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A relação entre juventude e experiência mudou bastante na F1. Os F1 são fáceis de guiar?

Na apresentação do filme oficial da temporada 1987 da F1, Ayrton Senna foi apresentado como ‘o piloto mais rápido da F1 atual, mas ainda precisando de experiência para ser campeão’. Quando largou para a primeira corrida daquele ano, Senna tinha acabado de completar 27 anos de idade.

Passados quase trinta anos, a relação entre juventude e experiência mudou bastante na F1 e, por que não, no mundo inteiro. Cada vez mais se vê pessoas atingindo o sucesso em seus ramos de trabalho cada vez mais jovens, mesmo que faltando experiência de vida para lidar com tamanha pressão em conseguir o pico de sua profissão tão cedo.

Na F1 de antigamente, com carros tão rápidos e inseguros, tinha-se a sensação que apenas homens poderiam lidar com aquelas ‘bestas’ de quatro rodas. Além de talento, precisava-se também de muita força bruta para segurar carros tão potentes, mas com tão pouca tecnologia disponível (comparada à hoje), além do fator coragem, com bólidos tão inseguros e pistas improvisadas, na maioria das vezes.

Era preciso muita experiência e por isso, a F1 dos anos 1950 tinha vários pilotos com quarenta ou mais anos. A principal equipe de 1950, a Alfa Romeo, trazia como seus pilotos titulares os três ‘efes’, Farina, Fangio e Fagioli, que tinham a média de 44,6 anos de idade. Nas outras equipes, velhos pilotos pré-guerra e ricos aventureiros eram a regra. Um dos pilotos mais promissores da primeira temporada da F1, justamente pela pouca idade, era Alberto Ascari, da Itália, que na época já contava com 32 anos.

No Grande Prêmio da Suíça de 1951, um jovem inglês de 21 anos de idade fazia sua estreia na F1 e assombrava que, com tão pouca idade, já pudesse correr ao lado de pilotos como Yves Giraud-Cabantous, que largava ao lado dele no grid em Bremgarten, e tinha o dobro de sua idade. Stirling Moss era a esperança inglesa para enfrentar as equipes e os pilotos italianos, mas somente em 1954 Moss se tornou um piloto de ponta na F1, estreando na equipe oficial da Maserati.

Outro inglês a assombrar o status quo foi Mike Hawthorn, piloto da Ferrari aos 24 anos de idade em 1953, que venceu uma prova e terminou o ano em quarto lugar. Porém, Hawthorn só foi conquistar seu único título cinco anos mais tarde, numa disputa ferrenha com Moss, com ambos já beirando os 30 anos. Hawthorn morreria num acidente de trânsito no início de 1959, após anunciar sua aposentadoria no final de 1958 e Moss sofreria um gravíssimo acidente em 1962 e nunca seria campeão de F1, apesar de ter se tornado uma referência para todo o automobilismo inglês nos primeiros anos da F1.

Peter Collins disse a Juan Manuel Fangio que ele era jovem demais para ser campeão mundial, durante o decisivo Grande Prêmio da Itália de 1956, aos 25 anos de idade, mas morreria dois anos depois sem ter conseguido o seu objetivo.

Da Austrália, Jack Brabham estreou na F1 aos 29 anos de idade e se sagrou campeão aos 33, conquistando mais dois títulos antes de se aposentar como um dos grandes da história, aos 44 anos, sobrevivendo praticamente ileso aos sangrentos anos 1960. Piloto da Cooper, Brabham trouxe da Oceania um jovem neozelandês de 22 anos chamado Bruce McLaren para ser seu companheiro. E o novato Kiwi se tornou o piloto mais jovem a vencer uma corrida de F1 na última prova de sua temporada de estreia, 1959, em Sebring, EUA.

Troy Ruttman venceu as 500 Milhas de Indianápolis de 1952 exatamente 24 dias mais moço do que Bruce McLaren, mas a colocação das 500 Milhas no calendário da F1 era uma mera formalidade. Tanto que, por muito tempo, contou-se o recorde de juventude de McLaren e não o de Ruttman.

