Todo o tipo de profissional está sujeito a acidentes de trabalho. Claro que, dependendo do ofício, os riscos são maiores. A chance de um jornalista levar um choque ao ligar seu computador, embora exista, é infinitamente menor que a de um pedreiro cair do andaime de uma obra. É por isso que as seguradoras cobram diferentes valores para seguros deste tipo.
Na Fórmula 1, acidentes são quase que um requisito da profissão. Pode ser tanto a conseqüência de uma disputa ou um meio para vencê-la. Na história, há registro de todo o tipo de batidas: as que definiram títulos mundiais, como as de 1989 e 1990; as trágicas, como a do GP da Itália de 1961; as espetaculares, como a de Christian Fittipaldi em Monza-1993; as barbeiragens, como o imbroglio entre Nelson Piquet e Eliseo Salazar na Alemanha-1982; e mesmo as infantis, como a de Ayrton Senna em Mônaco-1988.
E há uma categoria pouco conhecida, a dos acidentes realmente bestas, ocorridos fora do carro, mas durante um fim-de-semana de corrida. Para um piloto, não deve haver nada pior do que se ferir fora do ambiente de proteção e competição que o cockpit proporciona. Mas isto já aconteceu diversas vezes. Com vocês, uma compilação dos acidentes mais idiotas da história da Fórmula 1, em ordem cronológica:
1) Bruno Giacomelli – GP do Canadá de 1983
Era mais uma típica corrida do italiano naquela temporada. Andando sempre no pelotão intermediário com sua Toleman, sem armas e, talvez, talento para brigar por pontos, restava a Giacomelli se arrastar entre o 10° e o 14° lugares. Na volta 44, o motor Hart abre o bico e deixa o piloto a pé. Longe dos boxes, o italiano resolve ficar junto dos fiscais e esperar a corrida acabar, enquanto pensava na vida.
Encerrada a prova, Bruno vai caminhando aos boxes na beira da pista quando Keke Rosberg pára e oferece uma carona. É o início de uma jornada com final infeliz. “Keke ia tão rápido que meu medo só crescia. Eu só podia me agarrar ao carro da Williams com uma mão. Na outra, veja, só, eu segurava o capacete ao invés de tê-lo em minha cabeça! Gritei para ele ir devagar, mas com o motor não dá para ouvir nada. Claro que ao volante você tem outra noção de velocidade do que quem está sentado na carenagem. Keke chegou a uns 60, 70 kn/h na chicane… e eu voei direto contra o muro! Eu me caguei de medo”, testemunhou o italiano.
Quando viu o que aconteceu, Rosberg parou o carro e desceu do cockpit tremendo. Por sorte, Giacomelli sofreu apenas escoriações, mas teve de ir ao hospital e retornou ao paddock todo enfaixado. Quando soube do ocorrido, o diretor da Brabham Herbie Blash se virou ao seu piloto Nelson Piquet: “nunca aceita uma carona do Rosberg, mas se você vir o Prost em pé na beira da pista, pegue-o e faça a mesma coisa.”
2) René Arnoux – GP da África do Sul de 1983
Na última corrida da temporada, as chancês do francês ganhar o título eram mínimas. Mas motivação não ia faltar, afinal não haveria nada mais doce para Arnoux do que derrotar seu arquirrival e compatriota Alain Prost. Os dois foram companheiros de equipe na Renault no ano anterior e passaram a se odiar. Ser campeão logo em seu primeiro ano na Ferrari seria uma bela resposta à Prost, à Renault e à mídia francesa.
Para tanto, Arnoux tinha de vencer em Kyalami e torcer para que Prost não pontuasse e Piquet não fosse além de um quarto lugar. O francês saiu à pista no treino livre de sexta-feira, mas um curto-circuito fez sua Ferrari parar no meio do caminho. Sem perda de tempo, Arnoux saltou do carro e passou a gesticular com os fiscais: queria que o ajudassem a empurrar a máquina para um lugar seguro.
Sem o peso do piloto, porém, o carro rolou devagar no ligeiro declive e 540 quilos passaram sobre o pé direito de Arnoux. O francês foi para o hospital, onde constataram que nenhum osso foi quebrado. Mas o incidente trouxe uma amarga conseqüência: o piloto sofria fortes dores ao acelerar. Sem condições físicas para vencer, Arnoux pelo menos contou com uma mão do destino. Na corrida, o motor de sua Ferrari quebrou logo na nona volta e ele pôde se poupar do esforço a que estava se submetendo.
