Mais um início de temporada se aproxima e novamente nos vemos confrontados com a mesma pergunta dos últimos anos: será agora que a hegemonia de Michael Schumacher cairá? Os testes de pré-temporada indicam que sim, com Renaults e McLarens deslumbrando tanto seus motoristas como os das equipes adversárias. Ao mesmo tempo, a Ferrari parece se debater com o carro-travesti F2004M: cara de regulamento novo, mas com o estofo do superbólido do ano passado.
Já vi esse filme antes. Ao que parece, no teste de ontem em Barcelona, o pessoal de Maranello resolveu sair do esconderijo e foi conferir como sua máquina se comporta com pneus novos e pouco combustível. Nada mau, com Rubens Barrichello ficando a apenas um décimo do melhor tempo do dia, registrado pelo espanhol Pedro de la Rosa no badalado MP4-20. E os atuais campeões vão testar na próxima semana em Ímola, enquanto a McLaren já estará empacotando suas coisas para a viagem à Melbourne.
Posso e até quero queimar minha língua, mas ainda acho que a Ferrari vai levar – oh não, de novo! – os dois títulos em jogo. Neste meu prognóstico, eles não terão a mesma mamata do ano passado, mas não passarão tanto aperto como em 2003. A superioridade técnica do equipamento e, principalmente, o fato de contarem com dois pilotos experientes farão a diferença.
Não podemos esquecer que as novas regras de pneu e motor exigem muita inteligência no lidar com o equipamento. A dupla da Ferrari soma 407 GPs na Fórmula 1, contra 191 da Renault e 135 da McLaren. E destas duas equipes, o único piloto que tem por característica uma pilotagem suave e constante é Giancarlo Fisichella.
Outro ponto a favor do time de Maranello é o fato de eles serem a única agremiação do grid a manter exatamente o mesmo grupo do ano passado, enquanto as outras equipes terão de aprender como é a vida com pilotos e/ou chefes-de-equipe novos.
Assim, o maior candidato a quebrar a hegemonia de Michael Schumacher é justamente aquele piloto no qual nem a mídia e nem a torcida apostam: Rubens Barrichello. Sim, o vice-campeão do ano passado. Esse o fato já serviria para credenciá-lo ao cargo de novo campeão da Fórmula 1. Mas o descrédito parece ser geral.
O importante para Rubinho é que ele está pouco se lixando para isso. O brasileiro concedeu em janeiro uma entrevista ao jornalista inglês Adam Cooper onde reafirmou seu ponto de vista. “Não tenho medo de concorrer com ele (Michael Schumacher). Se tivesse, já desistiria de ser seu companheiro após um ano. O que adianta ser o número um em uma equipe cujo carro só serve para chegar em terceiro ou quarto lugar? Me sinto em casa na Ferrari, ainda que o Michael seja uma pedrinha no meu sapato”, falou.
Muitos condenam, mas eu admiro a atitude de Rubinho. Há cinco anos na equipe, ele ganhou nove corridas, enquanto que Schumacher ganhou 48 e cinco títulos mundiais. Ainda assim, ele jamais se mostrou egomaníaco o suficiente para envenenar o ambiente da equipe e criar problemas, especialmente para si mesmo. E nem foi tão introvertido para jogar a toalha e se acomodar como a sombra de um gênio, como fez Berger após seis meses ao lado de Senna na McLaren.
Barrichello é o primeiro a reconhecer e enumerar as inúmeras qualidades de seu companheiro de equipe e sabe que, no geral, não está no mesmo patamar dele. Mas sabe também que existem os fins-de-semana em que ele encontra um bom acerto para o carro e anda mais do que Schumacher. Seu papel é esse mesmo, o de esperar por uma conjunção de fatores que tornem estes momentos mais freqüentes.Se o F2005 nascer mais apto a seu estilo de pilotagem, se o alemão perder a motivação por um motivo qualquer ou se estatelar numa barreira de pneus (como em 1999), o brasileiro estará lá para cutucar a bola para o gol e sair para o abraço, como um centroavante oportunista.
O interessante é que o pragmatismo de Rubinho, daqueles que chega a contrariar o bom-senso, acabou seduzindo o povo mais pragmático de todos. Na edição de apresentação da temporada, a revista esportiva alemã Kicker apresentou o resultado de diversas pesquisas realizadas em seu website. Enquanto que 77,46% dos internautas acreditam que o alemão conquistará o octacampeonato, apenas 28,80% estão torcendo para que isso aconteça. A segunda maior torcida é – surpresa – para o brasileiro, com 16,00%.
Ou seja, a maior parte do torcedor alemão que está cansado da dominação de Michael, não vai torcer para a Mercedes ou para BMW, nem para Ralf ou Heidfeld. Eles querem ver é a persistência e o pragmatismo de Rubinho serem premiadas. Pelo jeito, não vai ser só no Brasil que teremos gente torcendo para o “nosso Rubinho”. Viva unser kleiner Rubens!!!
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Talvez a principal mudança na Fórmula 1 em 2005 tenha ocorrido no Medical Car.Após 27 temporadas cuidando do bem estar dos pilotos, o doutor Sid Watkins resolveu que chegou a hora de curtir sua aposentadoria. Merecidíssima, por sinal. Foi ele quem criou a comissão médica da FISA (hoje FIA) em 1981 e também quem liderou o “Advisory Expert Group”, uma comissão de especialistas criada em 1994 (após o fim-de-semana negro de Ímola) para analisar a segurança no automobilismo, criando parâmetros para a construção dos carros e também dos circuitos.
De todos os acidentes ocorridos desde 1978, quando estreou na categoria, Watkins assistiu a sete fatalidades: Ronnie Peterson (Monza 78), Gilles Villeneuve (Zolder 82), Ricardo Paletti (Montreal 82), Roland Ratzenberger, Ayrton Senna (ambos em Ímola 94), Paolo Gislimberti (bombeiro, Monza 2000) e Graham Beveridge (fiscal de pista, Melbourne 2001). Mas salvou inúmeras vidas, tanto pelos feitos das comissões de segurança em que trabalhou como por sua ação direta nas pistas. A traqueostomia que realizou em Mika Hakkinen após o acidente em Adelaide, em 1995, deu ao finlandês uma segunda chance na Terra. E ele a aproveitou bem, sagrando-se bicampeão do mundo. Graças ao Doutor Sid.
Um abraço e até a próxima,
Luis Fernando Ramos |