Há cinco dias da abertura do Mundial de F1, todo o universo conhecido aposta em mais um título de Lewis Hamilton e da Mercedes. Os ensaios na Espanha, de fato, apontam superioridade dos alemães, mas é bom lembrar que a equipe mais rápida nas pré-temporadas 2016, 2017, 2018 e 2019 foi a Ferrari.
De minha parte, deixei de me preocupar em tecer previsões já há algum tempo, ao perceber quão difícil é projetar desempenhos a partir dos treinos pré-temporada, ainda mais nestes tempos em que os carros rodam comparativamente tão pouco, a maior parte dos ensaios sendo feitos em túneis de vento, simuladores e supercomputadores, e também pelo fato de as grandes equipes terem adquirido enorme capacidade de aprimorar seus carros com o campeonato em andamento. Fracassos retumbantes como o Lotus 80, de 79, e o Ferrari 312 T5, de 80, não aconteceriam hoje em dia.
Voltando às previsões pré-temporada, antigamente eu podia contar com as previsões de AutoSprint.
Como não posso mais, começo a temporada 2020 tomando uma decisão difícil: depois de 34 anos ininterruptos, cancelei minha assinatura da revista italiana de automobilismo.
Minha indisposizione com ela vinha se acumulando desde que Alberto Antonini a deixou para se tornar assessor de imprensa da Ferrari, levado pra lá por Maurizio Arrivabene que, com isso, atraiu a minha antipatia eterna.
Antonini foi um repórter extraordinário e insubstituível. Trabalhador incansável, preenchia facilmente dez páginas da revista semana após semana, bem mais do que isso nas edições cobrindo GPs, somando conhecimento esportivo, técnico, político, econômico e histórico sobre a Fórmula 1. Textos escritos por ele traziam informações inéditas em profusão. Sabia especular e até fofocar com elegância e sem a empáfia de tantos repórteres ingleses dedicados à categoria.
Depois que Antonini saiu, sobrou Alberto Sabatinni, diretor de AutoSprint. Ele tentou segurar as pontas como conseguiu, mas acabou deixando o cargo e se tornando colaborador, escrevendo geralmente sobre os GPs. É o que me manteve no rol dos leitores da revista, pois Alberto tem uma visão diferenciada do desenvolvimento dos GPs – como ele, só conheço Márcio Madeira –, ainda que não tenha tantas informações de bastidor quanto Antonini.
Sob nova direção, AutoSprint trouxe vários comentaristas que definiria mais como beletristas, perpetrando textos rebuscados, ainda que eventualmente muito bem humorados, mas com pouco ou nenhum conteúdo informativo, muito menos bastidores.
Ora! De textos pretensiosos, me bastam os meus…
Minha relação com AutoSprint é bem antiga, anterior à assinatura. Já em 72, eu varava bancas de jornais da Avenida Paulista, em São Paulo, atrás de números dela. Ainda tenho o anuário de 1972, Emerson Fittipaldi dividindo a capa com o magnifico Ferrari 312 PB com Jacky Ickx ao volante. Não sei, sinceramente, como arrumava dinheiro pra comprar um tesouro desses. Foi mais ou menos nesta época que me tornei amigo de Roberto Agresti e passamos a dividir nossas edições.
Nesta altura, AutoSprint era dirigida pelo pai de Alberto, Marcelo Sabbatini, um jornalista à moda antiga, apaixonado, sanguíneo, ativista, encrenqueiro, com especial prazer em terçar armas com Enzo Ferrari. A Marcelo se atribuiu, por exemplo, boa parte da enorme popularidade conquistada por Gilles Villeneuve.
Os anos se passaram, o dinheiro deixou de ser um problema premente para mim, me permitindo o luxo de assinar a revista e, assim, adquirir alguma habilidade em ler o italiano. Isso coincidiu com um período glorioso de AutoSprint, comandada por Carlo Cavicchi, diretor de redação entre 84 e 99.
Neste período, a revista não foi para mim apenas uma fonte de informações e histórias de automobilismo, mas também de jornalismo de qualidade em todos os sentidos, principalmente em independência e coragem, especialmente visíveis na cobertura da morte de Ayrton Senna.
Assinava nesta época também a inglesa AutoSport e um jornal português especializado em automobilismo, cujo nome me escapa, e vi ambos literalmente amarelarem diante do vulto da perda, se apressando em tentar livrar a cara da Williams, da Fia e do autódromo de Imola. Vi nesta postura pusilânime o dedo de Bernie Ecclestone, aqueles olhinhos rapinos temendo que, de alguma forma, a morte do brasileiro e de Roland Ratzenberger afetasse a reputação da categoria, comprometendo toda a cadeia de negócios na qual as revistas era não mais do parafusos, dos pequenos.
AutoSprint não caiu nessa armadilha. O fato de o dono da editora da revista ser um dos diretores de Imola, devidamente arrolado no processo que se seguiu ao 1º de maio de 94, não intimidou Cavicchi, Antonini e colegas de redação.
Uma semana depois do acidente, AutoSprint já trazia em sua capa a tese da coluna de direção quebrada e não descolou mais do assunto, cobrindo de forma exemplar a apuração dos acidentes até o esclarecimento total dos fatos pela justiça italiana, com auxílio de um grupo de especialistas, entre eles Mauro Forghieri.
Além disso, AutoSprint tratou a morte de Senna de forma humana e respeitosa. Angelo Orsi, seu fotógrafo principal, estava metros distante do local do acidente e pode registrar todo atendimento ao piloto agonizante, em seus aspectos mais chocantes. No entanto, a maioria das fotos tiradas por ele restaram trancadas em um cofre, espero que para sempre.
Preciso dizer ainda que minha opção pelo abandono de leitura tão tradicional e prazerosa tem relação direta com o que hoje definimos como “plataforma”. Recebi a edição impressa de AutoSprint até uns cinco anos atrás, mas acabei me rendendo à edição digital, disponibilizada pontualmente no começo das noites das 2as-feiras.
A transição da plataforma impressa para a digital me foi indigesta, ainda que tenha erradicado o ônus da espera, que flutuava entre quatro e vinte dias, a depender dos humores do correio. Nunca tive com o tablet em mãos o mesmo prazer que tinha ao ler a edição impressa. Sou, ai de mim, para todo o sempre, um leitor de papel, não de telas.
Então é isso, AutoSprint. Obrigado, valeu por tudo, ci vediamo in giro.
Eduardo Correa
2 Comments
Grande Edu! Escreva sempre cara colega de amor pelo automobilismo. Um bom ano pra nós.
Belíssimo Texto Edu!
Fico imaginando o quanto deve ter sido prazeroso, e também, o que você viu durante todos estes anos lendo está revista tão tradicional, pois se pra mim ler a Grid nos anos 80/90 era algo incrível, o que dizer da AutoSprint.
Abraço!
Mauro Santana
Curitiba-PR