Panda
26 anos de jornalismo me ensinaram que toda verdade tem outro lado. Isso me levou a ser, em muitos e muitos casos, uma metamorfose ambulante, como talvez alguns leitores já tenham notado. Enfim, ninguém é perfeito…
Falo isso para me juntar a você em discretos elogios ao Bernie Ecclestone, que desceu a madeira no Rubinho na semana passada, ainda que pelos motivos errados – não que Rubinho não merecesse.
É aquela coisa: hay dirigente esportivo? Então soy contra. E Bernie não é apenas um dirigente esportivo; é o dirigente esportivo.
Então lenha redobrada nele – e não que não mereça, pois dinamitou impiedosamente as melhores pistas do mundo e outras categorias, tendo compactuado ou posto ele próprio em prática medidas que tornaram o esporte quase que um detalhe neste circo de grana e vaidades.
Mas, dizia eu, toda verdade tem seu outro lado.
Foi Bernie, como você bem observou, quem tornou possível ao mundo inteiro acompanhar ao vivo todo o campeonato. Foi ele quem permitiu o extraordinário desenvolvimento da categoria, projetando-a do cenário europeu para a vanguarda dos esportes globais e, o mais importante, ele foi um dos mais importantes artífices no fim do morticínio de pilotos.
Nunca é demais lembrar que, entre 70 e 73, coincidindo com o período em que Bernie trocou a condição de empresário de Jochen Rindt pela de proprietário da Brabham, nove piloto de Fórmula 1 encontraram a morte nas pistas (ainda que vários deles em provas de outras categorias).
Repito: nove. Neste período, cerca de 35 pilotos passaram pela categoria com alguma regularidade, de forma que temos aí uma morte a cada quatro pilotos.
Claro que Bernie não fez tudo isso sozinho mas foi ele quem catalisou e liderou este processo, coisa que gente como Colin Chapman, Ken Tyrrell e mesmo Enzo Ferrari na demonstraram interesse ou competência para fazer. Bernie, assim como os grandes campeões, estava no lugar certo na hora certa. A Fórmula 1 moderna, não há o que discutir, é obra de Bernie.
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Mudando de assunto mas ficando nele, não me sai da cabeça que há um buraco na biografia de Bernie entre o final dos anos 50 e o fim dos anos 60, quando reapareceu aos olhos do mundo como manager de Jochen Rindt (ele teria dito ao austríaco no final da temporada de 68: “quer ser campeão mundial? Então assine com a Lotus; que continuar vivo, então fique com a Brabham”. Rindt, é claro, optou pela Lotus).
Neste intervalo de tempo, as sempre sucintas notas biográficas do chefão da Fórmula 1 informam que ele enriqueceu negociando carros usados.
Não sei não. Acho que tem mais coelho neste mato. Não me lembro inclusive de ter visto uma foto sequer do bom velhinho antes do final dos anos 60. Você sabe que Bernie persegue implacavelmente seus biógrafos não autorizados e ano passado conseguiu uma decisão na justiça proibindo a edição de um livro sobre a sua vida.
O que será que Bernie esconde com tanta diligência? Respostas para esta coluna…
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Mas tudo na vida…
Não posso deixar de admirar a coragem de Bernie ao vê-lo em uma foto voltando do local do acidente de Rindt – que teve uma morte particularmente cruel – em Monza com o capacete do amigo debaixo do braço, o passo aberto e altivo, a cabeça erguida.
Imagino que ele se dirigia ao box da Lotus, ao encontro de Ninna, a esposa de Rindt, para transmitir-lhe a notícia que ninguém esperava ouvir.
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Outro dia, conversando sobre as declarações de Bernie, ouvi de um amigo; “Luca di Montezemolo que não brinque com Bernie, que ele acaba comprando a Ferrari”.