Em 1961, Ricardo Rodríguez estreava na F1 mostrando uma velocidade estonteante para alguém de 19 anos de idade. O mexicano estreou no Grande Prêmio da Itália pela Ferrari largando na primeira fila, sendo mais rápido do que Phil Hill, que seria campeão naquela trágica corrida. Infelizmente, nunca saberemos ao certo o que Rodríguez poderia ter feito, pois o destino o levou com apenas 20 anos de idade.

Em 1960, um escocês de 24 anos estreava na F1 para se tornar um ícone dos anos 1960: Jim Clark. O piloto da Lotus seria a grande referência da F1, ao lado de Graham Hill, que estreara na F1 em 1958 já contando com 28 anos de idade. Jackie Stewart entraria na F1 fazendo furor em 1965 com 26 anos de idade, enquanto Jacky Ickx e Jochen Rindt estreavam na F1 aos 22 anos em meados dos anos 1960 com começos de carreira bem diferentes, mesmo que com talentos equivalentes.

Rindt teve três temporadas difíceis com a Cooper, uma equipe que vivia do passado, antes da carreira do austríaco engrenar ao ir para a Brabham e posteriormente para a Lotus. Já Ickx fez duas corridas pela Cooper antes de se transferir para a Ferrari e se tornar um piloto de ponta quase que imediatamente, vencendo sua primeira corrida em sua sétima apresentação, além de ter brigado pelo título de 1968, primeira temporada completa do belga na F1.

Após se mostrar um excelente piloto no Brasil, Emerson Fittipaldi foi para a Inglaterra aos 22 anos, estreou na F1 aos 23, vencendo em sua quarta corrida, culminando com o título aos 26 anos de idade, batendo o recorde de mais jovem a conquistar o título mundial, que era de Jim Clark. A rapidez com que Emerson chegou ao estrelato foi incrível, mas se mostrou um ponto fora da curva. No ano em que estreou na F1, em 1970, Emerson Fittipaldi viu outros três pilotos debutarem na categoria. François Cevert tinha 26 anos, Ronnie Peterson tinha 26 anos e Clay Regazzoni já contava com 30 anos. Todos eles se tornaram grandes pilotos nos anos seguintes e verdadeiras lendas, mas nenhum se tornou campeão da F1 como Emerson, mesmo tendo mais idade e experiência do que o brasileiro.

Jody Scheckter chegou na F1 aos 22 anos de idade e logo garantiu o apelido de Troglodita, pela pilotagem bruta e recheada de acidentes perigosos. Foi necessária muita experiência para que o sul-africano pudesse ganhar respeito entre seus pares, assim como boa parte dos pilotos que estreavam nos anos 1970 e 1980.

Niki Lauda estreou na F1 aos 22 anos como Scheckter, mas só foi se destacar em sua quarta temporada, quando começou um relacionamento entre tapas e beijos com a Ferrari. Mike Thackwell bateria o recorde de mais jovem a largar, superando Ricardo Rodríguez em 1980. Mas o neozelandês teria uma carreira discreta na F1 e abandonaria as pistas aos 27 anos de idade.

Por muitos anos, os recordes de precocidade ficaram intactos. Nenhum grande chefe de equipe de F1 investiria num jovem piloto, sabendo que a experiência era essencial para, não apenas acelerar e administrar uma corrida, como também para se acertar e desenvolver um carro.

Mesmo Nelson Piquet tendo conquistado seu primeiro título em sua terceira temporada completa na F1, o brasileiro já contava com 29 anos de idade quando conquistou o campeonato de 1981, derrotando na ocasião Carlos Reutemann, com 39 anos.

A F1 era recheada de ‘tios’, com seus trinta e tantos anos, durante a década de 1980. Em 1991, Michael Schumacher estreava aos 22 anos e teria ao seu lado na equipe Benetton o já experiente Nelson Piquet (39 anos), tendo como grandes estrelas na ocasião Ayrton Senna (31) e Nigel Mansell (38). Alain Prost voltaria à F1 em 1993 para conquistar seu quarto título aos 38 anos de idade, sendo que Mansell conquistou seu único título mundial no ano anterior aos 39. Rubens Barrichello bateu o recorde de precocidade de pole em 1994, num dia de chuva em Spa, aos 22 anos, mas a segunda pole do brasileiro seria cinco anos depois.

