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Conspiração?
26/09/2004
EQUIPE GPTOTAL ESTRÉIA EM CORRIDA BASTANTE DISPUTADA!
30/09/2004

SENHORAS E SENHORES, O M23

– Manuel Blanco

É possível que este título a alguns lhes pareça um pouco solene. Porém, creio que é bastante adequado, pois estamos perante o carro mais vitorioso da F1, nem mais nem menos, e para muitos (incluído eu mesmo) um dos mais belos bólidos que puderam ser vistos na categoria.

Um verdadeiro clássico que, também, foi o mais longevo, pois esteve presente nos grids durante seis anos, mostrando uma versatilidade assombrosa e acolhendo em seu cockpit a vários dos mais destacados pilotos da formula 1 em algum momento das suas carreiras. Esta é a sua fascinante história.

No fim da temporada de 72, Teddy Meyer, então manager da McLaren, encomenda a Gordon Coppuck, o engenheiro chefe da equipe, a preparação do novo carro para 1973. Naqueles anos, a McLaren, mesmo estando presente na F1 desde 1966, dava maior prioridade aos campeonatos americanos, onde também participava com bastante sucesso (Can-Am, USAC e Formula 5000). Portanto, Meyer lhe diz a Coppuck que não perca muito tempo com o carro de F1 e que seja um modelo barato. Coppuck, estabelece uns princípios básicos para o projeto, cujo código passa a ser M23, e deixa o resto por conta do seu jovem ajudante, um tal John Barnard.

A tarefa de Barnard, como lhe havia dito Coppuck e para poupar tempo e dinheiro, consistia em equipar o chassi do M16 (o carro com o que a equipe disputava o campeonato USAC) com a suspensão do M19 e adaptar o carro à formula 1.

O projeto e construção do carro levou apenas três meses, e os primeiros testes começaram logo depois no circuito de Goodwood, no sul da Inglaterra. Quando Denny Hulme voltou ao box, depois das primeiras voltas com o novo carro, todos estavam ansiosos por saber a sua opinião sobre o M23. Hulme, com a satisfação ainda gravada na cara, diria : “The bastard goes like a bomb” (“O danado vai como uma bomba”). Porém, ninguém podia imaginar até onde o “danado” seria capaz de chegar.

John Barnard, então com apenas 26 anos de idade, seguiu perfeitamente as instruções de Coppuck, mas foi-lhe impossível impedir que o seu enorme talento aflorasse, e o M23 acabou sendo muito mais que uma simples combinação do M16 e do M19, pois tudo havia sido melhorado.

Bastava dar uma olhada no M23 para ver que as suas linhas eram muito mais elaboradas que as do M16, e as suspensões do M19, também tinham sido aperfeiçoadas. Como prova do trabalho impecável feito no M23, é só dizer que foi o primeiro carro com o volante extraível para facilitar o resgate do piloto em caso de acidente, e a tomada de ar do motor apresentava formas muito mais refinadas que as dos outros carros da época.

O M23 disputa o seu primeiro GP na África do Sul, onde Hulme consegue a pole (a única de toda a sua longa carreira) e, só não ganha a corrida por culpa de um pneu furado que o obriga a entrar no box para trocá-lo. Ainda assim, terminaria em quinto lugar. Logo depois, na Suécia, chegaria à sua primeira vitória e Peter Revson acabaria vencendo na Inglaterra e no Canadá. A McLaren, que nos últimos três anos, só tinha vencido uma corrida, acabava de vencer três naquele ano graças ao M23. Jody Scheckter, estrearia na categoria pilotando o M23 em algumas corridas.

Em 1974, a temporada começa com vitórias na Argentina (Hulme) e no Brasil (Fittipaldi), além da corrida inaugural do autódromo de Brasília, deixando claro que o M23 não estava disposto a render-se perante a superioridade da Ferrari. Numa acirrada luta que dura toda a temporada, Emerson Fittipaldi consegue, finalmente, bater a poderosa Ferrari somando outras duas vitórias (Bélgica e Canadá) ao currículo do M23, convertendo-se no primeiro piloto da equipe em consagrar-se campeão mundial. A McLaren, também vence o campeonato de construtores esse não.

Esse mesmo ano, o grande Mike Hailwood, entra na Fórmula 1 com o terceiro M23 e, após belas corridas, sofre um grave acidente em Nurburgring, que acaba com a sua carreira.

Em 1975, apesar da vitória inicial de Emerson na Argentina, o M23 começa a apresentar os primeiros sintomas de que o tempo não passa em vão, e a McLaren não pode oferecer resistência às Ferrari.

Mesmo assim e graças a uma inovação introduzida no M23, Emerson ainda seria vice campeão vencendo outro GP (o da Inglaterra). A inovação, consistia num dispositivo que permitia ao piloto regular a dureza da suspensão dianteira durante a corrida. Jochem Mass, que tinha entrado na equipe no lugar do retirado Hulme, vence o infausto GP da Espanha.

Em 1976, a McLaren tem que começar a temporada com o M23, pois o seu substituto ainda não estava pronto. A saída de Emerson e a ausência de Barnard, que já não estava na equipe, retrasavam o desenvolvimento do M26. Com quatro anos nas costas, o velho M23 parecia ter a sua aposentadoria próxima. Porém, outras duas e derradeiras inovações lhe insuflariam novos brios e, com todo o seu vigor recuperado, o M23 é capaz de colocar James Hunt no degrau mais alto do pódio em seis ocasiões (além de vencer a Corrida dos Campeões e o BRDC Trophy), numa apoteose final que levaria o Inglês a proclamar-se campeão mundial.

