Haverá algum dia na Fórmula 1 disputa tão intensa quanto a que envolveu Ayrton Senna e Alain Prost entre 88 e 90? E, em havendo, existirá síntese tão perfeita e complexa desta disputa quanto os GPs disputados em Suzuka nestes anos? 88. Senna e Prost de McLaren Honda chegam a Suzuka, penúltima corrida do ano, depois de dividirem entre si a vitória em todos os GPs do ano, menos um. Prost tem cinco pontos a mais no campeonato mas a regra dos descartes de pontos tornava a corrida muito mais dramática do que as aparências. Em poucas palavras: quem a vencesse levava o título.
Dada a largada em Suzuka, Senna, da pole, vê o motor do seu McLaren sofrer o equivalente ao um engasgo causado, talvez, pelo nervosismo do brasileiro ao soltar o pedal da embreagem – lembra-se dela? Isso lhe custa 14 posições, com Prost escapando na frente. Senna inicia então uma recuperação impressionante. Na primeira volta, ele já passa em 8o e, na seguinte, em 6o, nove segundos atrás de Prost. É que os McLaren eram muito superiores ao resto do grid, Senna estava ainda mais determinado do que normalmente e Prost enfrentava problemas graves com o câmbio do seu carro a ponto de, na 15a volta, ser ultrapassado por Ivan Capelli, pilotando o equivalente atual a um Sauber. Mais um volta e uma garoa leve começa a cair sobre Suzuka, fraca a ponto de dispensar uma troca de pneus, mas suficiente para fazer com que Prost aliviasse o seu ritmo de corrida em cinco ou seis segundos por volta. É o que basta para permitir a Senna reduzir a diferença e, na 27a volta, aproximar-se do francês na reta de largada, jogar o seu McLaren por dentro, evitar uma fechada de Prost quase tão feia quanto a de Portugal e tomar a ponta da corrida. Os japoneses e o mundo inteiro não contêm a admiração por aquele rapaz com ar de menino que finalmente havia se imposto na mais dura categoria do automobilismo (Faltando umas três horas para a largada da corrida, o meu cunhado bate o carro em algum lugar do Tremenbé, zona norte de São Paulo. Na falta de opção melhor, telefona para minha casa e pede que vá socorre-lo. Eu, contra todas as expectativas, fui. Nem lembro direito como mas consegui voltar para casa em tempo de pegar a largada. Não foi só Senna que se superou ao volante naquela madrugada chuvosa…) Em 89 tinha mais. Prost e Senna rompem espetacularmente diante dos olhos do mundo, iniciando o maior barraco já visto na categoria. Senna emenda uma série de quebras no meio da temporada e chega a Suzuka 16 pontos válidos atrás do rival, com duas corridas pela frente. Vencer ambas era a única alternativa que lhe daria o título. Os dois dividem a primeira fila, de novo. Senna, na pole, tem seus olhados mostrados em close pela TV japonesa segundos antes do sinal verde; parecia ligeiramente assustado com as enormes responsabilidades que pesavam sobre seus ombros. Prost, mostrado a seguir, tinha a viseira do capacete abaixada, o que dava aos seus olhos um ar malévolo.
Faltando seis voltas para o final, Senna tenta o impossível. Numa manobra de total destemor, joga o seu carro por dentro na freada da chicane que dá acesso à reta de largada. E Prost faz o que todos esperavam mas ninguém julgava possível: lança seu McLaren sobre o do brasileiro com dois golpes sucessivos no volante, como a TV japonesa flagrou de vários ângulos diferentes. É uma batida leve, quase não estraga os carros. Os motores param mas Senna insiste com os fiscais que, com um ligeiro empurrão, repõem o motor dele em funcionamento. Retorna à pista, troca o bico do carro e recupera a liderança, ultrapassando Alessandro Nannini. O Japão e o mundo, mais uma vez, se dobram à audácia de Senna. Como todos sabem, ele foi desclassificado momentos depois mas isso já é outra história. Acabou? Ainda não. 89. Prost vai para a Ferrari e consegue acertar um carro apenas mediano e torna-lo vencedor. Em Suzuka, está nove pontos atrás de Senna, dando a impressão de que não seria difícil bater o brasileiro e levar a decisão para a corrida final, na Austrália. E de novo Senna marca a pole e de novo Prost o segundo tempo. Senna pede que a Dada a largada, ele nem se preocupa em tomar a ponta da corrida, limitando-se a acertar a traseiro do Ferrari de Prost logo na freada da primeira curva. Os dois carros mergulham na grande área de escape, deixando um rastro de poeira branca. Não houve desculpas, não houve tentativas de explicar a batida. Os jornalistas, aliás, nem insistiram muito no tema: todos se renderam ao fato de que Senna apenas se vingara de 89. Não foi bonito, não foi esportivo mas foi humano e o que é o esporte senão a reprodução de vida? Bom GP do Japão a todos.
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