Não há registro conhecido de que algum brasileiro tenha pilotado um carro de corrida em Indianapolis antes de Emerson Fittipaldi. Sua primeira participação na 500 Milhas aconteceu em 1984, mas dez anos antes ele já havia tido sua primeira experiência no oval mais famoso do mundo.
Guiar em Indianapolis era um sonho que Emerson tinha desde garoto. Por uma ironia do destino, Emerson entrou na Lotus (pela qual correu na F 1 e na F 2 entre 1970 e 1973) cerca de dois anos após a equipe de Colin Chapman encerrar sua participação em Indianapolis.
Em 1974, Emerson passou a correr pela McLaren, que desde alguns anos antes vinha competindo em Indianapolis. E nesse mesmo ano Johnny Rutherford conseguiu a segunda vitória da McLaren na 500 Milhas, com um modelo M16 equipado com motor Offenhauser. Teddy Mayer, o chefão da McLaren na época, acompanhava a equipe na F 1 e delegava a Tyler Alexander a chefia da McLaren Cars no campeonato da USAC, reservado aos carros de Indianapolis. Não foi difícil para Emerson marcar um teste com o McLaren de Rutherford.
No dia 6 de outubro de 1974, Emerson sagrou-se bicampeão mundial de Fórmula 1 ao conquistar o 4° lugar no GP dos Estados Unidos, em Watkins Glen. Dois dias depois, estava em Indianapolis, onde a Goodyear promovia um teste de pneus. Além de Rutherford, estavam presentes A. J. Foyt (até então vencedor de três 500 Milhas), com seu Coyote, e Gordon Johncock (vencedor da edição de 1973), com um Eagle.
Ao entrar no autódromo, Emerson viu um carro laranja sair dos boxes. Era o McLaren que ele iria testar, com Rutherford ao volante. “Ele saiu devagar, mas quando passou na primeira volta pensei que estava pedindo permissão para decolar. Senti um nó na garganta. O carro passou a uns 350 km/h. Fiquei realmente impressionado”, afirmou na época à revista “Quatro Rodas”.
Nos boxes, Emerson recebeu muitos cumprimentos pela conquista do título da F 1 – uma surpresa agradável, dado o notório desinteresse dos estadunidenses pela categoria. Em seguida, conversou com Rutherford e foi apresentado a Herb Porter, um piloto aposentado que na época era o responsável pela aplicação do “rookie test”, a avaliação à qual devem se submeter todos os estreantes em Indianapolis antes de receberem permissão para acelerar forte. O ritual era sempre o mesmo: Porter avaliava as condições físicas e psicológicas do piloto, além de dar dicas de pilotagem e convencê-lo de que o limite de Indianapolis deveria ser descoberto pouco a pouco. “Se eu dissesse que pretendia ‘baixar a bota’ e tentar bater o recorde do circuito, ele provavelmente me expulsaria do autódromo”, brincou Emerson ao descrever o teste para a antiga revista brasileira “Grand Prix”. A recepção a Emerson foi calorosa. Foyt, que já o conhecia desde a corrida da IROC no ano anterior (veja a primeira parte das “Aventuras de Emerson nos EUA”), também deu conselhos valiosos a Emerson.
Emerson testaria o McLaren M16 durante uma pausa dos pilotos locais para o almoço. Banco e pedais haviam sido medidos meses antes, durante uma outra viagem de Emerson aos Estados Unidos. O cockpit do McLaren M16 era idêntico ao do M23 que Emerson usava na F 1 (a maior diferença era a existência, no painel, do botão de regulagem da pressão do turbocompressor) e os dois carros eram muito parecidos do cockpit para a frente. A diferença maior estava na traseira: em vez do motor Ford Cosworth da F 1, com 450-500 cv, havia um Offenhauser turbo que poderia atingir até 860 cv. O câmbio tinha quatro marchas.
