Jornalistas têm de ser azedos

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Entendo que as pessoas normais sintam-se incomodadas com o pessimismo geral dos jornalistas mas, acreditem, tem de ser assim!

Entendo que as pessoas normais sintam-se incomodadas com o pessimismo geral dos jornalistas. Na política, na economia, na Fórmula 1, não importa o assunto, estamos nós, jornalistas, sempre mal humorados, negativos, desconfiados.

Não acho justo tentar convencer os leitores aqui, neste espaço, do por que é tão essencial ao exercício da profissão que abracei há 37 anos ter um olhar permanentemente azedo sobre tudo o que nos cerca.

Para aqueles que quiserem pensar um pouco mais sobre o tema, recomendo a leitura da última edição da Revista de Jornalismo ESPM. Lá, alguns dos maiores jornalistas brasileiros foram convidados a definir a sua atividade.

Em suas respostas, expressaram de diferentes maneiras esta necessidade capital, tão inextricável à profissional quanto é a meticulosidade a um médico. Peço licença para destacar três frases, na tentativa de definir este estado de espírito.

A primeira é de Clóvis Rossi: “jornalismo serve – ou deveria servir – para iluminar cantos escuros. Como disse uma vez o então presidente Lula, ‘notícia é aquilo que queremos esconder; o resto é propaganda’”.

A segunda frase é de Geneton Moraes Neto, citando frase mitológica das redações: “Toda vez que estiver entrevistando uma autoridade – ou qualquer outro personagem – o repórter deve perguntar: ‘por que será que este bastardo está mentindo para mim?’

A terceira é de Mario Sergio Conti: “jornalismo é mercadoria e crítica da mercadoria”.

Aqui no GPTotal, eu e meus colegas nos dedicamos exclusivamente a fazer, dentro dos nossos modestos recursos, a crítica da mercadoria que nos é entregue em meio a mil propagandas e bastardos.

O que nos leva a Bernie Ecclestone e ao mais recente lançamento no seu extenso prontuário.

Ele está sendo formalmente processado pela justiça alemã, acusado de subornar um funcionário público, este réu confesso, cumprindo pena em regime fechado por ter recebido de Bernie US$ 44 milhões para facilitar a venda das ações da Fórmula 1 para o fundo CVC. Bernie já informou à justiça que deu, sim, o dinheiro ao alemão mas por ter sido chantageado por ele.

Anunciada a formalização do processo, o fundo CVC informou que Bernie estava sendo afastado do seu cargo de diretor da empresa que gere a Fórmula 1, não podendo mais assinar documentos, cheques etc., mas que continuará gerindo a categoria por meio de prepostos, ainda que seja objeto de monitoramento e controle “mais rígidos”.

Creio que se trata de um novo recorde mundial de cinismo, em tempos onde o cinismo é tudo. E se for condenado? Bernie continuará a controlar a Fórmula 1, mesmo da cadeia?

Os testes recém-encerrados em Jerez permitem poucas indicações seguras, a começar pelo fato de os carros terem andado bem abaixo dos seus limites. Segundo AutoSprint, os motores não passaram de 12 mil giros (eles podem ir até 15 mil), a velocidade máxima esteve me torno de 270 km/h (imagina-se que os carros poderiam chegar a 300 km/h), a oitava marcha raramente foi engatada.

Logo, não é possível qualquer conclusão sobre os tempos de volta, estilos de pilotagem, vantagens e desvantagens dos kers etc. Há, porém, duas conclusões indiscutíveis que emergiram de Jerez.

A primeira são os problemas da Renault. As quatro equipes com motores Mercedes rodaram, se não errei nas contas, 3892 km durante os quatro dias de teste e as equipes com motor Ferrari, 1964 km. Já as três com motor Renault totalizaram 667 km.

A outra conclusão: os problemas da RBR, que conseguiu a proeza de acumular 92 km de pista, menos do que a Marussia, que só treinou pra valer um dia em Jerez. O melhor tempo de Sebastian Vettel, no dia em que conseguiu fazer algumas voltas cronometradas, foi 14 segundos mais lento do que o melhor do dia. Daniel Ricciardo foi ainda pior: 17 segundos mais lento do que Felipe Massa no último dia de treino. Não há estratégia que recomende esconder carros nos boxes ou fazê-los rodar tão lentamente no momento da maior virada técnica da categoria.

Há pouquíssimas pistas sobre os problemas da Renault e da RBR. No caso do motor, suspeita-se da complexidade eletrônica exigida por eles. Informa-se que, em 2013, para funcionarem, os motores demandavam 12 sistemas eletrônicos; neste ano, eles são 40. Só o cabeamento necessário para interligar tudo pesa aproximados 40 quilos.

No caso da RBR, os problemas de motor podem ser agravados por dificuldades em escoar o calor gerado.

