A TERCEIRA DO “DESMOTIVADO”

BAHREIN, SEM EMOÇÃO
02/04/2004
WITH A LITTLE HELP FROM OUR FRIENDS
07/04/2004
Três corridas, três pole positions, três vitórias. Tanto os que temiam quanto os que torciam pela (des)motivação de Michael Schumacher após conquistar seis títulos mundiais já podem rever seus prognósticos. Se depender de motivação, o alemão está mais forte do que nunca. E além de tudo ele tem o melhor carro, a melhor equipe e é de longe o melhor piloto entre os 20 que alinham a cada GP.

Escrevo minutos após o GP e não tenho dúvidas de que vamos receber manifestações do tipo “a F 1 está chata”, “perdeu a graça”, “não é mais esporte”, “Schumacher só ganha porque não tem piloto à altura dele” e outras do gênero. Se em vez de Schumacher as vitórias fossem de um piloto brasileiro, as coisas seriam diferentes: a F 1 estaria ótima, sensacional e a frase “não há piloto à altura dele” ganharia conotação altamente positiva.

Alguns invejosos e despeitados dizem que Schumacher ganha todas simplesmente por ter sorte – inclusive a sorte de ter tudo do bom e do melhor trabalhando a seu favor. A estas pobres almas, respondo com uma frase de um empresário chamado Bernardo Goldfarb, que já não está entre nós mas formou um império que hoje é formado por 150 lojas Marisa em todo o Brasil: “Quanto mais eu trabalho, mais eu tenho sorte”.

+++

Fora a vitória de Schumacher e o desempenho da Ferrari, merecem menção na crônica sobre o GP de Bahrein:

– O desempenho da BAR e o 3º lugar de Jenson Button, que passou a ocupar igual colocação no campeonato. Button, sem exibições espetaculares, se firma como piloto rápido e eficiente.

– Por falar em BAR, Takuma Sato classificou-se à frente de Button e tornou-se o primeiro piloto japonês a liderar um GP, ainda que isso só tenha acontecido porque ele parou para abastecer depois das Ferrari e do Williams de Montoya. Pena que Sato tenha jogado sua corrida fora ao sair da pista e danificar a asa dianteira.

– O fiasco da outrora poderosa McLaren, cujos dois carros estavam entre os três que abandonaram a corrida (o terceiro, segundo na cronologia da corrida, foi a Minardi de Baumgartner). Muito pior do que isso, os carros da McLaren não dão o menor sinal de que possam melhorar nas próximas etapas. Raikkonen, até abandonar, teve trabalho para se defender da Jaguar do novato Christian Klien. E paro as análises por aqui, para não parecer que quero humilhar a McLaren…

+++

Não resisto a reproduzir trecho de uma das recentes colunas publicadas por Castilho de Andrade no Jornal da Tarde: “Quanto ao raciocínio duvidoso de que a superioridade da Ferrari de Michael Schumacher coloca em risco o interesse do campeonato, basta lembrar que nenhuma modalidade esportiva, até hoje, foi prejudicada porque apareceu um atleta muito superior aos demais, como Pete Sampras no tênis, Tiger Woods no golfe, Muhammad Ali nos pesos pesados, Nadia Comaneci na ginástica, o Chicago Bulls de Michael Jordan ou o Santos de Pelé. Ao contrário, eles contribuíram para criar um saudável desafio que sempre atraiu o interesse do público e da mídia especializada”.

Castilho acompanha praticamente todos os esportes existentes sobre a face da Terra há pelo menos 35 anos. Sabe do que está falando. Dias depois, Bernie Ecclestone soltou frase sobre Schumacher, com sentido idêntico ao exposto pelas palavras do Castilho.

Aos casos lembrados pelo Castilho (que foi meu chefe e, depois, do Ico no JT), acrescento mais um: Giacomo Agostini, 15 vezes campeão mundial de motociclismo (8 na categoria 500 cm³ e 7 na 350 cm³). Entre 1968 e 1970, Agostini venceu 20 GPs seguidos na 500 cm³. Foi campeão invicto em 1968 e 1969, e ainda ganhou as primeiras corridas de 1970.

Sabe o que fizeram os dirigentes da FIM (Federação Internacional de Motociclismo) diante de domínio tão absoluto? NADA. Não criaram regras esdrúxulas, não mexeram na pontuação, não inventaram sistemas de treino idiotas como esse de hoje. Em suma, não puniram Agostini e a equipe MV Agusta por serem mais competentes que os outros.

E o Mundial de Moto não acabou por isso. Em 1971 e 1972, surgiram adversários fortes, capazes de enfrentar Agostini. O Mundial voltou a ter grandes disputas e hoje está aí, ultracompetitivo e despertando cada vez mais interesse. Quanto a Agostini, ele continuou andando entre os primeiros, ganhando alguns títulos e perdendo outros até 1977, ano em que parou de correr com motos. Até hoje, é um dos maiores ídolos do esporte.

+++

Creio que nunca a Fórmula 1 teve tanta preocupação em se adaptar à cultura do país de um GP como aconteceu em Bahrein.

Até hoje, o máximo que havia sido visto nesses termos era a comemoração sem champanhe dos pilotos da Williams entre 1979 e 1984, anos em que a equipe teve patrocínio de empresas árabes. No pódio, os pilotos bebiam suco de frutas ou água, e fugiam até mesmo dos jatos de champanhe que invariavelmente recebiam dos colegas. O momento de maior ousadia foi perpetrado por Alan Jones ao conquistar o título mundial de 1980, o primeiro da Williams: posar ao lado de uma garrafa de champanhe fechada.

Agora foi diferente. Para correr pela primeira vez no Oriente Médio, a categoria teve que fazer diversas concessões. Aboliu as garotas de shortinhos e blusinhas sumárias, proibiu palavrões e ofensas nas arquibancadas, substituiu a champanhe do pódio por uma bebida espumante não alcoólica feita com frutas típicas.

Nem por isso a chegada da F 1 a um país do Oriente Médio pôde ser considerada sem graça. Eu, pelo menos, achei muito interessante a paisagem em torno do circuito (a pista em si é igual a todas as que apareceram na F 1 de 1990 para cá) e ver torcedores usando turbantes e roupas típicas daquela região.

Se hoje uma corrida no Oriente Médio parece algo exótico, daqui alguns anos poderá ser a coisa mais natural do mundo – como já acontece com a Hungria. Os mais jovens podem não acreditar, mas em 1986 a estréia da F 1 em um país da “cortina de ferro” (quem não souber o que foi isso, por favor volte à escola ou procure um bom livro de história) representou um marco. Era difícil imaginar a F 1 correndo em um país comunista.

Confesso que eu nunca havia ouvido falar do Bahrein antes do anúncio de que esse país sediaria um GP de F 1. Em 1972 e 1973, certamente a F 1 fez muitos fãs de automobilismo saberem que no Brasil temos cidades como São Paulo, que mesmo com suas deficiências (muitas e em escala gigantesca) faz parte do grupo das mais prósperas e avançadas do mundo. Automobilismo também pode ser cultura.

+++

Assino embaixo o que o Edu escreveu sobre os circuitos nos quais a F 1 corre hoje. Tanto o lado ruim quanto o lado bom. Para quem quiser ler, basta rolar a barra lateral: a coluna dele está logo abaixo da minha.

Luiz Alberto Pandini
GPTotal
GPTotal
A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *