CORRENTE PRÁ FRENTE

DE VOLTA À NORMALIDADE
10/10/2004
Interlagos, 1975
18/10/2004

O clima já está no ponto para o Grande Prêmio do Brasil. Em sua chamada televisiva para o evento, a Rede Globo captou o sentimento da maioria dos torcedores e chamou a atenção para a possibilidade de Rubens Barrichello vencer pela primeira vez uma corrida de Fórmula 1 no País. E de maneira justificada. O piloto chega em São Paulo após uma seqüência de boas apresentações: show e vitória em Monza; boa corrida e vitória em Xangai; azar com o clima (e o formato idiota dos treinos) e uma ótima corrida em Suzuka, onde acabou abandonando em um lance normal e aceitável para uma prova de recuperação como a que ele fazia. O ponto positivo no Japão foi ver Rubens Barrichello arriscando e partindo para cima, algo que ele pouco fez na maior parte desta temporada.

Odeio o ufanismo barato, praticado muito por aqui. Fico arrepiado de desgosto quando classificam Ayrton Senna, um dos grandes desportistas do Brasil, como um “herói”. Ora, herói é Tiradentes, que lutou diretamente para transformar a vida da população. Valorizar o “heroísmo” de Senna (ou da Seleção canarinho, por exemplo) em trazer alegria para um povo tão sofrido é contribuir para manter o (des-equilíbrio social reinante. É bater palmas para a política do pão e circo.

Claro que podemos – e devemos – ficar felizes com o sucesso de nossos compatriotas nos diversos esportes. Mas não dá para elevar ninguém à condição de herói. O triunfo, a princípio, é do atleta, um profissional como qualquer outro. Quase em todos os países. ele busca a satisfação pessoal e quer retribuir o apoio de seus patrocinadores. Se Schumacher vence ou perde, o problema é dele, não da Alemanha. Por isso mesmo, ele não é uma unanimidade em sua terra. A vida de um povo é afetada por uma lista de fatores, e o esporte está bem no fim dela.

É assim que Rubens Barrichello deve encarar a corrida do dia 24. É um desafio a si mesmo, a busca de um sonho de criança em vencer com a pista de Interlagos lotada. Se o piloto buscar a vitória “para o público brasileiro”, vai acabar se dando mal. Não dá para andar rápido carregando nos ombros as expectativas de milhões de pessoas. É hora de correr pela glória, não pela pátria.

Rubinho sempre foi um espetáculo à parte nas corridas no Brasil. Já usou as cores do capacete do Senna, fez primeira fila com a Jordan, largou na pole com a Ferrari. E, no ano passado, deu sinais de que já sabe lidar com a pressão de correr em casa. Dentre os mais de 180 milhões de brasileiros, foram dele as palavras mais serenas após o absurdo abandono seu por pane seca, quando poderia vencer uma corrida para lá de caótica.

É pela postura de Barrichello em 2003 e por seu bom desempenho nas corridas mais recentes que vou me juntar à corrente nacional. No dia da corrida estarei lá e cruzarei os dedos e os outros ossos do corpo torcendo por um triunfo do piloto brasileiro. Se ele perder, cabe a mim buscar com isenção de paixão os motivos para o ocorrido. Se ganhar, ficarei muito feliz. Não porque sou brasileiro, mas porque o desportista Rubinho alcançará um objetivo importante em sua trajetória profissional. E está fazendo por merecer.

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Quanto aos torcedores brasileiros, só me resta aplaudi-los de pé. Já são dez anosque um piloto daqui não vence em Interlagos. Mesmo assim, todo ano as pessoas compram os ingressos a preços salgados, formam fila de madrugada para entrar no autódromo e fazem uma das festas mais bonitas da temporada. Um dos pontos altos da Fórmula 1 é a paixão do público tupiniquim. Mudam circuitos, pilotos, equipes, mas ela continua lá.

E da mesma forma. Vejamos: em 1973, o GP do Brasil integrou pela primeira vez de forma oficial o calendário da categoria. Um público de 150 mil pessoas (pode se ver que, como os estádios de futebol, Interlagos também encolheu) enfrentou o calor do verão e lotou as arquibancadas. Enquanto os bombeiros refrescavam a turma com jatos d’água, o locutor do circuito incentiva alguns gritos de guerra. “Um, dois, três, Stewart é freguês” foi um dos mais populares. E quando Fittipaldi rasgava a reta rumo à vitória, vinha o urro “Emerrrrrrson fenomenal!”, puxando bem o ‘r’. Como o animador de auditório global (o que ele faz não é locução) fará na próxima corrida, puxando a torcida para Rrrrrrubens Barrichello.

Um abraço e até a próxima semana,

Luis Fernando Ramos
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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