Então, na virada do século, com a globalização e as informações se tornando velhas rapidamente, a F1 viu a entrada de um jovem inglês, que mudaria para sempre a cara da categoria. Jenson Button tinha feito algumas corridas de F-Ford em 1998, antes de estrear na tradicional F3 Inglesa, onde disputou o título com Marc Hynes e Luciano Burti. Mesmo em terceiro no campeonato, Button teve o direito de participar de um ‘vestibular’ com Bruno Junqueira no final de 1999 e o inglês acabou contratado pela Williams, no ano 2000.

Button tinha apenas 20 anos quando fez sua estreia na F1. Ele não era o mais jovem a estrear na história da F1, mas a pouca experiência de Jenson chamou a atenção. Todos esperavam que Button fosse um perigo a si e aos demais pilotos. Porém, o inglês marcou pontos em sua segunda corrida na F1, em Interlagos, e sua pilotagem segura garantiu uma temporada de estreia boa o suficiente para provar que ele não apenas era apto a estar na F1, como poderia obter sucesso.

No ano seguinte, mais dois jovens, talentosos e inexperientes pilotos estreariam na F1. Aos 19 anos, Fernando Alonso tinha apenas dois anos em carros de corrida e já estreava na F1 pela Minardi. Dois anos mais velho, Kimi Raikkonen chocava a F1 ao estrear na categoria após apenas 23 corridas de F-Renault e se tornar campeão inglês da categoria. Kimi teria uma superlicença temporária, mas ao pontuar logo na sua primeira corrida, o finlandês mostrava que estava pronto para a F1, o mesmo acontecendo com Alonso, apesar de estar numa Minardi em fim de carreira, também mostrou potencial. Em 2002, foi a vez de Felipe Massa, aos 20 anos e uma vitoriosa carreira nas categorias de base, estrear na F1. Mesmo não tendo o mesmo talento de Raikkonen e Alonso, o brasileiro logo estaria na Ferrari.

De repente, a F1 estava se transformando numa F-Teen e os recordes de precocidade foram sendo batidos nos últimos anos. O recorde de Emerson Fittipaldi de mais jovem campeão foi batido por Fernando Alonso em 2006. E depois por Lewis Hamilton e Sebastian Vettel. Alonso também trataria de bater o recorde de Bruce McLaren em 2003 como mais jovem a vencer, mas se o recorde de McLaren durou mais de quarenta anos, o recorde de Alonso foi sendo batido sucessivamente nos anos seguintes.

Se em 1987 Ayrton Senna era inexperiente e jovem demais para ser campeão mundial, aos 27 anos Sebastian Vettel já tinha quatro títulos mundiais consecutivos, Fernando Alonso tinha dois e Lewis Hamilton tinha um. Uma preparação melhor, em todos os sentidos, fez com que pilotos cada vez mais jovens estreassem na F1 mostrando uma pilotagem segura e sem mostrar maiores dificuldades em enfrentar carros tecnologicamente muito evoluídos e bem mais seguros do que antigamente.

Mais fáceis de guiar? A resposta não é tão simples assim. Levar um F1 ao limite por várias e várias voltas ainda é um grande desafio, mas simuladores fazem com que os pilotos cheguem preparados para enfrentar a realidade com impressionante destreza, aliado ao grande talento de cada piloto. Max Verstappen vem batendo todos os recordes de precocidade de F1. Mais jovem a estrear, mais jovem a pontuar e mais recentemente, mais jovem a vencer uma corrida. Tudo isso com incríveis 18 anos de idade. Como estará a estante de troféus de Max aos 27 anos?

Um abraço,
JC Viana

JC Viana
JC Viana
Engenheiro Mecânico, vê corridas desde que se entende por gente. Escreve sobre F1 no tempo livre e torce pelo Ceará Sporting Club em tempo integral.

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