Aventuras de Emerson nos EUA – Parte 1: bate-bate na IROC

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Para muitos torcedores, a carreira de Emerson Fittipaldi no automobilismo dos Estados Unidos se resume aos anos em que ele disputou a Fórmula Indy (nome usado por aqui antes do bisonho “Fórmula Mundial”, e abandonado depois da crise política que culminou com a criação da IRL). Esta fase da carreira de Emerson durou de 1984 a 1996 e foi tão vitoriosa quanto seus primeiros cinco anos na F 1: um título (1989), duas vitórias na 500 Milhas de Indianapolis (1989 e 1993) e um total de 22 vitórias na categoria.

Poucos sabem, e entre os que sabem poucos devem lembrar, que a ligação de Emerson com o automobilismo estadunidense começou muito antes de sua estréia na Indy. Para começar, foi no GP dos Estados Unidos de 1970, em Watkins Glen, que Emerson conquistou sua primeira vitória na F 1. Isso já foi suficiente para tornar seu nome familiar na cena automobilística local, que nunca deu a menor bola para o que acontecia fora do país.

Sempre é bom lembrar que nas décadas de 1960 e 1970 havia um intenso intercâmbio de pilotos e equipes de várias categorias. Era comum pilotos, equipes e construtores de F 1 participarem ou construírem carros também em provas de outros campeonatos. Os mais prestigiados eram o Mundial de Marcas, o Europeu de Fórmula 2, o Europeu de Fórmula 5000 e, nos Estados Unidos, a Can-Am (protótipos) e a USAC (a entidade que, antes da CART, organizava o campeonato daquilo que nós chamávamos de “Fórmula Indy”). A Can-Am contava com grande afluxo de pilotos europeus, enquanto a USAC contava praticamente só com americanos. Mas entre estes havia nomes como Mario Andretti, Peter Revson e Mark Donohue, que mostraram suas capacidades nos confrontos com os europeus.

Não resisto a fazer um comentário pessoal: que época maravilhosa.

Voltemos aos Estados Unidos. Em 1973, Roger Penske criou um torneio chamado IROC (International Race of Champions). Tudo muito simples: a Penske Enterprises encomendou 15 carros idênticos – todos Porsche 911 Carrera RS, com motores de 3,0 litros e 320 cv. Foram preparados mais de 80 motores, dos quais 15 foram selecionados (os que apresentaram resultados mais parecidos nos testes de dinamômetro). Cada carro foi pintado em uma cor diferente e teria apenas três inscrições: as marcas Porsche e Goodyear, mais o nome do piloto. Nada de patrocinadores. Três desses carros ficaram como reservas; os outros 12 foram entregues a campeões de diferentes categorias.

Em seguida, passou-se à seleção de pilotos. A intenção era reunir o que de melhor havia no automobilismo internacional – incluindo aí o estadunidense. Foram selecionados dois pilotos de F 1 (Emerson, campeão mundial de 1972, e Denis Hulme, campeão em 1967), estrelas da USAC e Can-Am (Mark Donohue, George Follmer, Peter Revson, Roger McCluskey, Gordon Johncock e Bobby Unser) e os melhores representantes da Nascar (Richard Petty, Bobby Allison e David Pearson). Jackie Stewart, o campeão mundial de 1973, havia sido convidado e confirmou presença, mesmo já tendo decidido parar de correr após o encerramento da temporada de F 1. A morte de François Cevert, nos treinos para o GP dos EUA, abalou-o profundamente e ele declinou da participação na IROC. Foi substituído por A. J. Foyt.