Uma dessas inovações foi a caixa de câmbio de seis marchas com a que a equipe pretendia aproveitar melhor a potência do motor. A BRM, no principio dos anos 60, já tinha provado uma dessas caixas, mas a do M23 foi a primeira usada regularmente e… resultou ser um completo sucesso. A outra inovação daquele ano era mais sutil e consistia numas pequenas saias, ou deveríamos dizer mini saias, instaladas nos flancos do carro para aumentar o seu rendimento aerodinâmico.

Gordon Murray também tinha instalado essas mini saias nos seus BT45 porém no M23, elas se prolongavam por baixo do carro até o bico formando uma V. Com isto, Coppuck conseguia gerar uma pequena depressão na zona interior da V que dava ao carro um downforce extra, fazendo que o M23 fosse o primeiro carro que teve a sua estabilidade melhorada atuando sobre o fluxo de ar que passa por baixo do carro.

O GP da Inglaterra, registraria a estréia de Gilles Villeneuve na formula 1. Foi ao volante de um M23 e aquela seria a única corrida que ele não disputou com uma Ferrari.

Em 1977, a McLaren, novamente, começa a temporada com o M23, pois o M26 continua não estando pronto, mas resulta evidente que o M23 trinha chegado ao limite da sua evolução. Mesmo assim, o “danado” ainda venceria a Race of Champions, como se fosse uma espécie de despedida triunfal. Pouco depois, o M26 ocupa o seu lugar na equipe. Porém, o M23 continuaria competindo com equipes privadas até 1978 e o GP da Itália desse ano, seria a sua última corrida na Fórmula 1. Ao seu volante estava um piloto recém chegado à categoria e que poucos conheciam : Nelson Piquet.

O M26, em nenhum momento deu sinais de poder, sequer, comparar-se ao M23. A ausência de John Barnard parecia um obstáculo insuperável para a McLaren e, os modelos que vieram a continuação (M27, M28, M29 e M30), resultaram ser ainda piores, apesar da contratação dos engenheiros Gary Anderson, Tyler Alexander e Tim Wright. De fato, a McLaren só recuperaria o seu lugar entre as grandes equipes da F1 com o retorno de Barnard.

Em total, o M23 venceu 20 corridas (16 oficiais e 4 extra oficiais) com cinco pilotos diferentes ao longo de cinco dos seis anos em que esteve ativo nas F1. Fittipaldi e Hunt, foram campeões com o M23 e outros três campeões, também, pilotaram o carro: Hulme, Scheckter e Piquet. Assim como dois vice campeões : Ickx e Villeneuve. E não devemos esquecer do mítico Haylwood.

Contudo, a história do M23 não acaba aqui, pois o “danado” também deu muitas satisfações em outros campeonatos somando outras treze vitórias e dois títulos. Participou nos anos 74 e 75 no campeonato sul africano de Fórmula 1 vencendo oito corridas e dando o titulo de campeão a Dave Charlton em 1974. Competiu no campeonato Aurora de Fórmula 1 nos anos 77 e 78 , onde Tony Trimmer conseguiu outras cinco vitórias e o titulo em 77.

E ainda há uma ultima curiosidade: em 1976, a Mclaren já estava prioritariamente dedicada à Fórmula 1 devido ao contrato que tinham com a Marlboro e ao enorme crescimento que a categoria registrava. Gordon Coppuck estava envolvido de cheio no projeto do M26 e, quando teve que preparar um novo carro para a formula USAC, ele simplesmente pegou o velho M23 e o adaptou à formula americana (contou com a ajuda de John Baldwin).

Foi uma adaptação muito fácil, pois até o motor continuava sendo um Cosworth e não os habituais Offenhauser usados anteriormente. O caso é que o carro foi inscrito para o campeonato de 1977 sob o código M24 e o piloto Tom Sneva, acabou ganhando o campeonato aquele ano ao seu volante. Este “irmao” do M23 continuou competindo até 1979 conseguindo varias vitórias nos ovais americanos.

Também houve outro “irmão”: o M25. Este modelo, desenhado por Barnard para competir na formula 5000, acabaria disputando apenas duas corridas em 1976. É que a categoria já agonizava e logo seria abolida.

Aquele carrinho, nascido com poucas pretensões, tinha escrito algumas das mais belas páginas da história do automobilismo e já era todo um mito. Naquele inverno de 1973 no circuito de Goodwood, ninguém podia imaginar que o “danado”, cujas geométricas e nada sofisticadas linhas não pareciam sugerir grande coisa, seria capaz de adaptar-se aos mais diversos circuitos de todo o mundo e aos mais diferentes estilos de pilotagem como nenhum outro carro jamais tinha feito… nem faria.

Nas mãos de pilotos refinados como Hulme ou Fittipaldi, o M23 respondia de forma tão serena e submissa quanto um cachorro guia, mas nas mãos de pilotos combativos como Scheckter ou Hunt, o carro reagia com a fogosidade de uma jovem amante.

O “danado” encerrou a sua carreira com um currículo impressionante, e seus pilotos venceram corridas e tornaram-se campeões nas quatro categorias em que participou (incluindo o M24) e a sua adaptabilidade permitiu que alguns estreantes demonstraram suas qualidades, abrindo-lhes as portas de outras equipes.

Não é à toa que o M23 é considerado um dos melhores carros de todos os tempos.

Manuel Blanco, Valencia-Espanha
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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