Luis Fernando Ramos |
A última coluna do Edu trouxe à tona um assunto que, em meio ao frisson da pretensa competitividade atual da Fórmula 1, andava meio esquecido: a absoluta falta de ultrapassagens da categoria. Tudo bem, este é um vocábulo há muito riscado do dicionário monegasco. Mas… no Canadá? Com aquele grampo e aquele retão que precede uma chicane? Vocês se lembram como, nesta mesma pista, Irvine deu um show em 99 passando deus e o diabo, depois de se enroscar com Coulthard e se atrasar no início da prova?
Pois é, 15 de junho de 2003 podia entrar para a história como o dia em que as ultrapassagens morreram. Na Fórmula 1 teve uma, a do Montoya sobre o Alonso na décima volta. Mas vendo a estratégia de paradas dos dois, dá para perceber que foi mais uma questão de peso (Montoya parou muito antes que Alonso) do que de bravura e habilidade. Horas depois, a corrida da CART em Laguna Seca não apresentou nenhuma ultrapassagem. Soma-se isto ao tédio absoluto que foi a corrida em Le Mans para termos um domingo de automobilismo prozaquiano. Uma partida de xadrez não daria mais sono.
Não, caro Edu, não me importa se Montoya, Alonso ou Kimi andaram no limite (Ralf não, ele foi passivo, sem trocadilhos). De que adiantar andar no limite para brincar de “siga o líder” no final? E pior é que o problema não está nos pilotos nem nos circuitos, mas nas máquinas.
É um processo autofágico cada vez mais claro. Com o desenvolvimento extremo da aerodinâmica e da eletrônica, os carros estão cada vez mais rápidos. Assim, consegue-se frear cada vez mais dentro da curva, o que impede qualquer tentativa de um piloto ultrapassar outro, a não ser que quem está atrás tenha trocentos quilos a menos de combustível.
Ainda por cima, o novo sistema de pontuação diminuiu o valor de uma vitória. Como qualquer aproximação mais arrojada numa curva costuma terminar em acidente, os pilotos abdicaram de brigar por posições na pista. Restou esta Fórmula 1 onde o vencedor é definido nas estratégias de boxes. Estratégia não tem a ver com bravura e coragem. Estratégia tem a ver com um sonolento jogo de xadrez.
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Ano passado, vivi uma experiência quase transcendental. Em meio ao marasmo da Fórmula 1, fiz as malas, comprei um ingresso e fui ver a corrida da DTM em Zeltweg. Era um momento decisivo do campeonato, em que Bernd Schneider, da Mercedes, tinha de chegar à frente de Laurent Aiello, da Audi, para se manter vivo na briga pelo título.
Foi a melhor corrida que já vi na minha vida (e olha que não foram poucas). Sabe porquê? Pelas centenas de ultrapassagens. E as voltas finais? A Mercedes usou uma tática equipe que faria Jean Todt corar de vergonha. Seus pilotos literalmente golpeavam os Audis rivais para abrir passagem para Schneider, que pulou de sétimo para segundo em apenas duas voltas. E o clímax ocorreu na última curva, com uma pancadaria generalizada. Assim, o piloto que fez a curva final em quarto lugar (Marcel Fässler – Mercedes) acabou vencendo a prova, não sem antes dar uma torpedeada no pobre Laurent Aiello. Isto sim é uma Corrida.
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Claro que não espero ver “body checks” na Fórmula 1, além do mais porque a dinâmica de um monoposto é bem diferente da dos carros de turismo. Mas não são as porradas que tornam a DTM cheia de ultrapassagens e sim o fato dos carros serem potentes, mas sem pressão aerodinâmica extrema. Assim, qualquer freada é um prato cheio para quem está atrás arriscar uma ultrapassagem.
Voltemos à autofagia da Fórmula 1. O que é feito para criar espetáculo? Primeiro: novas regras no âmbito esportivo. Segundo: novos circuitos e reforma nos velhos. Curioso que ninguém pensa em mexer nos carros, que são o X do problema. E o pior é que há um movimento liderado por chefes de equipes para aumentarem o tamanho dos aerofólios, com o intuito de criar mais espaço para patrocinadores. Ou seja: teremos carros com ainda mais pressão aerodinâmica. Estou vendo que minhas visitas às corridas da DTM se tornarão mais freqüentes.
Desculpe, Edu, mas pro diabos com o limite. Até porque nas corridas de Rali o limite é muito mais alto. Ver Montoya ou Alonso se esmerando nas pistas pode até ser empolgante, mas o que me faz pular na cadeira são obras-primas como a que Mika Hakkinen pintou em Spa-2000 ou Nelson Piquet criou na Hungria, em 86. Ultrapassagens espetaculares são como os gols de placa no futebol. E é um pecado que elas tenham se extingüido.
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Falemos de coisas boas, então. O que está tornando a F-1 desta temporada empolgante é a safra de novatos. Montoya, após um ano frustrante, resolveu pôr as manguinhas de fora. Temos ainda Kimi Raikkonen lutando pelo título, Fernando Alonso explodindo e Mark Webber se sobrepujando brilhantemente ao caos da Jaguar. Não me lembro de outra temporada que apresentasse tantas revelações de uma só vez.
E o mais legal é que a renovação também está acontecendo no Mundial de Rali. Nesta temporada, toda a experiência de gente como Colin McRae, Carlos Sainz e Tommi Makkinen não está fazendo frente ao fulgor da nova geração, ótimamente representada por Markko Martin, Peter Solberg e Sebastian Loeb. Sem falar nos pirralhos François Duval e Juuso Pykalisto que, quando aprenderem a dosar velocidade com inteligência, certamente vão brigar por vitórias.
O novo milênio começou no automobismo. Meio atrasado, é verdade, mas começou. Definitivamente.
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Por falar em Rali, a qualidade de transmissão do WRC devia servir de exemplo ao pessoal da Fórmula 1, cuja trabalho realizado beira o lastimável. E o pior é que a solução para a melhora está bem debaixo do nariz de Bernie Ecclestone: o dono da empresa que faz as imagens do Mundial de Rali é David Richards, que comanda também a BAR.