A RIDÍCULA “TEORIA DO BOICOTE”

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Edu,

Antes de mais nada, minha opinião curta e rápida sobre a teoria apoiada por alguns locutores e pelo público, de que a Ferrari estaria boicotando Rubens Barrichello: trata-se de uma das coisas mais ridículas que já ouvi na minha vida. É certamente a pior, menos criativa e mais invejosa desculpa para derrota que já se inventou por estas plagas. Penso assim por que:

– É óbvio que, em caso de quebra ou acidente com Michael Schumacher, é muito mais interessante para a Ferrari ter Barrichello a postos para assumir o primeiro lugar do que deixar a vitória de mão beijada para a Williams ou McLaren, por exemplo;
– Que diabo de “boicote” é esse em que a Ferrari dá a Barrichello um carro que lhe permite eventualmente ser mais rápido que Schumacher?
– A Ferrari não contrataria Barrichello por US$ 6 milhões anuais apenas pelo prazer sádico de “boicotá-lo”;
– Barrichello teve propostas de outras equipes para a próxima temporada. Se aceitou ficar, não deve ser pelo prazer masoquista de ser “boicotado”;
– Qualquer carro de corrida pode quebrar e o da Ferrari não é exceção. Problemas idênticos aos de Barrichello já aconteceram outras vezes com outros pilotos e equipes.

Em suma: nossos torcedores precisam entender que as quebras de Barrichello, as derrotas da seleção e outros acontecimentos não são resultantes de um complô internacional para desmoralizar o Brasil ou os esportistas em particular. Trata-se de fatos inerentes a qualquer atividade esportiva.

A “teoria do boicote” é tão desprezível que nem mereceria estas linhas. Me dispus a escrevê-las em respeito a quem eventualmente deseja saber nossa (ou minha, no caso) opinião sobre o assunto.

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Talvez nossos leitores estranhem minha carta de hoje, pois não costumamos divergir em público. Mas desta vez vou abrir uma exceção e contestar frontalmente duas opiniões emitidas por você nos últimos tempos.

Comecemos lendo um trecho da reportagem e das declarações de Rubens Barrichello a nosso amigo Flávio Gomes, do www.grandepremio.com.br, sobre o GP da Alemanha:

“No final, Rubens tirou o pé. Arrependeu-se depois, porque Ralf, que estava em segundo, teve de fazer um pit stop extra e voltou apenas 3s na frente do brasileiro. ‘Naquela hora eu achei que não tinha muita coisa a fazer, o caso parecia perdido e tinham me dito para diminuir que a coisa estava ruim. De repente o cara vai para o box… Mas aí já não dava tempo.'”

É por atitudes como essa, de entregar os pontos ao primeiro sinal de adversidade, que não dá para apostar que um dia Barrichello vai quebrar a barreira da vitória. Schumacher tivesse tomado atitude parecida no GP da França, após receber a punição por ter pisado na risca da saída de box, não teria tido tempo de ultrapassar Raikkonen quando este saiu da pista.

Conheço algumas histórias que não terminaram bem de pilotos que resolveram diminuir o ritmo porque “não havia mais nada a fazer” ou porque a vitória parecia estar nas mãos. Corrida de carro é acelerar o máximo possível, do começo ao fim.

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Você adota a tese de que Michael Schumacher é o único que poderia ter feito alguma coisa (ou seja, não ultrapassar Barrichello) para evitar o que chamam (erradamente, na minha opinião) de “marmelada da Áustria”.

Não concordo. O próprio Barrichello também poderia ter evitado a situação: bastaria que ele não aliviasse no final. É claro que Schumacher teria mais força do que o brasileiro para enfrentar a cara feia dos patrões, mas não é isto o que está em jogo e sim o fato de que Schumacher não tinha qualquer obrigação moral de recusar a vitória. Seria um gesto de cavalheirismo, sem dúvida, mas estamos falando de Fórmula 1 e não de concursos de etiqueta ou de comportamento de escoteiros.

Schumacher teve cacife (leia-se resultados) para conseguir um contrato favorável, do jeito que ele quisesse. Barrichello não: a ele, cabia apenas aceitar ou não o que a Ferrari lhe oferecia. E ele aceitou. Portanto, se for para apontar o dedo a alguém, aponte-se a Barrichello, que durante muito tempo iludiu o público menos familiarizado dizendo que era “piloto 1B” e outros eufemismos. Nunca foi: ele é segundo piloto e ponto final.

Além do mais, imagine a seguinte situação. Você pede e consiguejunto a seus patrões uma série de regalias contratuais: ampla e confortável sala com ar condicionado, frigobar com garrafas de uísque escocês e gelo feito com a mais pura água de coco, carro de luxo com motorista… e, no momento em que seus chefes movem mundos e fundos para cumprir as obrigações contratuais, você recua alegando pena dos funcionários que não desfrutam de conforto semelhante. Seria mais ou menos essa a situação de Schumacher na Áustria caso ele se recusasse a ultrapassar Barrichello.

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Tudo o que já escrevi sobre a opção da Ferrari em Zeltweg vale também para a Sauber, que na Alemanha obrigou Felipe Massa a ceder o 6º lugar a seu companheiro Nick Heidfeld.

As pessoas precisam entender que na Fórmula 1 os pilotos são contratados para defender o interesse das equipes, e não o contrário. Por mais cruel e injusto que seja ou pareça, a relação profissional é esta.

Abraços,

LAP

GPTotal
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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