Em qualquer caso, os dias e noites nas respectivas sedes, até 19 de fevereiro, quando recomeçam os testes no Bahrein, devem ser tensos.

A diversidade de opções aerodinâmicas adotadas pelos projetistas, em especial no desenho dos bicos dos carros, é algo que há muito não se via na categoria, escravizada pela máxima eficiência aerodinâmica.

Por estimulante que possa ser ver tantas linhas de pensamento, é inevitável que, no médio prazo, todos os projetistas convirjam para uma linha única de desenho, ditada pelos resultados dos túneis de vento.

E começa a busca pela pressão aerodinâmica perdida com o novo regulamento, que aparentemente sepultou o uso dos gases quentes do motor como forma de gerar mais aderência na traseira dos carros.

Segundo AutoSprint, o lance inicial mais interessante foi dado até agora pela McLaren, que concebeu os braços da suspensão traseira em uma forma capaz de recuperar um pouco da pressão aerodinâmica perdida.

Será fascinante ver, nos próximos meses, a capacidade dos engenheiros irem superando, uma a uma, as dificuldades técnicas impostas pelo novo regulamento!

As baixas velocidades desenvolvidas em Jerez não deram aos pilotos a oportunidade de testarem em condições mais rigorosas os freios eletrônicos, novidade deste ano. O acerto e o desenvolvimento de sensibilidade para o sistema será desafio importante a ser superado.

Se o amigo leitor está bem informado sobre o regulamento de motores para 2014, pode encerrar a leitura da coluna aqui. Caso contrário, siga em frente.

Para efeito do regulamento, os motores foram divididos em seis sistemas: motor à explosão (denominado “térmico”), eletrônica embarcada, turbo, kers ligado aos freios, kers ligado ao turbo e baterias.

Durante o campeonato, cada carro pode usar cinco unidades de cada sistema. Se precisar usar uma sexta unidade, perde dez posições no grid de largada. Se usar uma sétima, perde quinze posições.

Se for necessário trocar todo o motor do carro durante o final de semana, o piloto larga dos boxes. Notem: a quebra de um pistão ou de um simples plug eletrônico dá na mesma para efeito do regulamento.

Os motores só podem ser desenvolvidos até a véspera do primeiro GP. Depois disso, a intervenção dos técnicos é mínima ou subordinada a uma autorização especial das autoridades esportivas. Parece claro que elas só irão autorizar intervenções destinadas a nivelar o desempenho dos motores. Por isso, respondi aqui, na semana passada, que a qualidade dos motores tende a influenciar pouco o resultado do campeonato.

O kers ligado aos freios é igual ao usado no ano passado só que muito mais potente, podendo ser usado por mais tempo durante a volta. Ele não é mais acionado pelo piloto, podendo ter a sua ação programada – e está aí uma das complicações adicionais do sistema eletrônico.

Já o kers movido pelo turbo não está ligado à transmissão do carro, servindo para movimentar o próprio turbo quando o carro está em baixa rotação (visando eliminar o jetlag que desafiava os pilotos nos anos 80) e recarregar as baterias.

Calcula-se que o power train debita aproximadamente a mesma potência – coisa de 750 cavalos – que os carros tinham no ano passado. Só que agora o motor térmico tem apenas 600 cavalos ante uns 680 no ano passado. O resto da potência vem do kers ligado aos freios

Abraços

Eduardo Correa

Eduardo Correa
Eduardo Correa
Jornalista, autor do livro "Fórmula 1, Pela Glória e Pela Pátria", acompanha a categoria desde 1968

8 Comments

  1. Bob disse:

    Estou com uma dúvida a respeito dos motores V6 turbo, talvez vc possa me esclarecer. Em uma entrevista Lucas di Grassi disse que os Audi R18 e-tron são híbridos com motores a explosão e eletricos, e o mesmo sistema de reaproveitamento de energia cinética chamado ERS-K, e outro recupera energia do calor da combustão do motor o ERS-H. A energia captada por estes dois sistemas é transformada por meio de unidades chamadas MGU-H e MGU-K, como não existe motor eletrico nos F1, como essa energia vai parar no V6 turbo para dar a potência extra?
    Obrigado se puder responder, ficarei no aguardo.

  2. Mauro Santana disse:

    É, vamos aguardar quando os carros realmente andarem pra valer.

    Lembro bem quando a Brawn começou a andar na frente, e a grande maioria afirmava que era blefe para angariar patrocínios, mas, na verdade, o carro era bom mesmo.

    Por enquanto não podemos afirmar que a Williams esta realmente em alta, ou a Red Bull esta em baixa.

    Abraço!

