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A Coppa Acerbo era a penúltima grande prova internacional a ser realizada na Italia.

Embora composto por estradas, o circuito era velocíssimo, com várias retas longas, a ponto de os organizadores decidirem criar uma sensata chicane, para minorar os riscos.

Com os carros da época, sem segurança alguma, mais a liberdade para o público se postar praticamente dentro da pista, sem barreiras, era um bom movimento.

Automobilismo de alta performance em estado puro. Raiz.

Vamos conhecer um testemunho – imparcial – da época. Com a palavra Earl Howe, competidor inglês frequente em provas dessa categoria.

“O circuito sempre me impactou com como um dos melhores que conheci, em formato triangular cobrindo 24 ou 25km (N.A.: 25,5km, para ser exato). Dois lados do triangulo eram compostos por retas enormes, cada uma com cerca de seis milhas de extensão, com a mais perfeita superfície, um carro, não importa quanto fosse veloz, poderia ir ao máximo de sua capacidade nelas. A terceira perna era sinuosa com muitas curvas interessantes e difíceis, e dois grampos completos. Enormes multidões se reuniam nas margens e era presumivelmente difícil para as autoridades mantê-las fora da pista.”

Explicitando: o local da largada ficava em uma reta de 1km junto ao resort litorâneo de Pescara. Antes de chegar a Pescara propriamente dita havia uma longa curva para a direita, se afastando do litoral, seguida por um trecho sinuoso de 11km subindo para as Montanhas Abruzzi. Desse ponto em diante o traçado seguia por mais 11km, aproximadamente, em uma descida em velocidade alucinante até Montesilvano. Aí havia uma curva rápida para a direita junto à estação de trem, que desembocava na reta Lungo Mare, que seguia ao longo da costa até o trecho da largada.

Como era de se esperar, a Alfa Romeo planejou participar com força total, para evidenciar mais uma vez seu domínio. Mas com modificações inesperadas.

Nuvolari e sua Alfa P3 foram inscritos pela Scuderia Ferrari. Parece que foi um modo de recompensar Enzo pela parceria de tantos anos. Campari, embora inscrito para pilotar outra P3, não compareceu.

E assim Rudolf Caracciola foi inscrito para levar uma terceira P3, Borzacchini uma Monza. Piero Taruffi, Antonio Brivio e Pietro Ghersi pilotariam as Monza habituais da Ferrari.

A Maserati trouxe a V5,  de 5,0L 16 cilindros em V, para Luigi Fagioli, uma 26M de 3,0L 8 cilindros para Amedeo Ruggeri, naturalmente apostando em motores mais potentes para se impor nas retas do triangulo.

A Bugatti se dispôs a disputar oficialmente, e enviou duas T51 2,3L 8 cilindros, para sua dupla de ases, Louis Chiron e Achille Varzi.

Uma Mercedes SSKL, 7,1L 6 cilindros para Manfred von Brauchtisch e uma SSK para Albert Broschek, ambas em versão de corrida. Embora a Mercedes ainda estivesse longe de colocar seus melhores esforços nesta categoria, notou-se a presença de seu chefe de equipe, Alfred Neubauer.

Além desses pesos-pesados vinha a ala de independentes.

Clemente Biondetti com sua MB (Maserati-Bugatti) Speciale, 2,5L 8 cilindros, Giuseppe Morandi com Bugatti T35B, além de Silvio Rondina com a OM 665 de 2,2L.

Na categoria até 1,5L, estavam Secondo Corsi e a Signora Vittoria Orsini, com Maserati 26 1,5L 8 cilindros, Madame Ane-Cecile Rose-Itier com Bugatti T37A, 1,5L 4 cilindros, e Earl Howe com sua Delage 15S8 de cinco anos atrás, 1,5L 8 cilindros, compondo um grid de 23 carros.

No dia da corrida uma multidão estimada em 50 mil pessoas estava presente. O forte calor indicava que os pneus talvez não aguentassem a corrida toda.

A primeira fila era composta por Borzacchini, Rondina, Caracciola, seguidos por von Brauchitsch, Taruffi e Nuvolari. Na terceira, Biondetti, Broschek e Brivio. Na quarta, Ghersi, Howe e Corsi. Na quinta, Ruggeri, Morandi e Fagioli. Na sexta, Orsini, Rose-Itier e Varzi, seguidos por Chiron.

A largada foi dada às 10:15 pelo Príncipe Umberto. Borzacchini largou melhor que todos, assumiu a ponta e a manteve por 9,5km, até Spoltore, quando foi ultrapassado por Caracciola e Nuvolari, nessa ordem. O alemão completa a volta em 10’55.0”, com o mantuano bem perto.

A enorme SSKL de von Brauchitsch tem um problema no motor, aparentemente de ignição e ele é obrigado a parar o carro no acostamento, entre Spoltore e Capelle, voltando a pé para os boxes. Ou seja, teve que caminhar uns 10km ao menos, uma vez que não havia sistema de resgate para isso.

Ghersi teve que ir aos boxes quando ocupava a nona posição. Chiron e Varzi andavam colados. Howe já abria quase 1 minuto dos demais carros de 1,5L.