3) Nigel Mansell – GP da Áustria de 1987
Era vencer ou vencer. As duas corridas anteriores haviam sido ganhas por Nelson Piquet, seu companheiro de equipe e rival na briga pelo título. Era urgentemente necessário que Mansell vencesse para se recolocar na disputa. No treino de sexta-feira, as duas Williams logo se destacaram na briga pelo melhor tempo, com o brasileiro batendo o inglês por um mísero décimo de segundo. No sábado, as tradicionais nuvens da região da Estíria trouxeram chuva ao circuito e impediram qualquer melhora de posição.
As duas primeiras largadas da corrida foram anuladas após dois engavetamentos na reta dos boxes, o que motivaria a retirada do circuito do calendário por dez anos. Na terceira saída, Piquet assumiu a ponta e Mansell caiu para quarto lugar, atrás de Thierry Boutsen e Gerhard Berger. O inglês ultrapassou o austríaco e foi ajudado por uma barbeiragem do belga, que danificou seu carro numa tentativa estabanada de ultrapassar Piquet. Logo as duas Williams passaram a andar juntas.
Piquet fez seu pittop na volta 20 e logo depois, com pneus novos, fez a melhor volta. Mansell parou na volta 25 e, mesmo assim, voltou à pista na ponta. Algumas passagens depois e foi a vez do inglês estabelecer a melhor volta da corrida. Neste momento, Piquet parece ter desistido da disputa, passeando até o final para terminar em segundo lugar.
Após a bandeirada, Mansell não cabia em si de felicidade. Além da vitória, sua performance foi um golpe mental no adversário. Por isso, o inglês ficou de pé e saudando o público no carro aberto que levava os três primeiros colocados ao pódio. Estava tão contente que não percebeu que o carro passaria sob uma pequena passarela de concreto. O choque foi forte e Mansell quase foi a nocaute. No pódio, ainda tonto, o “Leão” exibia um senhor galo na testa. Piquet, a seu lado, ria e se sentia vingado.
4) Taki Inoue – GP da Hungria de 1995
Quando o motor Hart de sua Arrows começou a falhar na 14ª volta do GP da Hungria, o japonês Taki Inoue praguejou: “de novo!!!” Era a nona vez em dez corridas que o piloto ficava a pé naquela temporada. Resignado, enconstou seu carro na grama e, quando viu fumaça saindo do escapamento, correu para um fiscal próximo para buscar um extintor.
Neste exato momento, se aproximava do local um carro de apoio, que acabou por atingindo Inoue. O choque foi relativamente forte, o suficiente para fazer o japonês levantar vôo. O saldo final apresentou apenas uma contusão no joelho, mas o incidente acabou sendo o momento mais marcante da passagem do piloto na Fórmula 1.
5) Juan Pablo Montoya – GP de San Marino de 2003
Na entrada do paddock do circuito de Ímola, Juan Pablo Montoya encontrou Bernie Ecclestone. O colombiano, junto da esposa Connie e do manager Julien Jakobi, iniciou um papo com o chefão da Fórmula 1 enquanto caminhavam em direção a seus motorhomes. Como sempre ocorre, a presença de Bernie deixa a mídia agitada e o cameraman da tevê austríaca partiu de equipamento em punho em direção ao dirigente.
Quando percebeu o movimento, Bernie acelerou o passo para se refugiar no motorhome da Ferrari, o que estava mais perto. Montoya, rindo do desajeitado trotar do septuagenário, não percebeu do outro lado a aproximação do cinegrafista que, com o olho no visor, também não viu o colombiano. O encontrão foi forte e a borda da lente da câmera causou um corte na cabeça do piloto.
Atordoado, Montoya pôs a mão na cabeça e viu sangue. Colérico, passou a proferir sem parar uma das frases mais engraçadas da história da Fórmula 1: “You fucking idiot! You broke my fuckin head!” Foi preciso a intervenção quase maternal de Connie para que Montoya não agredisse o cinegrafista. O colombiano é conhecido como um dos pilotos com menos paciência com a imprensa, e o episódio com certeza não ajudou em nada para mudar este quadro.
+++
Comentários sobre o GP da Espanha do último domingo: corrida? Que corrida? Pelo menos, neste próximo fim-de-semana teremos o Rali do Chipre!
Abraços e até a próxima,
Luis Fernando Ramos |