Pode parecer piada mas não é não. A Ferrari vale, segundo cálculos da própria Fiat, sua acionista majoritária, cerca de US$ 2,3 bilhões. Quero crer que Bernie tira este dinheiro do bolso a hora que quiser.
Você deve saber que toda aquela história sobre o campeonato alternativo de Fórmula 1 a partir de 2008 está agora se encaminhando para seu duelo final, exatamente entre Bernie e Luca, para saber como serão divididos os lucros da categoria a partir de 2008.
Semanas atrás, comecei a responder a um leitor que me perguntou sobre a questão. Disse que, a mim, parecia a briga desigual, até covarde, entre um homem de mais de 70 anos contra um grupo de presidentes das maiores e mais poderosas montadoras de automóveis do planeta.
Por qualquer motivo, acabei engavetando o texto e hoje me pergunto se a luta não é sim uma grande covardia: estes pobres presidentes de montadoras não dão nem para a saída…
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O leitor Guilherme Bezerra, do Rio Janeiro, enviou interessante análise da temporada 2003, que estamos publicando ainda hoje nas Cartas dos GP da Inglaterra.
Às folhas tantas, ele cita frase de Morris Nunn, ex-engenheiro de Juan Pablo Montoya na Fórmula Cart: “Montoya não discute a parte técnica do carro. Ele senta no cockpit, pede um carro rápido e acelera”.
É uma frase muito interessante. A se acreditar nela, Montoya personifica o piloto do passado, que não está nem aí para a parte técnica. Senta na barata, pisa fundo e acabou a história.
Fangio era assim. Dizem que ele foi pilotar um BRM largamente testado – e reprovado – por Stirling Moss. Depois do treino, o engenheiro da equipe aproximou-se do grande argentino e, já esperando, uma bronca, quis saber se ele achava contornáveis os problemas do carro. “Mas que problemas?”, respondeu-lhe Fangio.
A questão é saber se a Fórmula 1 ainda pode acolher pilotos que não sejam cientistas espaciais de capacete, como Senna e Schumacher, só para citar dois exemplos mais recentes.
Se a resposta for não, é mais uma fatura que podemos debitar na conta de Bernie. Antes dele, interesse excessivo por mecânica era apenas coisa de piloto fresco.
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E aí vai uma foto da nossa série super carros.
Desta vez, é o Mercedes-McLaren SLR. Entre ele, o Ferrari Enzo e o Porsche Carrera GT, mostrado por você em sua coluna de 30/6, fico com este último.
O Ferrari me sugere túnel de vento demais e este Mercedes uma coisa meio indefinida, tendendo ao retrô. Já o Porsche tem toda a limpeza de linhas e sugestão de velocidade que se espera de um carro que só veremos em foto.
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Viramos a metade de julho ensaiando mais um recorde de visitas ao GPTotal mas, mais do que isso, impressiona o volume e qualidade da correspondência dos leitores.
Pela divisão interna de trabalho aqui no site, cabe a mim reunir, editar e colocar no ar as cartas dos leitores. Na sexta-feira, atrasado e de cabeça quente, resolvi não atualizar a correspondência do dia e acabei não o fazendo no sábado, até para dar uma folga para a Dani, nossa webmaster, sempre rápida e atenciosa.
Resultado: trabalhei das 9h da noite até meia noite passada do domingo para organizar quase nove mil palavras de cartas enviadas por leitores – quase dez vezes mais do que esta coluna. Calculo que, de quinta-feira até este momento, considerando a sessão Cartas dos Leitores, Cartas do GP da França e Inglaterra e Especial Senna, tenhamos recebido aqui no site perto de 25 mil palavras em opiniões, contribuições e dúvidas dos leitores
Na verdade, hoje, eu, você – Panda -, Bob, Luis Fernando e Tite respondemos por talvez um terço do material do site. O resto, vem todo de leitores.
É uma medida indiscutível do nosso sucesso no momento em que estamos a um mês de completar dois anos no ar.
Grande Abraço a todos
Eduardo Correa