Troca de e-mails entre mim e Ricardo Divila, ocorrida entre os dias 7 e 9 de maio:
LAP – Olá Ricardo. Estive pensando: uma das causas da falta de competitividade da F 1 pode estar no fato de que todas as pistas são muito parecidas. Elas têm extensões muito próximas, o mesmo tipo de curvas, as mesmas dificuldades (excluo exceções como Mônaco, Spa e Suzuka). E as equipes correm nos mesmos lugares durante anos seguidos. Os carros de hoje são todos parecidos, mas certamente nem todos se adaptariam da mesma maneira a traçados tão diferentes como Interlagos (antigo), Hockenheim (antigo), Brands Hatch, Monza e Kyalami
(antigo – ah, aquela reta em descida…).
Divila – O projeto dos Fórmula 1, desde meados dos anos 90, é otimizado para curvas de segunda e chicanes – essa praga que assola o automobilismo… O que falta mesmo são as curvas feitas quase de pé embaixo, quando três ou
quatro pilotos do grid conseguem fazer. Se lembra da Curva Um em Interlagos
(velho)?
O pior é que em curvas de alta a aerodinâmica atrapalha e as disputas de
freadas são impossíveis, dado o espaço no qual param os carros de hoje. O jeito é olhar as corridas de Stock-Car ou o JGTC… Garanto disputas… Fórmula 1, só pelo
barulho do motor…
Essa febre Tilke para os autódromos está resultando em circuitos chatos, sem aquela pitada de pimenta. Basta lembrar a descida depois do box em Brands Hatch e coisas como o saca-rolha em Laguna Seca.
LAP – Sobre Kyalami, li certa vez que ali era dificílimo acertar as regulagens
ideais, pois qualquer variação (mínima que fosse) de direção ou velocidade
do vento, temperatura ou umidade fazia aquele set-up maravilhoso não prestar
para mais nada. É verdade?
Divila – Sim. Paul Ricard também é assim, e Zandvoort era o mesmo (põe areia aí
também, soprada pelo vento). Silverstone é muito sensível ao vento, o
acerto aerodinamico varia de acordo com o vento. E Monza tem acertos distintos
para temperaturas diversas – o happy hour é das oito e meia às nove da manhã,
e das 5 às 6 da tarde… No meio, esquece: fica-se a dois segundos. Imola também, mas menos que Monza.
O que é que esse papo tem a ver com a corrida de Nurburgring? Tudo. E explica também o que vimos em Mônaco, não apenas em 2004 mas também nos dois anos anteriores.
Acrescentei a segunda parte do diálogo mais como curiosidade, já que as considerações de Divila são muito interessantes. Nos concentremos na primeira. Torna-se perfeitamente lícito concluir que atualmente uma das causas da falta de surpresas e expectativas nas corridas de F 1 é o fato de as pistas serem muito parecidas entre si. Não há mais segredos: você já sabe que o carro que anda bem em uma pista vai fazê-lo em todas, ou quase. Mas temos Mônaco, cujo traçado tem características muito peculiares, não encontradas em nenhum outro.
Em 2002, todos lembram, a Ferrari tinha disparado o melhor carro do grid; em 2003, a situação se equilibrou um pouco, mas a Ferrari, ao menos naquela altura, ainda era um dos três melhores carros; e em 2004, pelo que estamos vendo, a Ferrari voltou a estar pelo menos um passo acima de todos os seus adversários. Mas esses três anos tiveram uma coisa em comum: a Ferrari não venceu em Mônaco. Mais do que isso: logo nos treinos, os carros italianos não mostraram a mesma competitividade vista em outras pistas. Em 2002 e 2004, por exemplo, as Ferrari não conseguiram sequer um lugar na primeira fila. Alguém poderia aventar que os pilotos da equipe não se saem bem no circuito de Mônaco – o que pode ser facilmente contestado pelo simples fato de que Michael Schumacher já venceu cinco vezes esse GP. E Rubens Barrichello, embora nunca tenha vencido nessa pista, andou bem nela em várias oportunidades, pelo menos uma delas (1997) antes mesmo de se transferir para a Ferrari.