A ordem era: Caracciola,  Nuvolari, a meros 8 décimos, Borzacchini marcando 11.21.0, Taruffi a apenas 6 décimos. Brivio vinha a mais de um segundo atrás, seguido por Fagioli, Chiron, Varzi, Ruggeri, Ghersi, Howe, Broschek, Biondetti, Rondina, Corsi, Morandi,  Orsini, com Rose-Itier fechando a raia, virando em 15’14.0”.

Caratsch cumpre a segunda volta em 10’42.0”. Tazio vem 2 segundos atrás. Borzacchini ocupa a terceira posição, pouco menos de um minuto atrás do líder. Fagioli avança para o quarto posto mas vira em 10’57”, a grande Maserati de 16 cilindros está longe de representar ameaça para os ponteiros.

Estava claro que quem tem a melhor relação peso-potência tem mais chances de se impor, porque nessa volta a platéia se anima ao ver Howe, com sua pequena e antiga Delage duelando com a gigante SSK de Broschek, ambos virando no mesmo tempo, disputando o 9º lugar.

As Bugatti se mostravam inofensivas até esse momento. Chiron em 7º, Varzi em 8º. Entre Fagioli e o monegasco corriam Taruffi e Brivio, com as bem conhecidas Alfa 2,3L.  Atrás de Howe vinham Biondetti, Ruggeri, Rondina, Morandi, Ghersi, Orsini, Corsi e Rose-Itier, a mais de 8’ do líder.

Rudolf vira em 10’46” e abre 5 segundos do mantuano na terceira volta, que vira em 10’49”. Fagioli passa Borzacchini, virando em 10’56”.

Taruffi e Brivio protagonizam outro duelo, no caso interno da Scuderia Ferrari. Chiron se mantém à frente de Achille, Broschek abre 50” de Howe que, por sua vez, está a imensos 6 minutos à frente do seu mais próximo concorrente da categoria 1,5L.

Atrás dele vinham Biondetti, Rondina, Orsini, Corsi. Rose-Itier agora estava à frente de Ruggeri e Morandi, que tinham tido problemas e se atrasaram.

A diferença de Caracciola para Tazio aumenta para 8 segundos na 4a. volta.

Além da inferioridade mecânica Fagioli parece estar sem sorte. Um dos paralamas traseiros se destaca do carro e vem atingir seu braço, causando um ferimento muito dolorido. Ele se arrasta até os boxes e é substituído por Ernesto Maserati.

Broschek tem problema similar mas que causa cortes em um pneu traseiro, em plena reta. Ele chega aos boxes com o pneu em pedaços. Para animar a plateia agora resta a batalha entre Brivio e Taruffi, este conseguindo se manter à frente por margem muito estreita. Ernesto vinha atrás deles, em 7º, posicionado entre Chiron e Varzi. Howe tinha finalmente herdado o 9º lugar e era seguido por Biondetti, Orsini, Rondina, Corsi, Broschek, Ruggeri. Rose-Itier tinha se atrasado no pitstop e Morandi abandonado. Agora restavam 16 competidores na pista.

Como a grande Maserati de Fagioli/Ernesto estava muito atrás e não era páreo para as monoposto, as Bugatti não eram nem para as Alfa Monza, Caratsch e Nuvolari receberam sinalização para diminuir o ritmo. Sem ameaças, não havia motivo para forçar mecânica e pneus.

Ambos passaram a virar na faixa de 11’ na quinta volta mas Tazio diminui menos e ultrapassa o alemão.

Chiron faz um esforço extra e ultrapassa duas das Alfas que iam à sua frente mas, em compensação, nessa mesma volta Varzi é obrigado a abandonar, com problemas na bomba de óleo. Borzacchini sofre de problema similar, na bomba de gasolina, mas consegue retornar após longa parada nos boxes.

Com isso Ernesto Maserati sobe para a sétima posição, Borzacchini para a oitava, seguido por Howe, Biondetti, Orsini, Corsi, Broschek, Ruggeri, Rose-Itier e Rondina.

Broschek teve um pneu estourado e precisou ir aos boxes para trocar. Ruggeri abandonou, devido a problemas de motor. Rose-Itier se sentiu mal com o intenso calor e precisou parar por alguns minutos nos boxes, para se recompor. Rondina abandonou.

Durante a sexta volta Tazio alcançou 1h05m47 de corrida, com média de 139.530km/h, Rudi oito segundos atrás. Chiron se defendia como podia de Taruffi, naquele momento o mais rápido piloto Ferrari. Brivio vinha mais atrás. A Alfa de Borzacchini volta a ter problemas de pressão de combustível e ele faz mais uma visita aos boxes. Corsi se destaca pela consistência, porque conduz sua Maserati 1,5L sem paradas nos boxes, virando entre 14m07s e 14m31s. É seguido por Broschek e Rose-Itier.

Mais uma volta e Tazio abre mais dois segundos de Rudi, mesmo ambos visivelmente poupando seus carros. Com isso o monegasco diminui a distância mas fica ainda a longos 31 segundos de Caratsch.

