Confesso: se alguém me perguntasse, no momento em que era completada a primeira volta do GP da Itália, se havia alguma possibilidade de a Ferrari terminar a corrida com seus dois carros nos dois primeiros lugares (não importa em qual ordem), minha resposta teria sido “não”.
Na largada, a pista estava úmida, mas o sol brilhava. Rubens Barrichello foi o único piloto de ponta a largar com pneus intermediários. Disparou nas primeiras voltas, mas logo precisou parar nos boxes para colocar pneus para pista seca. Quando voltou, ficou várias voltas andando em um ritmo mais lento que o dos pilotos à sua frente. Enquanto isso, Michael Schumacher rodava na chicane que antecede as duas curvas Lesmo e caía para 15º lugar. Andava forte, mas daí a pensar em vitória ou mesmo em pódio eram outros quinhentos.
Uma mistura perfeitamente equilibrada de planejamento estratégico, carros competitivos e talento dos pilotos deu à Ferrari uma dobradinha que, 53 voltas antes da bandeirada final, podia ser considerada improvável. Foi a primeira vitória de Barrichello na temporada e um grande passo rumo ao vice-campeonato, que passa a ser o objetivo da Ferrari até o final da temporada.
Uma dúvida ficou na cabeça do espectador mais atento: Schumacher deixou de ultrapassar Barrichello porque não conseguiu ou porque há um acordo para que os dois pilotos não disputem posição? Como escrevo ainda sem ter acesso às declarações dos pilotos, arrisco um palpite: o alemão tinha totais condições de ultrapassar o brasileiro. Não o fez porque a Ferrari sempre recomendou a seus pilotos que mantivessem posições em situações mais tranqüilas para a equipe, e era o caso nas últimas voltas do GP da Itália. Para confirmar isso, seria interessante analisar os tempos de Schumacher nas voltas anteriores à aproximação com Barrichello e compará-los, por exemplo, com o ritmo que ele manteve nas voltas finais.
Havia em jogo a disputa pelo vice-campeonato, que ainda não está assegurado para Barrichello. Os pontos da vitória mais seriam – do ponto de vista da equipe – muito mais importantes para o brasileiro do que para o alemão. Sem contar que um eventual toque entre ambos poderia resultar em um segundo lugar, ou mesmo a vitória, de graça a Jenson Button, justamente na Itália e para o piloto que disputa o vice-campeonato com Barrichello. E há, finalmente, o principal: a rodada na primeira volta jogou Schumacher lá para trás, enquanto Barrichello ficou o tempo todo entre os primeiros.
Ainda sobre Schumacher, chamou minha atenção o fato de que ele mostrou muito mais alegria e satisfação no pódio de Monza, uma corrida na qual rodou e terminou em 2º lugar, do que na da Bélgica, onde conquistou o heptacampeonato ao terminar nessa mesma posição.
+++
Os outros brasileiros tiveram atuações medianas. Zonta fez o que pôde com o pouco competitivo carro da Toyota. Massa, como Barrichello, largou com pneus intermediários e teve que parar logo no começo da corrida para substituí-los pelos de pista seca. Voltou em último, mas se comprometeu de vez ao perder o bico do carro em uma disputa com Nick Heidfeld.
Antonio Pizzonia fez uma corrida agressiva depois de passar em último na primeira volta (foi uma das vítimas do piso escorregadio na chicane da Lesmo, a mesma onde Schumacher rodou). Terminou em 7º lugar e ainda leva para casa o recorde da maior velocidade máxima registrada por um F 1 em corrida: 369,9 km/h. A marca anterior era de Schumacher: 368,8 km/h no GP da Itália do ano passado. Bons motivos para comemorar, mas por outro lado há um fato: Pizzonia errou demais durante a corrida. Depois da primeira volta, saiu da pista outras duas vezes e ainda bateu em Coulthard numa tentativa suicida de ultrapassagem. Felizmente o toque não teve conseqüências para nenhum deles.
Ainda sobre saídas de pista, chamou minha atenção o comportamento de Christian Klien na primeira chicane. Pode ser uma tremenda bobagem, mas fiquei com a nítida impressão de que ele saiu reto de propósito na primeira chicane quando viu que Schumacher e Button estavam atrás de si, disputando o segundo lugar. E, claro, não poderia deixar passar em branco as três saídas de pista de Zsolt Baumgartner nessa mesma chicane.
+++
E ainda não foi desta vez que vimos um GP em Monza ser disputado com chuva.
Em 1993, o assunto “possibilidade de chuva para domingo” era quase obrigatório nas matérias pré-corrida. Isso porque que Ayrton Senna havia vencido duas corridas (Brasil e Europa) aproveitando a pista molhada. Fui a Monza para cobrir a corrida para a Agência Estado, O Estado de S. Paulo e Jornal da Tarde, e tentei a certa altura lembrar quando havia acontecido o último GP da Itália sob chuva. Minha memória regrediu até 1970 e não encontrou nenhum GP em Monza nessas condições – no máximo, uma garoa antes da largada da prova de 1981, tão leve que todos os pilotos largaram com pneus slick.
De 1969 para trás, o conhecimento era esparso, e não havia nenhum GP em Monza com chuva nas poucas imagens que eu me lembrava de ter visto em livros e revistas. Foi quando vi, a alguns metros de distância, a figura de Franco Lini, veterano jornalista italiano (falecido em 1996) que acompanhava a F 1 desde o primeiro GP, em 1950. Não tive dúvidas: apresentei-me a ele e, falando em português mesmo (ele se expressava bem em nossa língua), perguntei-lhe se ele lembrava de algum GP da Itália disputado sob chuva. Lini ficou em silêncio, franziu a testa e respondeu: “Realmente, não lembro de nenhum. Acho que nunca teve…”
Luiz Alberto Pandini |