Como a própria numeração indica, o M16 foi desenhado antes do M23. Ou seja: as idéias de Gordon Coppuck, projetista da McLaren na época, originaram um carro bicampeão mundial de F 1 e outro que venceu duas vezes a 500 Milhas de Indianapolis – sempre nos mesmos anos: 1974 e 1976 (coincidentemente, em 1975 Emerson foi vice-campeão na F 1 e Rutherford foi 2° colocado em Indianapolis). Algo impensável nos dias de hoje, e que atesta a competência de Coppuck e a qualidade do projeto.
Nessas primeiras voltas, Emerson precisaria obedecer a um limite máximo de 150 milhas por hora (241 km/h) de média horária por volta. Ao contrário do que sempre fizera em um carro de corrida, Emerson engatou a primeira, a segunda, a terceira e a quarta marcha – e não precisou mais mexer no câmbio nem nos freios. Fez as primeiras sete ou oito voltas devagar, “sentindo” o carro, mas depois começou a andar rápido. Em uma das voltas, ultrapassou o limite em 11 milhas por hora (19 km/h). Emerson levou uma advertência, mas Herb Foster percebeu que o bicampeão de F 1 já havia encontrado o melhor traçado para as curvas. Em seguida, o teste de Emerson foi encerrado para que Rutherford, Foyt e Johncock pudessem voltar a treinar.
No dia seguinte, Emerson estava de volta à pista para mais um teste na hora do almoço. Apesar da infração à velocidade máxima, mostrou segurança e habilidade suficientes para que Herb Porter consentisse uma progressão mais rápida das velocidade. Em poucas voltas Emerson conseguiu a média de 277 km/h. Em tempo de volta, estava virando cerca de 5 segundos mais lento que os outros pilotos presentes (52 segundos contra 47 dos demais). Foi o suficiente para que Teddy Mayer se entusiasmasse: “Ele é fantástico”, disse, sorrindo. Ao lado dele, Rutherford se mostrava tão entusiasmado quanto Mayer: “Ele é rápido como eu nunca vi e está se adaptando rapidamente ao carro e ao circuito”. E completou com uma frase que se mostrou profética: “Ele vai longe aqui nos Estados Unidos”.
E Emerson, o que estava achando de tudo isso?
“É muito estranho. A velocidade é tão alta que a impressão que se tem é que o reflexo humano não consegue acompanhá-la. Enquanto tudo está bem, não há problema: o carro é firme e a pista é segura. Mas, se houver alguma necessidade de correção, acho que não daria para fazer. E isso é grave”, afirmou.
Essa preocupação foi recorrente em todas as conversas e entrevistas que Emerson deu sobre Indianapolis. Curiosamente, a velocidade não o impressionou muito. “Não é difícil atingir o limite do carro. O que impressiona é a pista muito estreita, com muros muito perto”, avaliou Emerson. Sua maior dificuldade foi “achar o jeito” de fazer as curvas 1 e 3 – as mais difíceis de Indianapolis, por estarem no final das retas mais longas. “Na curva 1, chega-se ao fim da reta a uns 360 km/h. Se não virar a mãozinha na hora certa, não vira nunca mais.” Mesmo assim, não demorou muito para Emerson fazê-la a plena aceleração, como se já tivesse anos de experiência em Indianapolis. Rutherford, entusiasmado, tentou tranqüilizar Emerson dizendo que os treinos seguintes seriam mais fáceis. E dizia a quem quisesse ouvir: “Com a facilidade com que ele se adaptou a tudo por aqui, ele certamente correria a próxima 500 Milhas já como um dos favoritos”.
Emerson saiu de Indianapolis afirmando que gostaria muito de um dia assistir a uma 500 Milhas, mas não de participar da corrida. “Gostei muito da experiência, foi muito bom conhecer mais um tipo de carro e de competição. Mas não vou correr em Indianapolis.”
O futuro mostraria que Emerson, felizmente, estava enganado. É sobre isso que vou falar na próxima coluna.
Luiz Alberto Pandini |