    Mauro Santana
    Curitiba-PR

    • Lucas disse:

      Tem equipes que têm uma certa tradição de dar “glory runs” nos testes. Em alguns casos é mesmo isso que você falou, estratégia clara pra tentar conseguir patrocinadores, e esse tem sido o caso da Williams, que tem feito uns bons tempos nos treinos de inverno nos últimos anos mas há muito tempo continua sendo equipe de meio de grid pra baixo. Quem costuma fazer isso também é a Ferrari, talvez pra fazer média com os tifosi e acalmar a imprensa indignada pelo longo tempo sem fazer um carro decente. Eles lideraram testes de inverno não só em 2013 mas até em 2012, quando o carro que começou a temporada era um lixo.

      Já a Red Bull têm usado a estratégia oposta, de esconder desempenho correndo com muito combustível pra depois surpreender todo mundo (isso não só nos testes de inverno mas também nos treinos de sexta das corridas). Mas esse ano é diferente, já que a Red Bull sequer correu direito. Eu também não vejo muito sentido em afirmar que a Williams está em alta, mas a Red Bull realmente está com problemas.

  3. Lucas disse:

    Uma visão “otimista” da temporada de 2014 pode ser vista aqui:
    http://www.motorsportmagazine.com/f1/opinion/why-f1-will-be-worth-watching-this-year/

    Claro, eles são uma revista cujo lucro é proporcional ao interesse que a categoria desperta e têm seus motivos para preferir o otimismo, mas o ponto que o autor levanta sobre a volta do sobresterço é interessante.

  4. Edu disse:

    Amigos
    Aqui vai o link para a Revista de Jornalismo ESPM: (http://www2.espm.br/revista-de-jornalismo-espm).
    Mas a edição que menciono não está disponível, ainda…
    Depois de concluída a minha coluna, vi está reportagem no site de AutoSprint, onde a Renault fala sobre os problemas enfrentados em Jerez: http://autosprint.corrieredellosport.it/2014/01/31/test-f1-renault-spiega-i-problemi/13063/
    Abraços
    Edu

  5. Fabiano disse:

    Colunista Eduardo Correa,

    Concordo que o jornalismo serve para “iluminar cantos escuros”, mas, que não me leve a mal, mal humor e negativismo não são necessariamente produzidos por esta “iluminação”, ainda mais quando o produto deste jornalismo é uma opinião, foco principal do GPTotal.
    Talvez esteja faltando um pouco de sangue novo, pois sei que o envelhecimento tende a tornar alguns homens mais azedos e pessimistas.
    Apesar de não ser muito jovem, ainda espero coisas boas de toda esta mudança que está ocorrendo na F1. Fico feliz de testemunhar a maior categoria do automobilismo buscando alternativas para reduzir o consumo de combustíveis, e espero que algo parecido com isto seja disponibilizado o quanto antes aos usuários comuns de automóveis. Seria muito bom!
    Quanto a complexidade de comandos no volante do carro de F1, talvez ela até diminua, já que você mencionou na sua análise do regulamento que o kers não será mais acionado pelo piloto. Porém, acho que devem surgir alguns outros botões para controlar toda essa parafernália eletrônica.
    Abraço!

  6. Lucas disse:

    Sempre comentei que uma das principais diferenças entre Byrne e Newey é que enquanto o sul-africano seguia à risca sua filosofia “evolution, not revolution”, que tornou possível uma série impressionante de grandes carros na Benetton e na Ferrari sem praticamente nenhuma “bola fora”, Newey é muito mais inconstante e, se fez alguns dos carros mais dominantes da história da F1, teve também alguns retumbantes fracassos. Muito já se escreveu sobre a Williams de 94, mas um caso do qual pouca gente se lembra é o da McLaren de 2003. Não o carro que de fato correu essa temporada, mas o MP4-18, que não chegou sequer a correr. Dizem os registros que o principal problema do carro era, vejam só, incapacidade de refrigerar de forma satisfatória o motor por conta dos exageros aerodinâmicos de Newey. Naquele ano foi possível correr com uma versão B do carro do ano anterior, com a qual Kimi nos presenteou com um dos grandes momentos “tirando leite de pedra” da F1 recente, levando até a última corrida um campeonato no qual não só a Ferrari mas também a Williams tinham um carro claramente melhor que o dele. O problema é que, se a nova Red Bull for um desastre comparável ao da MP4-18, não será possível usar uma versão B do RB9.

    Eu, que sempre tive como um dos principais interesses na F1 acompanhar o que um piloto é capaz de fazer com um carro inferior, confesso que torcia para que a Red Bull fizesse um carro não tão bom esse ano. Mas não precisava tanto!

  7. Fernando Marques disse:

    Que regulamento complicado!!!!
    Como tão complicado está o funcionamento dos carros!!!
    Pensem bem … só aquela porrada de botões no volante para o piloto mexer não basta … analisando friamente o piloto depende muito das orientações que vem dos boxes …
    Quero ver o Kimi dizer para a Ferrari pelo radio… me deixem em paz que eu resolvo tudo sozinho … hehehehehe

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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