A primeira edição da IROC teve quatro corridas. As três primeiras foram disputadas em Riverside, circuito misto próximo a Los Angeles, sendo duas no sábado, dia 27 de outubro, e a terceira no dia seguinte. A final aconteceu em Daytona, em fevereiro de 1974. Após cada corrida, os pilotos trocariam de carros: o último colocado usaria o carro do vencedor da corrida anterior, o penúltimo guiaria o carro do segundo colocado e assim por diante. O único acerto permitido aos pilotos era a posição do banco. Após treinos e corrida, os Porsche 911 Carrera eram recolhidos a um box e lá ficavam sob vigilância de guardas armados. Somente a mecânicos da Porsche poderiam entrar e mexer nos carros – unicamente para checar se todos estavam nas mesmas condições, completar os reservatórios de gasolina e óleo, e eventualmente fazer pequenos reparos. O próprio Roger Penske era proibido de entrar, e até o então diretor-presidente da Porsche chegou a ser retirado do box por um policial.

Emerson fez o melhor tempo nos treinos e seria o pole position na primeira etapa, mas foi obrigado a largar em penúltimo por ter chegado atrasado (“foram só cinco minutos”) à reunião de pilotos convocada pela direção de prova. Emerson protestou energicamente e defendeu-se lembrando que não havia base regulamentar para a punição. Ameaçou não correr, mas acabou alinhando na última fila. Atrás dele estava Follmer, que fora punido pelo mesmo motivo.

Na primeira corrida, Emerson guiou de maneira agressiva para tentar recuperar posições. Mas uma falha nos freios provocou um acidente no final da reta e o brasileiro abandonou. O grid das duas corridas seguintes seria inverso ao resultado da anterior, e com isso Emerson saiu na pole na segunda corrida. Manteve-se na liderança até enfrentar, novamente, problemas nos freios. Caiu para 3° e ficou observando a briga de Allison e Pearson, dois pilotos oriundos da Nascar. “Eles andavam colados, batiam nos pára-choques e encostavam pára-lamas e portas. Tudo isso a 190, 200 km/h. Eu nunca havia visto algo assim”, declarou Emerson. Como não poderia deixar de ser, Allison e Pearson se enroscaram e Emerson “comprou pronta” a confusão dos dois. O incidente deu a vitória de presente a Follmer, deixando Pearson em 2° e Emerson em 3°. Na terceira corrida, Emerson largou em 10° lugar e terminou novamente em 3°.

A final da IROC, em Daytona, seria disputada somente pelos seis melhores classificados na tabela de pontos após as três primeiras etapas. Emerson terminou em 7° lugar, apenas um ponto atrás de Foyt, e ficou fora da final. O campeão foi Mark Donohue, que terminou à frente de Revson, Unser, Pearson, Follmer e Foyt.

Emerson disputou mais duas edições da IROC, as de 1974-1975 e de 1975-1976. Afilosofia se manteve a mesma (a IROC é disputada até hoje e edições recentes tiveram a participação de brasileiros como Hélio Castro Neves e Felipe Giaffone), mas já na segunda edição os Porsche 911 Carrera foram substituídos pelos Chevrolet Camaro Z-28, modelos esportivos tipicamente norte-americanos. Mais habituado, Emerson terminou em 5° lugar na edição de 1974-1975 e em 8° na de 1975-1976. Em ambas, participou da final em Daytona, mas permanecia com reservas quanto ao “jeito americano de correr” – especialmente as raspadas de porta a mais de 200 km/h nos ovais. Na final de 1976, por exemplo, Emerson largaria na pole position. Não teve dúvidas em queimar a largada descaradamente, apenas para não correr o risco de chegar à primeira curva no meio de um grupo de pilotos americanos bem mais acostumados às manhas de um oval.

No começo de 1995, entrevistei Emerson para uma matéria que seria publicada na revista Grid. Perguntei-lhe a certa altura qual havia sido o pior carro que ele havia pilotado em sua carreira. Resposta, sem titubear: “O Camaro da IROC. Eu não me entendia com o carro e nem ele comigo. Foi o pior e mais perigoso carro de corridas que já pilotei”.

No dia 6 de agosto tem mais. Até lá.

Luiz Alberto Pandini
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A nossa versão automobílistica do famoso "Carta ao Leitor"

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