Como eu disse outro dia na Rádio F1naweb, com um tanto de sinceridade e quase nada de polidez, estou de saco cheio desta Fórmula 1 de muita fofoca e quase nada de competição.
Estou de saco cheio destas mudanças de regulamento que conseguem apenas aumentar o ridículo dos dirigentes e chefes de equipes. Estou de saco cheio das histórias de cancelamento de GPs, principalmente o da Inglaterra, e de venda de equipes que nunca saem, uma coisa e outra.
Estou de saco cheio de esperar pelas ultrapassagens, que nem precisam ser pela liderança, basta que sejam ultrapassagens. E depois de 18 GPs contamos nos dedos da mão os momentos em que vimos algo mais do que um desfile veloz de carros pela pista.
Estou de saco cheio, enfim, do ambiente cada vez mais mesquinho, onde cada um só quer garantir os milhões já conquistados sem abrir mão de nada, nada mesmo, em benefício de um esporte mais entusiasmante e, por que não, edificante.
Aliás, estou de saco cheio de ver os comunicados pusilânimes de dirigentes e chefes de equipe que nunca falam em esporte, só “espetáculo”, “contratos e advogados”, “receita e despesas”. O dia que eu quiser ver isso, vou ao teatro, ao cartório ou a um banco.
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Mas sou o penúltimo elo em significância nesta cadeia – o último sendo você, caro leitor – e só me resta sonhar com uma Fórmula 1 aliviada de todas esta ambição, onde haja espaço para um mínimo de camaradagem, onde o burrinho da Jaguar não se destaque como se destacou simplesmente porque brincadeiras simpáticas como ela não seriam tão raras. (A propósito do burrinho, será que a turma da Jaguar o levou ao Café Photo?)
Mas creio que, nesta altura, sonhar com isso seja o mesmo que atacar moinhos de vento montado em um Rocinante cheio de sticks de patrocinadores. Posso apenas alertar a quem interessar possa que estas ambições despropositadas não vão acabar bem, assim como aconteceu com a Cart e tantas outras coisas neste mundão de Deus.
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Agora vejam se não tenho razão para estar de saco cheio:
– cria-se um regulamento exigindo motores que durem obrigatoriamente duas corridas e se fixa um pré-calendário com número impar de provas.
– propõe-se a redução dos testes – dez, 24 ou sei lá quantos dias – para gerar economia para as equipes mas não me consta que testar seja obrigatório muito menos que as equipes pequenas testem. De que é que adianta reduzir os testes para uma Jordan ou uma Minardi? Na verdade, este regulamento tem apenas duas conseqüências: primeiro, contribuir para eternizar a superioridade da Ferrari, a equipe mais competente e com melhores condições de simular testes em túneis de vento e computadores; segundo, forçar as equipes aspirantes ao título a gastarem muito mais desenvolvendo simuladores.
– critica-se a total falta de graça dos GPs nas sextas e sábados (fui a Interlagos no sábado para ver os carros passarem acelerados a minha frente por duas vezes!) mas cria-se um regulamento que privilegiará quem treinar menos, na medida em que se economiza motor e pneus.
– apela-se para o ridículo dos ridículos, um pneu capaz de durar treino e corrida, uns 400 km, diante dos 100 km de hoje em dia. Isso reduzirá a velocidade dos carros, alegam os dirigentes mas imediatamente deflagra-se uma corrida pelo desenvolvimento de freios mais suaves, capazes de harmonizar melhor com pneus menos aderentes. E lá se vão os custos para o espaço de novo.
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Falando assim, dá a impressão de que os dirigentes e chefes de equipe são todos uns rematados idiotas. E, quer saber: acho que é isso mesmo.
Quem falou que é preciso ser um gênio para ser chefe de equipe? Colin Chapman era um gênio mas não me consta que Ron Dennis o seja, tampouco esta flor de pessoa que é o Flavio Briatore, o homem que sugeriu que o pole largasse da última posição apenas para aumentar o “espetáculo”. Schumacher largou em último – ou quase – no Brasil. Alguém viu espetáculo?
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Ok, sabichão. O que você faria então?
Primeiro de tudo: enfiaria na cabeça deste povo todo que a Fórmula 1 sempre foi dominada por hegemonias, como as que vemos agora, da Ferrari, e não há nada que possamos fazer a respeito.
A Alfa Romeo venceu os nove primeiros GPs, disputados entre 50 e 51. A Ferrari venceu todos os GPs de 52 e todos menos um de 53 – 14 vitórias seguidas, sendo 11 de Alberto Ascari. E, em 54 e 55, veio o domínio Mercedes. Preciso ir adiante? Se você está procurando uma categoria onde cada corrida é vencida por um piloto e equipe diferentes, vá assistir àquela maracutaia da Nascar.
A segunda coisa que eu enfiaria na cabeça desse pessoal, nem que fosse a marreta, é: não mexam nas regras esportivas. dIsso significa dar a pole a quem for o mais rápido nos treinos, fazer as corridas com 300 km de extensão e dar nove pontos ao vencedor, nada mais.
A terceira coisa seria fazer as pessoas renderem-se ao fato de que, havendo limitações técnicas, sempre haverá mentes e dinheiro suficientes para supera-las. Por isso, ao invés de ficar remendando e remendando o regulamento, eu o deixaria o mais neutro possível e deixaria que as equipes corressem atrás do dinheiro para bancar as idéias dos seus engenheiros. Os melhores, no final das contas, sairiam vencedores, como sempre saíram.
Aos dirigentes, caberia cuidar da segurança, no que eles, por sinal, têm se saído bem, trabalhando com parâmetros de rigidez dos chassis e de segurança das pistas cada vez mais elevados.
Há questões difíceis de serem equacionadas, não nego, como a dos pneus, por exemplo e, neste caso, acho mesmo que não há outra solução que não a do fornecedor único, cortando pela raiz o desenvolvimento quase que degenerado de aderência dos pneus, uma aderência que já é descrita por alguns como “molecular” e que, no caso da Bridgestone, garantiu mais da metade das vitórias da Ferrari em 2004.
O mais importante de tudo seria convencer os dirigentes e chefes de equipes a terem mais amor pelo esporte e um pouco que seja de desapego pelo dinheiro.
Mas eu sou apenas um comentarista e posso apenas ficar aqui, falando e falando, feito um velho ranzinza.
Eduardo Correa |
P.S.: UMA BELA MANHÃ EM INTERLAGOS
Mas meu humor melhorou muito depois de passar a manhã desta quarta-feira em Interlagos, revendo na pista o Fittipaldi FD 01, desenhado em 74 por Ricardo Divila e construído por ele, Wilsinho e uma turma de gente valente, alguns deles presentes ao autódromo.
Foi bonito rever o Fittipaldi na pista, dirigido pelo próprio Wilsinho, por Christian e Ingo Hoffman, que desceu do carro quase que às lágrimas por relembrar os seus duros anos na Europa. Para quem não sabe, Ingo pilotou o Fittipaldi em algumas corridas.
E, claro, foi bom também rever muitos amigos novos e antigos num clima de excelente astral, como vocês podem conferir nas fotos.
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clique nas fotos para ampliar |
Dica importante: quem quiser ver mais fotos e um pouco da história do Fittipaldi, que visite o site da Dana, a empresa que tornou possível com seu apoio a restauração deste belo Fórmula 1. O endereço é www.dana.com.br. (EC)