Enzo sinaliza para Nuvolari aumentar o ritmo embora não houvesse ninguém para o ameaçar, exceto o colega com a outra P3. Natural, Tazio estava competindo pela Scuderia Ferrari.

Brivio pára nos boxes para combustível e pneus. Ernesto se mantém no sexto lugar, virando tempos próximos do seu piloto nº 1, Fagioli. Howe segue em 7º, líder absoluto na categoria 1.500cc. Borzacchini vem atrás, após mais uma parada nos boxes devido ao mesmo problema. É seguido por Biondetti, Orsini, Broschek, que também tinha precisado parar, novamente devido a pneu gasto além da conta. Parece que o peso da SSK era demasiado para o confronto pneus versus calorão. Corsi fecha o grupo porque Rose-Itier abandona.

Na oitava volta Nuvolari estabelece o giro mais rápido, 10m25.4s, média de 146,785km/h, Caracciola a 28 segundos e por sua vez Chiron a 50 segundos do alemão.

Taruffi entra rápido demais em uma curva para a direita em descida antes de Cappelle. Roda, bate a frente do carro em uma casa (sim, uma casa) e depois a traseira. Felizmente não se machuca, mas o carro fica imprestável. Brivio assume a 4a. posição a 20s de Chiron. Bem distante vem a Maserati V5, agora pilotada por Ruggeri. Howe mantém sua excelente performance, agora no sexto posto, sendo seguido por Borzacchini, Biondetti, Orsini, Broschek e Corsi.

A esta altura da prova os concorrentes estavam cada vez mais espaçados, o que praticamente eliminava as possibilidades de duelos, exceto entre as Maserati 1,5L de Corsi e Orsini, separadas por meros 2s. Na volta 9 a única emoção é Caratsch tirar 4s da diferença para o mantuano.

Mas a volta seguinte tem mais emoção, porque essa diferença cai brutalmente para meros (digamos) 8s.

As demais posições não sofrem alteração mas Howe, Borzacchini e Biondetti tomam uma volta. Corsi, Orsini e Broschek duas.

Tazio não vai deixar assim e volta a virar mais rápido, 10m53s, livrando 20s na volta 11. A outra novidade é Biondetti alcançando o 8º posto, mas mais de 6m atrás de Howe. Quando a bandeira quadriculada é agitada, Rudi está a 14,2s de Tazio.

As Alfas estavam equipadas com a última geração de pneus Pirelli, que provaram suportar a corrida e o terrível calor sem precisar troca.

O bravo Chiron chegou a 1m54.6s de Caratsch, seguido por Brivio, a V5 com Ruggeri ao volante, Borzacchini, Howe, Biondetti, Corsi e Orsini.

Não é certo que Broschek tenha completado a prova (atrás da Signora Orsini) porque após a passagem dos ponteiros a multidão, eufórica, começou a invadir a pista, obrigando os organizadores a sinalizar aos competidores seguintes para parar mesmo antes da linha de chegada.

É muito provável que Enzo Ferrari tenha estimulado Nuvolari a garantir a vantagem em um eventual duelo acirrado porque não queria perder a chance de obter uma vitória para sua equipe, com o melhor carro – Alfa P3, italiano – e com o melhor piloto italiano, competindo na Italia. Esse entusiasmo desmedido da multidão presente justifica.

Não tira o valor de Rudolf Caracciola, que poderia, sim, ter lutado pela vitória, como provou alguns anos depois.

Seja como for, todos os fatores levavam a um andar mais alto na construção da lenda Tazio Nuvolari e alicerçavam a lenda Scuderia Ferrari.

Muito merecidamente, como se viu ao longo do tempo.

Não se tem notícia de um piloto de carros de corrida que tenha sido objeto de tantas músicas em sua homenagem como ocorreu com Tazio.

Aqui vai uma delas.

(Arriva Tazio)

Pescara atualmente conta com um monumento em homenagem aos bravos pilotos que por ali correram

Até a próxima

Carlos Chiesa

Carlos Chiesa
Carlos Chiesa
Publicitário, criou campanhas para VW, Ford e Fiat. Ganhou inúmeros prêmios nessa atividade, inclusive 2 Grand Prix. Acompanha F1 desde os primeiros sucessos do Emerson Fittipaldi.

6 Comments

  1. RAFAEL FRIEDRICH RUDOLF BRANDÃO MANZ disse:

    Sempre ótimos posts. Obrigado, voa semana a todos.

  2. Piero helzel disse:

    Segui a corrida curva a curva, empolgado, parecia que estivesse lá. Meu pai falava muito de Tazio, mas só agora, que assisti essa corrida, entendo o porquê ele o achava um grande piloto. Narração que te coloca na pista. Muito bom.

    • Carlos disse:

      Fico feliz que tenha gostado. A impressão que tenho é que nas corridas dessa época ninguém morria de tédio.

  3. Fernando Marques disse:

    Grande Chiesa,

    Mais um deleite de história … com belas fotos em mais um triunfo do Tazio super bem narrada …
    Show de bola

    Fernando Marques
    Niterói RJ

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