubinho! Pelo amor de Deus, deixa de falar bobagens! Com citações como estas, o piloto sempre traz de volta a imagem de substituto do tricampeão. Uma imagem que ele mesmo criou ao pintar em seu capacete, no GP do Brasil de 1995, o lay-out utilizado por Senna. Uma imagem que tanto o prejudicou no início de seu percurso na Fórmula 1 e que ele demorou tanto para se ver livre dela.

As declarações do brasileiro na vitória reforçam a imagem de que ele é um piloto regular que esporadicamente tem uns dias bons. É como se fosse preciso baixar o espírito de Senna para que um grande triunfo apareça. Está na hora de mudar a atitude e, dentro de si, acreditar que o Rubens do último domingo é o normal, e que o Rubens do resto da temporada é a exceção. Por isto tudo, vai ganhar vaia.

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Antonio Pizzonia testou o Fórmula 1 da equipe Benetton no ano 2000, quando era o líder da F-3 Inglesa. Mostrou a extrema velocidade que lhe é natural (e o recorde do último domingo reforça ainda mais isto), levantando as grossas sobrancelhas do chefão Flavio Briatore. Este se apressou em redigir um contrato leonino e o apresentou à jovem promessa brasileira. Pizzonia leu, e como manda o bom senso, recusou. Ainda havia mais três ou quatro dias de testes agendados com a equipe, e o brasileiro só conseguiu marcar tempos medíocres. “Mexeram no carro para que eu não andasse rápido”, me confidenciou um dia.

O tempo não tardou a lhe dar razão. Na temporada de 2000, o italiano Giancarlo Fisichella (cujo passe pertencia na época a Briatore) massacrou em treinos e corridas seu companheiro na Benetton, o austríaco Alexander Wurz. Quase no fim da temporada, porém, Físico teve uma briga com o chefe por alguns detalhes contratuais. Nas três últimas corridas do ano, como se fosse um milagre, foi a vez de Wurz humilhar seu parceiro. Coincidência?

E o pobre Jarno Trulli? Conseguiu este ano colocar a badalada promessa Fernando Alonso sob enorme pressão, com boas performances nos treinos e uma ótima vitória na corrida mais badalada do calendário, em Mônaco, o que garantiu enorme publicidade a seus patrões. Mas se desentendeu com Briatore e, de repente, começou a andar muito mal, perdeu a competitividade e acabou sendo “convidado” a pegar o boné e ir embora faltando três corridas para o final.

Não há nada mais feio do que sabotar a performance de um piloto. Com mão de ferro, Briatore mostrou ser capaz de levar uma equipe ao sucesso, como conseguiu com a Benetton e, em menor escala, com a Renault. Mas percebeu também que poderia ganhar muito dinheiro gerenciando a carreira de pilotos, ainda mais quando pode conciliar esta atividade com a de chefe de equipe.

E alguns destes pobres coitados vêem todos os seus esforços jogados fora para que o mafioso possa sustentar os vícios de Naomi Campbell ou o filho de Heidi Klum. Um sujeito desse merece vaias, muitas vaias. Ou melhor: uma enorme chuva de ovos e tomates!

Abraços e até a próxima semana,

Luis Fernando Ramos
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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