Panda
Ao ver minha última coluna no ar – aquela sobre pilotos e motoristas –, lembrei de Chico Rosa explicando-me uma das diferenças entre Emerson e José Carlos Pace, o Moco, e por que um teve tanto mais sucesso que o outro na Fórmula 1.
Chico lembrou que Emerson fez praticamente todo o seu aprendizado em karts e carros de Fórmula Vê, indo daí para a Europa. Ou seja: foi nascido e criado em carro com rodas descobertas, em corridas rápidas, sem espaço para erros e recuperação. Um tiro só, sem sobreviventes.
Já Moco, antes de sentar-se num fórmula, acumulava quatro anos de experiência em corridas de carros de rodas cobertas em corridas de duração mais longa, onde concentração extrema e velocidade total, isenta de erros, não era exigida em 100% do tempo.
Chico, irmão mais velho de Emerson e Moco, nem por sombra aventou a definição usado por Stirling Moss, para taxar um de piloto e outro de motorista. A uso eu apenas para frisar que a Fórmula 1 é jogo duríssimo mesmo para grandes pilotos como Moco.
///
E é para lá que se aproa o barco de Nelsinho Piquet.
O tal contrato que assinou/está assinando/assinará/assinaria com a Williams é um grande passo para um garoto como ele, de inegável talento e excelentes possibilidades no futuro – mas é apenas isso: um passo.
Aos 17 anos e depois de duas temporadas na F3 com considerável sucesso (várias vitórias e poles e um 3o lugar no feroz campeonato inglês), Nelsinho está ingressando na corredeira forte e traiçoeira dos adolescentes que, por méritos próprios ou esquema de promoção, caem na graça das grandes equipes de Fórmula 1.
Kimi Raikonnen, Juan Pablo Montoya, Fernando Alonso, Felipe Massa e Antonio Pizzonia, entre outros, seguiram o mesmo caminho, com uma ou outra variação. Montoya teve de maturar um pouco nos Estados Unidos enquanto Alonso e Massa temperavam o espírito como pilotos de testes depois de já terem estreado na Fórmula 1.
O esquema é produto da hipercompetitividade da categoria. Nem preciso dizer o que significa ter em mãos a carreira de um super dotado a baixo custo. Não é por nada que a Williams paga menos a Montoya do que a Ralf Schumacher.
Mas há também um componente típico de ganância. A equipe/empresário, se acertar na escolha, ganha uma fortuna; se errar, os prejuízos são bem limitados, se existirem.
É que um contrato deste tipo não envolve remuneração para o piloto ou compromisso da equipe em investir dinheiro na carreira dele. Tudo pode ficar no plano promocional e um ou outro teste (nem o mais crédulo dos comentaristas pode acreditar que alguém tão verde quanto Nelsinho possa desempenhar um papel marcante no desenvolvimento dos foguetes da Williams BMW, tanto mais num período em que a tecnologia de motores estará sendo revirada de cabeça para baixo). Com sorte, a equipe poderá até ganhar algum dinheiro com o pupilo, caso consiga envolver patrocinadores na história, como no triângulo Williams-Pizzonia-Petrobrás.
Não que não seja bom negócio para o piloto. Um contrato destes praticamente lhe garante lugar nas boas equipes das fórmulas intermediárias e também melhores condições para treinar. Mas garantias de chegar à Fórmula 1, ele não tem nenhuma. Como poderia tê-las?
Afinal, o garoto pode simplesmente não amadurecer, não desenvolver o talento, competência e coragem essenciais na medida em que cresce o número de cavalos às costas e competidores agressivos à frente.
Lembra-se de Jan Magnussen? Depois de fazer na Fórmula 3 inglesa algo parecido ao que Piquet e Senna fizeram, ele foi recrutado pela Stewart mas não conseguiu dar conta do recado.
Pneus largos, motores muito potentes, pressão esportiva e mundana, dinheiro, garotas, preparo físico e psicológico, capacidade de concentração extrema, um, dois ou todos estes elementos se combinam na Fórmula 1 como em nenhuma outra categoria do automobilismo (uma piscadinha para quem discordou de mim em minha coluna passada) e o garoto simplesmente pode não desenvolver estrutura para administrar tudo isso. Aliás, é até de se esperar que não desenvolva, dada a velocidade dos acontecimentos.
No passado, o jovem podia demorar alguns anos para encontrar o seu caminho, tendo de batalhar ele mesmo equipe, patrocinadores etc. Foi assim com Emerson e Nelson Piquet.
Viajaram sozinhos para a Europa, escolheram e compraram seus carros, trabalharam duro neles, economizando na própria comida para comprar motores e peças melhores e treinar mais. Assim, se lançaram em busca tanto da própria maturidade quanto da excelência esportiva. Quando foram percebidos pelas grandes equipes, Emerson aos 24 anos (excepcionalmente cedo para os padrões da época) e Piquet aos 26, estavam prontos a encarar o desafio que se cobrava deles.
Voltando ao caso de Nelsinho, imagino que o tal contrato possa lhe garantir testes pela Williams e depois uma tutela pelos anos seguintes que pode lhe render patrocínios e contatos mas não um lugar fixo na equipe, mesmo como piloto de testes.
Isso só depende dele e dos resultados que vier a conseguir a partir do ano que vem. E com toda a promoção que Piquet armou em torno do filho, qualquer coisa que não seja uma vitória acachapante no Inglês de Fórmula 3 será um fracasso capaz até mesmo de por um ponto final na carreira de Nelsinho.
E aí teremos o paroxismo dos paroxismos: uma aposentadoria aos 18 anos.
///
Por que tanta confusão de notícias ao longo da semana passada em torno do contrato entre Nelsinho e a Williams?
Posso entender apenas a jogada de Piquet: empresário competente, ao anunciar as intenções da equipe inglesa, ele atraiu para seu filho e piloto toda a atenção de patrocinadores nacionais e internacionais. Se você tivesse US$ 1 milhão para patrocinar um piloto em 2004 e estivesse indeciso entre Nelsinho, Farfus e João Paulo de Oliveira, em quem você investiria?
Importante: Piquet está pondo dinheiro pesado no filho, provavelmente o piloto que mais gastou em 2003 em treinos, equipamentos e equipe. Certamente deve continuar assim em 2004 e por isso é tão importante que ele vença, de forma a não deixar dúvidas sobre seu talento – e um buraco nas contas do pai.
Boa semana a todos
Eduardo Correa
AS FOTOS DE NELSINHO EM JEREZ |