PÂNICO EM MONTE CARLO

Ceda, Sr. Bernie
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OS MELHORES E PIORES DE 2004 – 6ª PARTE
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Durante a visita que fez ao Brasil no final de outubro, Ricardo Divila contou várias histórias da época em que trabalhou para Emerson e Wilsinho, e em especial na equipe Fittipaldi de Fórmula 1. Uma das mais cômicas aconteceu durante o último treino classificatório para o GP de Mônaco de 1976.

Naqueles tempos, os grids deveriam ter no máximo ou 24 e 26 carros (o número mudava às vezes, mas ficava sempre entre um ou outro) e era comum a quantidade de pilotos inscritos exceder esse limite (bons tempos aqueles). Os pilotos mais lentos nos treinos, evidentemente, ficavam fora da corrida.

Em 1975, o GP de Mônaco aconteceu logo depois do acidentado e traumatizante GP da Espanha (quem quiser mais detalhes sobre essa corrida pode procurá-los na seção “Pergunte ao GPtotal”, com a ajuda de nossa ferramenta de busca). Assustados, os organizadores monegascos e a própria FIA determinaram que naquele ano apenas os 18 pilotos mais rápidos largariam no principado. Para o GP de Mônaco 1976, esse número foi ampliado para 20 carros – norma que se manteve inalterada até a corrida de 1986.

Como as listas de inscritos tinham sempre mais de 20 pilotos, pode-se perceber facilmente que a importância dos treinos classificatórios assumia proporções dramáticas. Os pilotos mais rápidos faziam de tudo para largar o mais à frente possível, devido às imensas dificuldades de ultrapassagem nesse circuito. E os mais lentos, obviamente, também se empenhavam ao máximo, já que o risco de ficar fora da corrida era bem maior do que em outros GPs.

A equipe Fittipaldi chegou a Mônaco sob o trauma da não-qualificação de Emerson para a corrida anterior, na Bélgica. Depois desse acontecimento, Divila recebeu carta branca dos patrões para refazer a suspensão do FD 04, o carro usado pela equipe na temporada de 1976. “Deixei a suspensão exatamente como no projeto original. Em Interlagos, o carro foi bastante competitivo usando exatamente essa suspensão”, lembra o projetista.

O circuito de Monte Carlo, porém, é o pior lugar possível para se estrear um novo carro ou alguma modificação. Suas particularidades tornam necessário encontrar um acerto único e que só serve para aquela pista. Não se esqueça que estamos falando de uma época em que o uso de computadores em carros de corrida ainda era uma simples projeção para o futuro. Tudo era feito de maneira empírica e a sensibilidade do piloto, do projetista e dos mecânicos era ainda mais importante do que hoje.

Restando apenas dez ou quinze minutos para o final do último treino classificatório, Emerson tinha algo como o 18º tempo. Alguns ajustes e mudanças de regulagem são feitos. Falta apenas completar o tanque, que está quase vazio, com uma pequena quantidade de gasolina – o suficiente para tentar uma ou duas voltas rápidas. Isso começa a ser feito, mas um pouco da gasolina vaza e, em contato com alguma parte quente, entra em combustão.

O que se seguiu nem poderia propriamente ser chamado de “incêndio”. O fogo era tão pequeno que Divila e Wilsinho Fittipaldi, que estavam ao lado do carro, conseguiram abafar as chamas com as próprias camisas. Mas algum grito de “fogo!” deve ter sido inevitável, e foi ouvido por Ito, um mecânico japonês que acompanhava os Fittipaldi desde a Fórmula 2.

Ito, sem saber que o fogo já estava apagado, aproximou-se do carro pronto para acionar um extintor de incêndio contendo 15 quilos de pó químico. Se isso acontecesse, o carro ficaria inutilizado: seria necessário desmontar tudo para limpar o pó. “O Wilson berrava ‘Não, Ito! Não!’, mas no meio daquela barulheira toda o Ito não ouvia ou não entendia nada. O Wilson resolveu segurar o japonês a qualquer custo e acabou agarrando-o pelo pescoço…”, conta Divila. Foi pior: assustado, Ito acabou apertando o gatilho do extintor, a poucos metros do FD 04, e largou o extintor no chão.

Devido à pressão, a mangueira virava de um lado para o outro e espalhava pó químico para tudo quanto é lado – e, uma vez disparado o gatilho, restava apenas esperar que a carga acabasse. Tudo isso, é bom que se diga, aconteceu com o treino em andamento, com os carros entrando e saindo normalmente dos boxes – no máximo deviam diminuir um pouco ao ver aquela confusão toda. Wilsinho resolveu enfiar a mangueira do extintor no primeiro bueiro que encontrou pela frente, a fim de evitar que o pó se espalhasse ainda mais. Foi pior: o tal bueiro fazia parte da rede de escoamento de água da chuva que percorria toda a extensão dos boxes. Não demorou muito para que o pó começasse a sair pelos buracos vizinhos. “Só se via o pessoal das equipes correndo para proteger os equipamentos daquele pó”, diverte-se Divila, quase 30 anos depois.

Parece incrível que, depois de tanta confusão, as coisas tenham dado certo para a Fittipaldi. Emerson saiu para os últimos minutos de treino e baixou seu tempo em mais de um segundo – o suficiente para largar em sétimo lugar. Na corrida, manteve um ritmo forte e sustentou uma boa disputa com Hans Stuck e Jochen Mass, até que as marchas começaram a escapar. Foi ultrapassado pelos dois alemães, mas mesmo assim terminou em sexto e marcou um ponto no campeonato.

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A GP2, categoria que substitui a falecida Fórmula 3000 e fará suas etapas como preliminar dos GPs europeus, já começa seguindo a Fórmula 1 – ao menos no que se refere à aplicação de regulamentos que podem ser considerados verdadeiras merdas.

Primeiro, falou-se em eliminar treinos classificatórios. O grid da primeira corrida do ano seria definido em uma sessão de testes de pré-temporada, e nas etapas seguintes a ordem de largada das corridas seria definida pela inversão do resultado da prova anterior (o vencedor largando em último, o segundo colocado em penúltimo e etc).

Mas chegou-se a uma solução intermediária. A cada semana, serão disputadas duas corridas, uma no sábado e outra no domingo. Um treino na sexta-feira definirá o grid da corrida de sábado, com 150 km de extensão total. O resultado final define o grid da corrida de domingo, só que os oito primeiros colocados (por que não cinco, dez ou todos?) partem em ordem invertida. Detalhe: esta segunda corrida terá 80 km de extensão, metade da primeira. Ou seja, os pilotos terão bem menos tempo de prova para recuperar posições. Será extremamente difícil ver um piloto ganhar as duas corridas do final de semana, por mais talentoso que ele seja. Uma maneira totalmente artificial de dar competitividade à nova categoria.

Ridículo. Lamentável. Medonho. Horrível. Péssimo. A FIA parece estar empenhada em transformar suas categorias outrora nobres no mais ordinário uísque falsificado. Que saudades da Fórmula 2 dos bons tempos, em que os jovens promissores mediam forças com vários pilotos experientes, inclusive campeões do mundo de F 1 em plena vigência de “reinado”.

Este é o legado do sr. Max Mosley na presidência da FIA: a morte de categorias (como o Mundial de Esporte-Protótipos, no fim de 1992), a implementação de uma cascata de regras estúpidas, a tendência a tratar o público como um bando de pessoas idiotas que só conseguem apreciar uma corrida de automóveis se ela tiver “espetáculo”. Que saudades do sr. Jean-Marie Balestre, com todos os defeitos (muitos e grandes) que ele tinha.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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