Em Mônaco, como em anos anteriores, vimos a Ferrari menos competitiva do que sua média do restante do ano. Em Nurburgring, as coisas voltaram ao normal e Schumacher mostrou que sua força para chegar ao sétimo título permanece intacta. Sorte dos torcedores do piloto alemão. Azar de quem não gosta delem, ou de quem gosta mas esperava um campeonato mais animado após a merecida vitória de Trulli em Monte Carlo.
As providências para tornar a F 1 mais competitiva passam necessariamente por uma escolha mais variada de traçados. Hoje, temos três circuitos (Sepang, Sakhir e Xangai) projetados por um mesmo homem, o sr. Hermann Tilke, e um outro (Hockenheim) cuja reforma (motivada pela força política dos ecochatos alemães e não – como pensam alguns – por alguma trama maquiavélica da FIA e de Bernie Ecclestone) também foi planejado por ele. É um pouco demais, não acham?
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Três considerações sobre Takuma Sato.
A primeira ainda se refere ao GP de Mônaco. Alguns acham que ele deveria ter parado logo nas primeiras voltas, já que seu motor vinha soltando uma “fumacinha” praticamente desde a primeira volta. Não concordo. Enquanto o carro funcionar e não houver riscos para a segurança, o piloto tem total direito de se manter na corrida e defender sua posição. Em 1985, Michele Alboreto venceu o GP da Alemanha, em Nurburgring, com um motor que pelo menos desde a metade da corrida soltava a cada curva uma nuvem de fumaça parecida com a de Sato em Mônaco. Na transmissão da TV, Reginaldo Leme até apostou: “Esse motor Ferrari vai embora já, já…”. Não foi, ao menos não naquela corrida. (Nas seguintes, aquele motor transformou-se em uma verdadeira bomba-relógio, tirando de Alboreto qualquer possibilidade de sustentar sua briga pelo título com Alain Prost.)
Segundo. Barrichello disse que Sato tentou passar onde não havia lugar. Concordo, também acho que o japonês se afobou. Se tivesse esperado um pouquinho mais, teria ultrapassado Barrichello com alguma facilidade.
Logo depois da manobra, os companheiros da Rádio Bandeirantes relataram os aplausos dos jornalistas japoneses pela manobra de Sato. Lembrei-me então de uma conversa que tive há pouco tempo com Maurizio Sala, piloto brasileiro que correu cinco anos no Japão, em categorias como a F 3000 e o Japonês de Esporte-Protótipos. Sala conta que era comum chegar ao final de uma reta lado a lado com um piloto japonês, e nada do cara frear. Vinha então a inevitável saída de pista do “nativo”, e após algumas corridas Sala ficou pasmo ao saber que o público e a própria equipe do piloto aplaudiam efusivamente esse tipo de manobra. “Ele saiu da pista, mas pelo menos tentou ganhar a posição!”, era a justificativa… Isso mostra que a tendência dos pilotos japoneses a tentar manobras “kamikazes” tem um componente cultural: quem arrisca é considerado bom piloto, mesmo que a manobra não dê certo.
Terceiro. Em Nurburgring, Sato teve seu quarto motor Honda estourado em sete GPs. Se os japoneses tivessem a mesma mentalidade dos brasileiros, não faltariam protestos indignados e suposições de que a BAR e/ou a Honda “fazem sabotagem com Sato”.
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Para finalizar, duas palavras sobre Mônaco. Acidente entre Ralf e Alonso: c…gada do espanhol. Acidente entre Schumacher e Montoya: uma das coisas mais estranhas que já vi. A explicação mais plausível para a travada da roda dianteira esquerda de Schumacher partiu de Wilsinho Fittipaldi, em sua coluna de estréia no www.f1naweb.com.br: “Aquela bloqueada de roda (…) acontece muitas vezes quando você quer manter os freios quentes, mas o carro está andando muito devagar e não tem carga aerodinâmica. Usa-se o freio um pouco mais e isso causa o bloqueamento da roda”.
Perfeito. Resta explicar por que isso aconteceu somente com Schumacher. Erro? E por que Montoya resolveu se colocar lado a lado com o alemão, se estavam todos atrás do safety-car e não podiam ser feitas ultrapassagens. Erro, também? Ou vontade de arrumar encrenca?
Abraços,
Luiz Alberto Pandini |